NUVEM DE PRATA

Seu sono fora interrompido por um súbito e inexplicável clarão. Uma luz arrebatadora que irrompera as dependência do seu quarto através do vão da janela aberta. Movido pela curiosidade, pôs-se de pé e correu, ainda com trajes de dormir, até o lado de fora, no intuito de desvendar o mistério acerca daquela estranha manifestação prateada.

Sua mente teimava em não aceitar o que os olhos lhe mostravam: um imenso círculo, brilhante e ruidoso, o qual crescia assustadoramente em sua direção. A propriedade ficava num local isolado, a muitos quilômetros de qualquer outro sinal de civilização, por conta disso, duvidava que existisse mais alguém para comprovar que a loucura não o havia dominado.

O brilho passou por ele a poucos metros do chão, o deslocamento de ar o arremessou longe. Mesmo com a visão ofuscada, ele pôde observar quando o fenômeno se chocou contra as cercanias do pomar. A luminosidade prata extinguiu-se de imediato, mas nenhuma explosão acompanhou sua queda. Ainda que dominado pelo medo, ele não hesitou em seguir até o local.

Após rápida análise, ele pôde perceber que apesar do estrago na vegetação, não havia uma cratera muito grande no solo. Conforme se aproximava, os contornos do objeto começavam a se revelar. De dimensões não muito superiores às de um automóvel popular, o que chamava mesmo a atenção era o formato cilíndrico e o zumbido metálico que acompanhava aquilo que julgou ser uma espécie de veículo.

Ao tocar a superfície do aparelho, foi levado ao chão por uma descarga elétrica. Em seguida, um chiado estridente anunciou que um tipo de abertura se revelava lentamente.

Ele se levantou e, mal podendo controlar o nervosismo, arriscou um olhar para dentro da cápsula. Se até então o estarrecimento absoluto já era algo a lhe preencher por completo, após aquela visão, ele teve a certeza de que não haveria uma palavra capaz de traduzir o que sentiu. Uma criatura tentava se desvencilhar de um cinturão e de outros apetrechos que o mantinham atrelado, na posição horizontal, a uma esteira cromada.

Sob uma análise inicial, os traços do ser não diferenciavam muito dos de um humano, embora as vestes que trajava impossibilitassem um veredicto mais apurado. O capacete apresentava inúmeros microfuros em toda a sua extensão, tal qual a portinhola que deslizara minutos antes. A imobilidade do estranho insinuava uma aparente morte, impressão totalmente desfeita por um inesperado movimento. Numa fração de segundo, o homem teve um de seus braços agarrado pela mão enluvada da criatura. Um torpor o dominou.

O intenso formigamento em seu braço aumentou quando percebeu que um estalo fez a viseira do capacete subir, deixando exposto o grande par de olhos, de coloração alaranjada e aparência fria. Definitivamente aquilo não era humano, pensou. Porém, mal teve tempo para organizar qualquer outro pensamento, pois sentia a presença da criatura em sua mente, ela dizia claramente: “Você precisa salvar milhões, precisa salvar toda a espécie!”.

Uma dor aguda o livrou do jugo do ser. A confusão em sua cabeça não o impediu de visualizar algo que em qualquer civilização seria evidente: uma arma! Postada no colo do estranho. Movido mais por desespero do que por coragem, ele agarrou o objeto e apertou o gatilho, fazendo mira na cabeça do ser. Um flash de intensidade absurda dominou o ar, acompanhado de uma fumaça densa e branca. Em seguida, um ruído alto, semelhante ao estilhaçar de vidro, se fez ouvir. O brilho prateado, o mesmo que presenciara antes, retornava com intensidade. Antes de perder os sentidos, ele pôde perceber vários círculos amarelos na escuridão, assim como o ruído de motores, então, desfaleceu.

Quando acordou, seus pensamentos estavam confusos. Encontrava-se isolado em uma câmara. Várias pessoas o observavam. Entre o turbilhão em sua mente uma certeza se destacava: salvar e perpetuar a espécie!

Seu desespero ficou evidente para todos à sua volta. Ele se debatia e gritava, clamava por urgência. Várias pessoas, entre elas cientistas e militares, todos com trajes especiais, tentavam contê-lo e, sobretudo, entendê-lo. Um dos homens tentou sedá-lo, mas seus músculos estavam tão rígidos que a agulha simplesmente quebrou ao menor toque. Ele dizia, com convicção, que todos morreriam se ele não ajudasse.

Mais e mais pessoas se aglomeravam ao redor da cúpula. Soldados apontavam suas armas. Ele não respondia aos questionamentos que lhe eram feitos, parecia tomado pela mais completa insanidade. Então, parou com toda e qualquer atitude anormal. Os homem se entreolharam. Com a voz plácida e serena, ele perguntou:

- Quantas pessoas trabalham nesse complexo?

- Duas mil e seiscentas – respondeu um dos cientistas, tentando estabelecer um diálogo racional.

De maneira rápida e eficiente, ele se soltou do controle dos soldados que o agarravam e girou o tronco, dominando um deles pelo pescoço. Dezenas de pontos escarlates dançavam sobre seu corpo. Ninguém, exceto o refém em seu poder e em sintonia mútua com o seu existir, imaginava o que se passava em sua cabeça. A preservação da espécie era algo decantado, mas o que ele buscava não era a sobrevivência da raça humana, longe disso, ele lutava, naquele momento, pela perpetuação da vida que germinava em seu cérebro.

A nave que caíra em seu quintal trazia um fugitivo, alguém que tentara, em vão, escapar do domínio de uma raça predadora. Mas que fora subjugado pelo poder da nuvem de prata, uma colônia de invasores, a qual demonstrara incansável perseguição pelo espaço até alcançar sua última vítima. Agora, caberia a ele disseminar no nosso planeta a vida que crescia em sua cabeça.

Deliberadamente, ele largou o prisioneiro e correu, demonstrando uma clara intenção de escapar, pelo menos de acordo com o julgamento do perplexo grupo que o cercava. Um inadvertido dedo pressionou o gatilho de um fuzil, liberando a carga mortal contra o fugitivo, espalhando seu cérebro pelos ares.

Com o corpo no chão, uma cortina prateada se elevou, acompanhada de um tilintar aterrador. Era o bater de asas de microscópicos e brilhantes insetos, os quais haviam surgido das larvas depositadas e nutridas no encéfalo do morto. Milhões de vidas salvas e que agora se multiplicariam rapidamente, tamanha a quantidade de incubadoras que teriam à disposição. Cada uma daquelas pessoas ganharia um novo propósito de vida.

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 07/04/2010
Código do texto: T2182396
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