Medo que vem de dentro.

Começou assim. Na rua.

Alguma coisa sussurrando dentro de mim. As vezes sim, as vezes não. Mas cada vez que eu ia pra rua tinha medo daqueles cochichos voltarem.

Então, numa dessas tardes nubladas, quando eu voltava do trabalho, mais cedo por estar me sentindo mal, escutei. Mas era como se estivesse falando comigo. Eu moro em uma cidade perigosa, você bem sabe. Tive medo que algum ladrão notasse, algum... vagabundo, não sei. Haviam tantos indigentes por ali. Fui com o coração aos pulos até um ponto de onibus mais movimentado e esperei.

Passei a andar de carro. Parava-o sempre na faixa do meio, ou à direita, meu vidro muito colado no carro ao lado, sem dar chance de qualquer um chegar a minha janela - que estava sempre fechada.

Quando fui parada, por um guarda, quase chorei, implorei para que ele não me mandasse tirar o filme do carro. O escurecimento do vidro me protegia, e eu me sentiria tão exposta.

Então, numa dessas tardes, depois do meu veículo ter precisado parar no mecânico, num desses azares da vida, dentro do ônibus, eu ouvi aquilo gritar. Deus. Senti meu corpo inteiro trepidar. Eu já ouvira casos de ônibus serem assaltados. Acidentes. Será que aquele motorista não estava correndo demais? Tive tonturas, e duas moças me fizeram sentar. Mas o coletivo estava tão cheio de gente, abafado, que me sentia presa, não havia ar. E se acontecesse algo, toda aquela gente me esmagaria. Eu não conseguiria sair do ônibus porque estava sentada!

Quando finalmente ganhei a rua, fiquei ainda mais assustada. Estava sozinha agora. Como eu iria pra casa? Era inverno, portanto escurece mais cedo, e as ruas são tão mal iluminadas!

No dia seguinte não consegui criar coragem para sair de casa. Como eu poderia passar por tudo aquilo de novo? Como iria pegar outro ônibus? Aquela sensação no coletivo, aquilo havia me abalado tanto.

Voltei ao trabalho apenas quando o automóvel ficou pronto, alegando imenso mal estar. Veja, era verdade.

Para não ter mais de passar por um aperto tão terrível, comecei a me precaver. Evitava lugares perigosos, então saia mais cedo de casa, pois demorava mais no caminho. Ligava para meu pai do celular, quando percebia que ninguém estava visando meu carro, ainda da rua, para que ele abrisse o portão, sem que eu precisasse sair do carro e me expor a um seqüestro. Evitava ambientes apertados demais, muito cheios de gente.

Então, um dia, eu estava no shopping. Muito grudada com meu noivo, pois eu sentia que algo estava errado ali dentro. Aquela coisa urrava dentro de mim "vá embora, vá pra casa" porque não poderia estar certo, aquele shopping tão cheio de gente. Meu noivo dizia que era por causa de um show que aconteceria dali a pouco ali perto, mas não. Aqueles lunáticos, todos vestidos de preto, eles eram perigosos!

Implorei pra ser levada para casa. De lá não sai por todo o final de semana.

Dois dias depois bati o carro. Ou melhor, bateram em mim. Quebrei a perna, mas Deus sabe, eu poderia ter me ferido mais. Meu pai, aposentado, começou a me levar então, mas eu não me sentia melhor. Poderíamos morrer os dois, o que seria ainda mais horrível. Como eu ficaria sem meu paizinho? A coisa já não gritava. Pura e simplesmnete pressionava. Com tanta força...

Deixei de trabalhar quando o elevador do prédio onde minha empresa estava estabelecida quebrou. Foi a gota. Duas horas para tirarem os pobrezinhos dali de dentro. E era impossível subir ao décimo andar de escada. Eu trabalhava de salto, poderia cair, rolar os degraus. Por sorte não fora eu ali. Se tivesse ficado presa naquela caixa metálica - logo eu que odiava elevadores - teria sido o fim.

Sai de meu emprego e comecei a procurar outro. Assim aquilo, aquela sensação, amansava dentro de mim. Descobri que me sentia tão bem ficando em casa, que simplesmente comecei a oferecer meus serviços como free lancer. Trabalhava de casa, tinha mais conforto, não precisava dar as caras na rua.

Então meu noivo me deixou. Alegando que eu era maluca, que não agüentava mais minhas manias, meus medos. Ele não me amava, essa era a verdade, e justificou-se dessa maneira.

Meus pais sim, me ajudavam. Minha mãe cuidava de mim o dia todo. Ficávamos conversando horas, enquanto ela esperava meu pai e irmãos voltarem.

Mas comecei a ter certo receio. Minha irmã mais nova pois fogo na cortina da cozinha em sua distração ao fazer arroz. Convencia minha mãe a mudar o fogão de lugar, e todos os dias me certificava de que nada por ali poderia queimar. Eu estava em casa mesmo, não custava.

Infelizmente moramos numa casa. Uma noite, acordei sobressaltada, aquela coisa, aquele medo gorgolejando em meu peito. Havia barulho no portão, e meu cachorro estava tão agitado. Tão profundamente agitado. Fui chamar meu pai, meu irmão mais velho.

Nos tínhamos que mudar. Para um apartamento. Mas não, prédio tem elevador. E se não o tem...Deus, as escadas! E não poderíamos levar o cachorro – é ele que nos alerta de perigos enquanto dormimos. Mas... uma casa é tão perigosa. Eu não consigo mais ir ao mercado, porque sei que vão me roubar. As vezes eu tomo banho com medo do chuveiro queimar - porque se queimar, o que pode acontecer? A água poderia me matar?

Eu já não suporto pessoas doentes. Eu sei que meu corpo já é infecto o suficiente que um dia isso será meu fim. Uma gripe facilmente vira uma pneumonia, e eu não gosto de ir a médicos. Quer dizer, não gosto mais. Ou não quero sair na rua, isso também é perigoso demais.

Eu já não saio do quarto, com medo do mundo. Meu irmão diz que eu tenho pânico de viver, mas na verdade eu tenho profundo e verdadeiro medo de morrer...

Deus, alguém, por favor... Faça isso parar! Por favor. Faça parar...

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Bem, eu tentei, com base no que já presenciei e escutei, elaborar um conto. Mais informações, aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_do_p%C3%A2nico