Drinque, sexo e morte

Casa noturna para todas as tribos. Tribos? Que é isso? Índio? É pra índio? Meu amigo me chamou pra ir com ele a um desses lugares.

Ele disse que é onde mulher fica com mulher, homem com homem, homem com homem e mulher, mulher com mulher e homem. Tudo misturado. Disse que era um lugar que reunia as mulheres mais gostosas e "facinhas". Fui. Desconfiado. Que não me venha homem me encher o saco, aquelas "florzinhas".

Ainda era cedo, movimento pequeno. Fui beber alguma coisa. José, meu amigo, me chamou a atenção pra uma mulher que estava olhando pra mim. Perguntei pra ele senão era um traveco. José foi dar uma volta e a moça aproximou-se.

- Olá.

- Oi - disse seco.

- Estou acostumada a vir aqui. Conheço todos os rostos das pessoas que vem pra cá. É sua primeira vez aqui, não é?

- Acostumada com o rosto e com outras partes do corpo, não é mesmo?

- Talvez - ela não gosta da ironia. - Você não é da cidade, é?

- Não. Sou do interior. Cheguei há pouco tempo. Você é mulher de verdade, não é?

- Sou - responde rindo. - Que tal me pagar um drinque?

- Por quê? Você não tem dinheiro, não?

- Você parece que tá com raiva. Por quê?

- Não consigo me sentir bem neste lugar. Não devia nem ter vindo. Esse lugar não é pra mim.

- Me paga um drinque e eu te mostro uma coisa incrível.

- Você é prostituta?

- Não. Você é muito desconfiado. Eu vou te levar a um lugar.

Ela realmente tava a fim e é uma gata. Tô a cinco meses sem mulher.

Tomamos um drinque. Ela me pegou pela mão e deixei que me levasse.

Chegamos em frente a um cemitério.

- O que a gente tá fazendo aqui?

- Já deu uma no cemitério?

- O quê?

- Eu tenho a chave do portão.

Ela abriu, tomando cuidado pra que ninguém nos visse. Bom, depois de chegar até aqui, vou até o fim.

Ela me levou até um jazigo completamente iluminado pela luz da lua cheia. Foi lá mesmo que fizemos.

Assim que terminamos, meus olhos, sem querer, voltaram-se para a foto que estava no túmulo. Meu coração quase parou. Era ela.

- É sua foto no túmulo? Que brincadeira é esta?

Ela começa a gargalhar e acende um cigarro.

- A reação de vocês sempre me faz rir.

- Que palhaçada é essa? É uma brincadeira?

Ela estreitou os olhos para mim, então, ouvimos vozes. Ela disse:

- São viciados. Vem atrás de mim.

Nós nos aproximamos devagar e vimos dois caras muito doidos, gargalhando, falando besteiras e fumando bastante. Ela foi em direção a eles.

- E aí, meninos, se divertindo bastante?

Os dois tomam um susto com a chegada dela.

- Calma. Eu só quero me divertir também.

Ela chega acariciando a cabeça dos dois.

- Que susto, menina, parece assombração.

- Você tá sozinha? - pergunta o outro.

- É. Acho que sim. Que tal nos três nos divertirmos um pouquinho?

Os dois já ficam empolgados. Ela dá uma longa tragada, envolve os dois com os braços e dá um beijinho no rosto de cada um.

Em um deles, ela se envolve completamente.Começa a lhe beijar o pescoço e sussurrar em seu ouvido:

- Sabe o que quero, hum, sabe?

- O quê?

- Matar você.

Ela atravessa o corpo do cara com seu braço esquerdo.

O outro cara fica três segundos imóvel, o cigarro cai de sua boca e o infeliz sai correndo por entre os túmulos.

Roxanne, é o nome dela, agarra o ombro do sujeito que matou e retira seu braço de dentro dele. O cara cai e Roxanne tenta em vão limpar seu braço do sangue.

Eu não estou acreditando no que estou vendo. Saí de lá perplexo. Como dizem "a ficha não caiu". Ela me chama:

- Ricardo, aonde você vai? A noite vai demorar pra terminar. Hum, ele volta. Eu tenho certeza que ele volta.

Não preguei o olho no quarto da quitinete que estou alugando. As imagens daquele jazigo iluminado pela lua e do braço dela atravessando o sujeito ficaram encravadas na minha mente.

No dia seguinte, fui ao cemitério. Estava fechado pela polícia, por isso não pude entrar.

Me deparei com uma assombração? Aquelas histórias de fantasmas que ouvia no interior? Só que muito, muito pior.

- Ela pegou você direitinho, não foi?

De repente, me aparece pelas costas um carinha todo de preto usando os brincos mais esquisitos que já vi e óculos escuros no estilo John Lennon. Ele alternava olhares para o céu e para mim. Sua cabeça realizava movimentos lentos de esquerda e direita. O dedo indicador da mão direita estava levantado e acompanhava o movimento da cabeça, só que ao contrário.

- Tá falando do que , ô carinha?

- Da roxanne, meu. Ela te envolveu e você caiu.

- Você conhece a Roxanne?

- Conheci quando era viva. Ela continua "doidona".

- Quem são vocês? O que é ela? Viu o que ela fez essa noite?

- Vi. Ela tá cada vez mais pirada, mais doida.

- Você também é uma assombração?

- Não. Garanto pra você que estou vivo. Não adianta você querer fugir. A Roxanne pegou você direitinho. Você vai voltar, você vai voltar. Precisa usar água benta no corpo dela que está enterrado. É o único jeito, cara, o único jeito.

O sujeito foi embora e parecia que ele falava em dois mundos ao mesmo tempo. Tenho dúvidas se não era também uma assombração. Deve tá drogado. É. Uma assombração drogada.

Naquela noite, voltei a boate para encontrar Roxanne. Aquele carinha estava certo. Eu estava fascinado e ao mesmo tempo sentia a necessidade de fazer alguma coisa, de detê-la.

Fui para o bar e comecei a tomar um drinque quando ela me abraçou por trás e começou a beijar o meu pescoço.

- Eu sabia que você voltaria.

- É? Aqueles que você leva pra sua "casa" costumam voltar?

Ela encosta de costas pro balcão e começa a tomar a minha bebida.

- Alguns voltam, outros não. Alguns acreditam que eu sou uma assombração e nunca mais voltam, outros aceitam numa boa. Tá vendo aquele cara de roupa colorida? Ele aceitou a ideia numa boa. Nos tornamos amigos. Ele adora ter uma amiga fantasma.

- Ooooiii! - Os dois se cumprimentam a distância.

- Outros acham que é uma brincadeira de mau gosto e nunca mais falam comigo. Tá vendo aquela menina punk dançando perto de nós? Olha só.

Roxanne chega na menina por trás, da mesma forma que fez comigo.

- Tudo bem, Regiane?

- Sai fora, sua doida. Eu disse que não falaria mais com você.

Roxanne começa a passar as mãos nos cabelos de Regiane e falar bem mansinho.

- Ah, eu tô com saudade. Vamos brincar de novo. Olha, onde você quiser.

- Eu já disse que não quero mais saber de você, menina, se toca.

Regiane dá um tapa na mão de Roxanne e vai embora.

- Rê, por favor.

Roxanne volta pro meu lado.

- Acho que aquela menina tem algum trauma com cemitérios. Tem gente que sai comigo e pensa que coloquei aquela foto no túmulo só pra brincar.

- Com quantos você já saiu?

- Eu perdi a conta, meu bem. Eu sou uma morta que só quer se divertir.

- O que você fazia quando era viva?

- A mesma coisa.

- Já matou alguém na frente dos outros como fez comigo?

- Nunca matei alguém na frente dos outros. Com você foi a primeira vez.

- Por que fez aquilo?

- Porque me deu vontade. Você desperta em mim coisas que eu nunca senti antes.

Fiquei mudo.

- Vamos, vamos lá pro cemitério de novo.

Ela fica passando a mão na minha calça, na região do pênis.

- Eu sei que você gostou. Vamos.

Fico dividido em ir e não ir. Minha metade racional não quer ir. Decido ir embora.

- Não, eu não vou.

Vou embora

- Ah! Seu chato.

Agora tenho uma semana inteira de trabalho. Uma semana pra resolver o que vou fazer.

Ela é uma louca assassina. Uma alma desgarrada, mas tem um corpo. Será que posso matar esse corpo? Uma arma. Eu tenho uma arma. Será que com um tiro na cabeça resolvo o problema? Aquele carinha disse água benta no corpo dela que está enterrado. Como é que eu vou fazer isso? Água benta não é pra vampiro? Durante o dia, eu não posso fazer e a noite posso encontrar com ela. O que vou fazer?

Uma semana depois estou de volta a boate. Aqui há quatro grupos em relação a Roxanne. Os que acham que ela é mesmo uma assombração e não se aproximam dela. Tem outro grupo que acha que ela é uma assombração e tornaram-se amigos dela. Tem o grupo que pensa que ela não é uma assombração e que gosta de fazer brincadeiras de mau gosto e o último grupo pensa que ela é uma piada. Não é assombração. É só uma doida que brinca em cemitérios. Será que ela frequenta outras boates ou será que este é o seu lugar preferido? Ela devia vir muito aqui quando era viva.

Não a estou encontrando. Acho que o meu plano não será realizado hoje.

Encontrei. Ela está saindo. Vou atrás. Vejo ela entrando em um carro saindo com outras pessoas. Está é a minha chance.

- Aqui está o que você me pediu pra guardar. Só Deus sabe o que você vai fazer - diz meu amigo José.

- Obrigado, José.

Pedi ao José que guardasse em seu carro minha arma, um galão de 3 litros e 600 ml com água benta, uma marreta, talhadeira e uma lanterna.

Estou pronto. Começa uma garoa fina. Pulo o portão do cemitério. Vou direto ao jazigo dela. Não há mais ninguém neste jazigo. Quem será a família dela? Estou prestes a arrombá-lo. Depois terei que quebrar a parede do túmulo com a marreta e a talhadeira e puxar o caixão. Será uma longa noite. Está começando a chover. Ótimo. Isso vai abafar o barulho.

- Perdeu alguma coisa aqui?

Meu coração salta até a boca. É ela. Me viro. Ela está encostada na cruz do túmulo que fica em frente ao dela. Ainda bem que a marreta e a talhadeira estão atrás de um arbusto na lateral do jazigo.

- É que eu... eu... procurei você na boate e não achei. Por isso vim até aqui. Achei que te chamando você apareceria.

- Eu não ouvi você me chamar.

- Mas você veio... antes que eu te chamasse.

- O que tem no galão?

Ela salta do túmulo para o chão.

- É vodca. Vou levar pra uma festa. É uma daquelas festas onde cada um leva uma coisa. Vim te convidar.

- Vodca? Nesse galão?

Ela se aproxima e os pelos do meu corpo se arrepiam.

- Eu sabia que, mesmo sabendo quem eu sou, você voltaria.

Ela começa a passar a mão em meu peito e a beijar meu pescoço. De repente, ela encontra a arma. O revólver na minha cintura . Ela pega a arma.

- Um revólver? Você anda armado?

- O mundo é muito perigoso, Roxanne, você sabe disso. Ando prevenido.

- Nem me fale - ela deixa o revólver sobre o túmulo. - Eu fui assassinada.

- O quê? Como foi isso?

- Ah, não importa. Vamos pra essa festinha.

Ela pega a lanterna e o galão.

- Que coisa quente é essa?

Pego o revólver.

- Aiiii... - ela deixa o galão cair - isso queima. O que tem aí dentro, Ricardo?

- Roxanne, eu...

- É água benta, não é, seu desgraçado? Você veio aqui pra me queimar.

Ela fica furiosa. Atira a lanterna em mim. Me defendo. A lanterna cai e quebra.

- Eu vou te matar de maneira pior do que quando matei aquele cara naquela noite. Eu pensei que a gente se gostava, cara. Por quê? Por quê?

- Você é uma assassina, Roxanne. Eu não posso permitir uma morta-viva vagando por aí cometendo assassinatos.

- Você, o quê?

Tento atirar, mas Roxanne me dá um tapa com as costas da mão esquerda que me faz voar longe. Não perco a arma. Agora, para de chover.

Olho pra frente e Roxanne não está mais lá. Tento me levantar e ela aparece por trás de mim me ajudando a levantar com "delicadeza".

- Você é um bostinha do interior que nem sabe com o que está lidando. Resolveu dar uma de mocinho e está querendo me matar.

Ela pega minha arma e a arremessa para que caia em algum lugar do cemitério.

Roxanne está segurando o ombro direito da minha camisa.

Pego seu pulso para tentar me soltar, mas ela me dá um forte soco no estômago, Agarra meu pescoço e me arremessa de volta pro túmulo dela. Caio em cima do galão que se abre e começa a derramar a água benta. Roxanne sumiu. Me levanto e pego o galão.

- Vamos, Roxanne, aparece, sua puta.

Sinto um leve tocar de dedo no meu ombro. Eu estou de costas pro túmulo dela.

- Estou aqui, querido.

Roxanne está de cócoras sobre seu túmulo. Me viro jogando água benta nela ao mesmo tempo em que ela me acerta mais um tapa com as costas das mão direita.

A água benta a acerta no rosto, no ombro esquerdo e no tórax.

Eu caio de costas, batendo a nuca no túmulo que fica em frente ao dela. Roxanne grita de dor. Seu braço esquerdo cobre seu rosto. Ela abaixa o braço e olha pra mim. A área atingida pela água benta está queimada. Fico impressionado.

Roxanne não fala mais nada. Desce do túmulo calmamente e vem em minha direção. Antes que eu possa me levantar, ela me agarra pelo pescoço. Vejo que sua pele e suas roupas começam a regenerar-se. Ela me arremessa e caio em outra quadra do cemitério. Sorte que não caí sobre nenhum túmulo. Mais sorte ainda foi ter caído sobre o mesmo lugar onde caiu minha arma que, agora, a mantenho escondida e ouço Roxanne se aproximando e me chamando com voz sexy. Quando chega, está completamente regenerada e carregando minha marreta. Agora, o negócio é sério.

Finjo que estou pior do que realmente estou. Me levanto lentamente. Seguro a arma escondida nas costas, embaixo da camisa. Ela aproxima-se.

- Que pena, Ricardo, nós poderíamos ter feito um lindo casal.

A um metrô de distância eu atiro. Bem na testa. Ela cai de bruços. Fico olhando. Será que ela vai levantar? Então lembro-me da água benta. Será que ainda há água benta no galão? Posso aproveitar, abrir o jazigo, o caixão e jogar o restante da água no corpo. De repente, ouço passos rápidos se aproximando.

- Parado. É a polícia.

Quatro policiais me apontando armas. Dois de cada lado. Estou cercado.

- Jogue a arma no chão devagar e deite-se com as mãos na cabeça.

Faço o que eles mandam.

- Nós estávamos passando e ouvimos o barulho dentro do cemitério e pulamos o portão. Um pouquinho mais rápido e nós teríamos impedido você de matar aquela menina.

Se eles soubessem.... Sou revistado, algemado e eles me levantam.

- O que aconteceu aqui? - pergunta o policial.

- Vocês não acreditariam.

- Na delegacia, você vai contar.

Sou colocado dentro da viatura. Os curiosos já estão de plantão. Entre eles, vejo o carinha que usa os óculos do John Lennon. Sou levado pra delegacia.

Uma semana depois, continuo na delegacia esperando transferência para ser levado a cadeia. Meu pai veio do interior. Mesmo irado, sem acreditar no que está acontecendo, juntou economias, pediu dinheiro emprestado e contratou um advogado.

Recebo uma carta com o remetente R.

Diz a carta:

"Querido Ricardo, espero que você esteja bem. Mentira. Espero que você esteja se ferrando, seu sacana. Nos dois tínhamos futuro, cara. Eu sentia algo por você, mas esse seu senso de justiça de merda estragou tudo.

Pra piorar, o Ash enfiou idéias idiotas na sua cabeça.

Ash é o cara que disse a você como me matar de verdade. Eu fui namorada do irmão dele, mas descobri que o cretino estava me traindo, por isso, o matei. O Ash, pra vingar o irmão, me matou.

Voltei. Como? Não sei. Minha vida nunca foi normal e minha morte, muito menos.

Se estiver curioso, minha estada no necrotério não foi agradável, sendo assim, fui embora. A anterior foi melhor.

A polícia pensa que roubaram o meu corpo. Preciso mudar de ares por um tempo. Resolvi procurar diversão em outros lugares.

Querido, adeus. Boa estada na cadeia.

Beijo".

R

Robert Phoenix
Enviado por Robert Phoenix em 22/03/2010
Reeditado em 19/10/2019
Código do texto: T2152557
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