Amor Inocente

Acabara de chegar na cidade, e por sorte, ou competência mesmo, logo conseguiu trabalho. Helena, a jovem professora de matemática conseguiu as aulas da quinta série na escola local, era a primeira vez que conseguia ter suas próprias turmas. Estava buscando oportunidades em outros lugares, que a forçou sair de sua cidade natal, mas como sempre foi investigativa, corajosa e persistente, isso nunca foi problema para ela, e agora nesta nova cidade conseguiu o buscava.

Feliz com sua nova fase, trabalhava muito bem, e logo ficou conhecida como uma das melhores professoras da escola. Não demorou muito para que recebesse diversos elogios das mães das crianças e de vez quando agrados, sempre trazidos pelas crianças e nome de seus pais. Eram doces, enfeites, cartas e até mesmo um relógio caro! Helena sentia-se muito bem e realizada, sabia que estava fazendo o que gostava e estava recebendo o retorno por isso.

Numa típica tarde de segunda-feira, enquanto Helena corrigia provas e trabalhos dos alunos, uma das mães a procurou na escola. A mulher se identificou como Amélia, mãe do garoto Gabriel da quinta série. Helena franziu a testa, tentando de se lembrar do garoto, mas sua memória não conseguiu resgatar nenhuma lembrança, e ela não costumava esquecer o rosto de seus alunos, mesmo que fossem muitos. Vendo a dúvida da professora, Amélia explicou que seu filho não freqüentava a escola, pois tinha alguns problemas de relacionamento, mas era um garoto muito inteligente e adorava matemática. Após algumas explicações, Amélia solicitou a Helena que desse aulas particulares a seu filho. Helena achou que isto seria um desafio interessante. Pensou inclusive em se esforçar para trazer o tímido garoto à escola, mas claro que não comentou isto com a mãe, pois durante a conversa percebeu-se sua grande relutância em ajudar o filho a ir para a escola.

Na semana seguinte Helena foi a até a casa de Gabriel para iniciar sua aulas particulares. A casa era muito modesta, mas aconchegante, lembrando a casa de sua infância, o que a fez sentir-se a vontade. Helena foi recebida por Amélia, que a conduziu até um cômodo que possuía apenas uma pequena mesa ao centro e uma estante com alguns livros. Amélia solicitou que Helena aguardasse, pois estava indo chamar Gabriel.

Helena tirou da grande bolsa todos seus apetrechos que usava para ensinar matemática, jogos, figuras e até letra de músicas. Enquanto organizava suas coisas, não notou a entrada de Gabriel no cômodo, que já se encontrava em sua frente.

- Nossa! Você me assustou! - Helena disse colocando uma das mãos no peito, recuperando-se do susto.

- Desculpe... - Baixando a cabeça e falando bem baixo, Gabriel respondeu.

Gabriel era um garoto franzino e pequeno, com uma aparência muito pálida, e tinha um cachecol verde no pescoço, apesar do calor. Helena tentou fazer amizade com o garoto, tentou conversar, mas Gabriel não parecia muito disposto a falar, realmente tinha problemas. Diante das investidas de sociabilização de Helena, Gabriel respondeu:

- Podemos estudar matemática? - Sua voz baixa e tímida não conseguia demonstrar o descontentamento com a insistência da professora em ter um conversa amistosa.

- Tudo bem... - Helena percebeu que não estava agradando e decidiu tentar novamente nas próximas aulas.

A aula de matemática iniciou-se, e de fato Gabriel demonstrava muita habilidade com os números, surpreendendo Helena. Enquanto a aula transcorria, um frio congelante abateu-se sobre o ambiente. Helena que não havia trazido agasalhos tremia de frio, sua sorte era que a aula já estava acabando. Ao fim da aula, despediu-se de Gabriel que continuou no cômodo. Sozinha, Helena encontrou a saída e foi embora, refletindo sobre uma melhor estratégia para conseguir ganhar a confiança do garoto e levá-lo à escola. Ao sair, Helena logo começou a suar, estava um dia quente de sol, não entendera o frio que havia sentido enquanto estava na casa, "Eles devem ter ar condicionado...", pensou ela.

No dia seguinte, Helena estava novamente na casa de Gabriel, foi recebida por Amélia, que mais uma vez saiu, deixando-os a sós. Desta vez Gabriel já aguardava na sala de estudos, e havia tanto frio ali que Helena batia os dentes. Gabriel novamente estava com seu cachecol, agora essa peça de quente lã fazia sentido sem seu pescoço.

- Podemos desligar seu ar-condicionado? - Sugeriu Helena.

- Prefiro assim... - Gabriel respondeu olhando para seu caderno, sem olhar Helena.

- Mas está muito frio!

- Prefiro assim... - Respondendo da mesma maneira, Gabriel estendeu a mão e deu um agasalho para Helena, que estava ali, ele parecia saber o que ia acontecer.

Para não criar conflitos, Helena acatou a vontade de Gabriel, e assim a aula ocorreu a baixas temperaturas. Mais uma vez o desempenho de Gabriel foi impressionante, Helena as vezes sentia-se incapaz de ensinar qualquer coisa para ele. Ainda sem conseguir muita conversa, a aula terminou e Helena foi embora e o sol quente a aguardava do lado de fora.

Nas muitas aulas que se seguiram, o ritual era sempre o mesmo. Amélia os deixava, a sala de estudos era sempre congelante, e Helena sempre levava seu agasalho. Gabriel sempre quieto, demonstrando sua genialidade e sempre com o cachecol verde no pescoço.

Na escola, durante uma corriqueira conversa entre professores, Helena tomou conhecimento de algo horrível que havia acontecido com uma professora da escola há muito pouco tempo atrás. Uma jovem professora chamada Roberta, dava aulas de matemática. Com o tempo, ela apresentou distúrbios comportamentais, depressão entre outras anomalias mentais. Com isto, ela acabou ficando afastada por um bom tempo. Ela havia se recuperado, ou pelo menos parecia que sim, voltou ao trabalho. Seus colegas de trabalho nunca confiaram que ela havia se recuperado totalmente, e temiam que ela pudesse ter um surto e fazer mal para as crianças. Mas algum tempo passou sem nenhuma ocorrência. Quando um novo ano se iniciou, um garoto da quinta série, Rafael, na sua inocência infantil, acabou apaixonado-se pela professora. Era uma garoto sem maldade alguma, descobrindo as paixões platônicas da pré-adolescência. Ficava sempre observando a professora por onde ia. Passava de bicicleta em frente a casa dela com muita freqüência, a fim de vê-la sair, e as vezes tentando se passar por despercebido, seguia a professora onde ia, só para poder vê-la, mesmo que de longe. Isto não passou despercebido por Roberta, que não conseguiu interpretar aquilo como algo inocente. Logo seus problemas voltaram, ela começou a se sentir perseguida e ameaçada por aquele garotinho. Era ridículo tal pensamento de Roberta, mas sua mente insana não a permitia raciocinar direito, afinal qualquer professora bonita teria esse tipo de "problema". No entanto a condição de Roberta começou a piorar, e muito. Rafael nunca imaginaria em sua vida que estivesse causando tantos problemas a sua amada, se soubesse, aceitaria de bom grado não vê-la nunca mais, apenas para que ela ficasse bem. Com sua saúde mental piorando, Roberta saiu de licença novamente, totalmente transtornada, por sorte não fez nenhuma besteira. Para seus alunos, foi informado que ela ficaria um tempo afastada para fazer tratamentos, que estava com uma doença. Rafael sentindo muita compaixão decidiu então levar uma flor para professora e uma cartinha, onde diria que gostava muito dela e que iria orar muito para que ela melhorasse e voltasse para a escola, pois ela era a melhor professora e a mais bonita. Naquele dia, Rafael vestiu sua melhor roupa, comprou uma bela rosa e com a cartinha que escrevera foi até a casa da professora Roberta. Roberta estava muito mal, em sua cabeça passava mil coisas, mil pensamentos, travava um batalha contra si mesma, sua aparência outrora bela, estava agora horrível. Pela janela, Roberta viu Rafael alegremente andando em direção a sua casa, o que a deixou terrivelmente apreensiva. Quando a campainha tocou, Roberta sentiu-se muito ameaçada, estava completamente fora de si, antes de ir até a porta, dirigiu-se a cozinha, na tentativa de ignorar o garoto. Rafael insistiu, sabia que ela estava lá. Roberta então caminhou até a porta, tinha uma faca nas mãos, estava fora de si. Roberta abriu a porta, e o garoto sorriu para ela, estendendo a rosa e dizendo:

- Oi professora. Vim te trazer uma carta e...

Antes que o garoto pudesse terminar a frase, Roberta passou a lâmina da faca no pescoço do garoto, um grande corte foi aberto e um rio de sangue jorrou da abertura. Engasgando com o próprio sangue, Rafael caiu para trás, com a rosa numa mão e a cartinha na outra, e lá agonizou por mais alguns instantes até fechar o olhos e morrer. Roberta fechou a porta, e dentro de sua casa começou a gritar e a quebrar tudo, havia enlouquecido. A mãe do garoto viu a cena, pois havia comprado a rosa para ele e o acompanhou de longe. Correu até lá, tentou resgatar Rafael, levando-o ao hospital, mas era tarde. Neste mesmo dia, Roberta foi presa e mandada para um manicômio judiciário. A mãe de Rafael, que era viúva, não foi vista por algumas semanas, até voltar com outro garoto. Sem suportar a dor de perder o filho, ela adotou um menino, da mesma idade de Rafael, e deu-lhe o nome de Gabriel e ambos voltaram a morar na cidade.

- Gabriel? Mas este é o novo do garoto para qual eu dou aulas. - Espantou-se Helena.

- Sério? E qual é o nome da mãe dele? - Perguntou uma das professoras.

- Amélia.

- Sim... É a mãe de Rafael, e você está dando aulas para o menino que foi adotado por ela. Dizem que ele tem problemas e não vem a escola, é verdade?

- Sim, ele não fala muito, aliás não fala quase nada. Não tive chance de conhecer melhor a mãe dele, pois ela sempre sai quando estou lá, e nunca está quando vou embora.

"Que terrível!", pensava Helena, aquela história a chocou. Um pobre garoto morto, porque gostava da professora. "Roberta deve ter se tornado um monstro..."., Helena continuava a refletir sobre o assunto, e decidiu conversar sobre isso com Amélia, a mãe de Rafael e Gabriel.

No dia seguinte, antes que Amélia fosse embora rapidamente como costumava fazer, Helena perguntou sobre Rafael. Amélia nitidamente incomodada com a pergunta, não respondeu, e parecendo irritada foi embora. Helena tentou ainda argumentar, mas Amélia ficou realmente brava, e não quis falar sobre o assunto. Helena não queria falar somente sobre Rafael, precisava conversar sobre Gabriel e sua genialidade, sobre o ar-condicionado sempre ligado só naquela sala (que a propósito, ela nunca vira o equipamento de ar-condicionado).

Frustrada, Helena entrou na casa, para dar aula. A história de Rafael começou passar por sua cabeça, havia muita semelhança entre Rafael e Gabriel, a própria história da adoção tão rápida já parecia absurda. Por um momento, Helena vagou para pensamentos infundados, pensou talvez que Gabriel fosse Rafael! Aquilo deixou-a desconfiada, era ridículo, ela sabia, mas tudo ali era estranho, Gabriel era estranho, o frio era estranho, até o cachecol era estranho. "O cachecol?! Será que esconde algo?", pensou Helena, decidindo que iria retirar o cachecol de Gabriel.

A aula transcorria normalmente, então Helena resolveu por seu plano em ação, de retirar o cachecol. Levantou-se enquanto explicava algo, aproximou-se do garoto, e num movimento muito leve mas veloz a cachecol foi retirado...

- O que é isso??? - Helena com o susto deu passos para trás segurando o cachecol.

No pescoço do garoto revelava-se um corte enorme, do tamanho de uma boca. A visão era terrível, causava grande aflição em Helena.

- Quem é você??? - Agora em lágrimas, Helena perguntou.

Sem nada responder, Gabriel levantou-se e olhou para o olhos de Helena, abrindo ainda mais aquele horrível corte.

- Professora... - Gabriel abriu os braços como se quisesse abraçar Helena, andou em direção a ela, que caminhou para trás até encostar na parede.

Helena ficou encurralada no canto da sala enquanto Gabriel se aproximava. O garoto então a abraçou, e tinha uma medonha expressão de prazer no rosto. Helena tentou empurrá-lo tocando sua fria e pálida pele, mas o garoto não se movia. O abraço era cada vez mais forte, estava sufocando Helena, ele balbuciava coisas estranhas, Helena não compreendia. Em pânico com aquela situação, compreendeu que de alguma maneira aquele garoto era na verdade Rafael, o que fora assassinado, e no seu pescoço estava a marca deixada por sua algoz. Os gritos de Helena não incomodavam o pequeno Rafael, que levou suas mão até os ombros dela, e colocando pressão para baixo fez com que Helena se abaixasse até a ficar na altura dele.

- Professora...

Rafael acariciava o rosto de Helena com seu próprio rosto. Helena sentia náuseas, o cheiro agora era horrível, a pele era áspera e gelada, e no movimento que Rafael fazia, muitas vezes Helena sentia o corte de seu pescoço tocando-a, era sufocante. Helena estava totalmente impotente, quando subitamente Rafael empurrou-a dizendo.

- Não é você, não é você! Vá embora! - A expressão de Rafael tornara-se aterradora, parecia ter muito ódio.

Helena sem hesitar levantou-se, e rapidamente se dirigiu porta. Saiu cambaleando, fechando a porta novamente, não queria ver Rafael. Sua pernas estavam bambas de medo, se retorciam tornando difícil sua tentativa de correr, enquanto chorava. Quase à porta de saída, Amélia surge pela mesma porta. De certo modo aliviada, Roberta apoiou-se sobre a mulher.

- O que é seu filho???

- O que você viu? - Amélia mais uma vez parecia irritada.

- Que tipo de monstro você mantém aqui?!

Amélia vendo que Roberta descobrira seu segredo, decidiu revelar-lhe tudo. Depois que Gabriel foi morto, durante as semanas em que esteve fora, Amélia procurou um velho bruxo que vivia não muito longe dali. Desesperada, pediu a ele que trouxesse seu filho de volta. O bruxo pediu dinheiro, e Amélia deu tudo o que possuía. Após vários rituais, o garoto levantou-se. Mas o bruxo advertiu Amélia, que ele não seria como seu garotinho, que a ferida no pescoço nunca ia cicatrizar, e que ele seria obcecado por amor ou ódio, relacionado a sua morte. Desde então, ele não sai daquele quarto, que tornou-se gelado, e fica obcecado na professora Roberta, tentando até hoje entregar a cartinha e a rosa. Ele sempre obriga Amélia a convidar professoras para dar aulas a ele. Algumas já passaram por lá, mas desistiram e fugiram da cidade quando percebiam que tinha algo errado com o garoto. Por precaução, Amélia contratou professoras da cidade vizinha, para não despertar desconfiança em sua cidade. Mas já sem dinheiro, decidiu convidar alguém do local, e a escolhida foi Helena. Amélia chorava enquanto contava a história, estava muito arrependida e não sabia o que fazer para aplacar a obsessão de Rafael.

- Mas isso é tão horrível! - Helena estava inconformada.

- Eu sei! Eu sei! Mas naquele instante, vendo meu filho morto daquela forma... Não pensei nas conseqüências!

- Eu nem imaginava que tal coisa era possível!

- Nem eu... E no desespero procurei aquele bruxo. Agora não tenho mais um filho, tenho apenas esse monstro com uma paixão doentia.

- Talvez essa seja a solução!

- O que? - Perguntou Amélia.

- Talvez ele só queira entregar o presente que não conseguiu. Precisamos permitir que ele faça isso. Onde a professora Roberta mora hoje?

- Não sei se é uma boa idéia... Ela deixou o manicômio a pouco tempo e foi para uma penitenciária feminina, na cidade vizinha.

- É a única coisa que podemos fazer...

- Sei que agora ela está em regime semi-aberto, e sai aos fins de semana.

- Isso é perfeito, vamos procurá-la no fim de semana.

E assim, no sábado seguinte, Helena foi procurar a mulher. Amélia não poderia se ausentar por causa de Gabriel. Após uma busca na penitenciária, ela conseguiu o endereço de onde Roberta morava. Ao encontrar o local, tratava-se de uma pequena casa, num bairro mais afastado da pequena cidade. Ao tocar a campainha, foi recebida por uma mulher de aparência envelhecida, estava descabelada, olhos fundos e algumas cicatrizes no rosto. Roberta não era nem de longe a bela mulher de outrora.

- Quem é você? - Roberta perguntou abrindo a porta e colocando apenas a cabeça para fora.

Helena apresentou-se, e disse que trabalhava na cidade vizinha. Ao ouvir isso, Roberta bateu a porta com muita violência e gritou lá de dentro:

- Vá embora!!!

Helena tentou argumentar, mas a mulher ficou transtornada e não queria conversar.

- Vá embora!!! Não precisa vir aqui e ficar me culpando pelo que fiz, eu sei muito bem! Todos os dias sou atormentada pela imagem desse garoto, ele me deixa maluca!

- Roberta, não vim aqui para isso! Pelo contrário, vim te oferecer um meio de você se redimir e sentir-se melhor. Há coisas que você provavelmente não sabe. Vamos conversar.

Roberta deixou que Helena entrasse. Lá dentro, ambas conversaram e Helena contou a história até o momento em que o garoto foi morto. Roberta de fato não sabia que o garoto gostava dela e que ficava rondando apenas para vê-la, muito menos sabia da cartinha e a rosa. Quando tudo aconteceu, foi tão rápido, tão insano, que ela não prestou atenção em nada. E nunca ninguém a procurou para contar o que tinha acontecido. A única coisa que ela sabia é que tinha surtado e matado um aluno.

- Eu sou um monstro mesmo! Matei um pobre garoto que era apaixonado por mim! - Roberta deixou suas lágrimas virem a tona.

- Mas esse não é o pior Roberta... Não é você que é um monstro... - Helena ainda não havia contado sobre o bruxo e Gabriel.

Helena então contou sobre Amélia e sobre o que ela fez após o assassinato e o resultado disso tudo. Que Rafael, tornara-se Gabriel, um monstro obcecado. A princípio Roberta não acreditou naquela história maluca, no entanto, tinha ouvido falar que mãe do garoto morto, havia aparecido na cidade algum tempo depois com outro garoto. No entanto, Helena foi muito convincente, e disse que a única forma de libertar Rafael e Amélia, era se ela fosse até lá e recebesse os presentes... Pelo menos era o que Helena achava. Roberta não queria ir, era como reencontrar seu passado, entretanto ela entendia que talvez esse confrontamento fosse a forma de ajudar a ela mesma. Decidiu então que deveria ir. E na mesma noite partiram de volta para a cidade de Gabriel.

Chegando na casa, Amélia sentiu-se mal ao receber a assassina de seu filho em casa. Roberta pediu desculpas, ajoelhou-se perante a mulher, e disse que estava lá, para fazer o possível para ajudá-los. Amélia chorou, mas não disse uma palavra, se perdoava ou não. Apenas indicou o gelado cômodo onde estava Gabriel. Roberta dirigiu-se até o local, e sozinha adentrou no local. Sentiu o frio intenso, o ar saia condensado de sua boca. Ela fechou a porta atrás de si e viu o garoto de pé, na outra ponta da sala, olhando para baixo, com seu cachecol verde.

- Olá Rafael... Lembra-se de mim?

Rafael nada respondeu, continuou a olhar para o chão.

- Vamos, fale comigo, vim aqui para te ver.

Roberta aproximou-se do garoto. Chegou a tocá-lo no rosto, e sentiu a pele áspera e gelada. Rafael então de súbito olhou nos olhos de Roberta, ainda continha um expressão angelical. Rafael retirou o cachecol e mostrou a terrível ferida. Assim como fizera com Helena, Rafael abraçou a antiga professora. Apesar do medo, e da figura macabra do garoto, Roberta retribuiu o abraço. Rafael então apoiou as mãos sobre os ombros de Roberta, fazendo pressão para baixo, fazendo Roberta ajoelhar-se na mesma altura que ele. Rafael esfregou seu rosto e ferida no rosto de Roberta, que resignada permitiu que ele fizesse tudo.

- É você! É você! - Dizia o garoto alegremente.

- Sim, sou eu, Roberta, sua professora de matemática!

- Tenho um presente para você!

O garoto soltou a professora, pegou sua cartinha que escrevera muito tempo antes e a rosa, que curiosamente mantinha-se bem viva e vermelha.

- Pra você! Espero que você fique boa!

- Muito obrigado Rafael! Eu gostei bastante, e tenho certeza que agora vou ficar boa!

Rafael continuava a olha para Roberta, ele estava sorridente. Roberta leu as singelas para palavras de Rafael de outrora, e não pode conter as lágrimas.

- Não chora professora! Algo está doendo?

- Não se preocupe. Não estou chorando de dor...

- Esse meu corte aqui doeu... bastante... - Disse ele apontando para a grande abertura em seu pescoço.

- Eu sei... Me desculpe Rafael...

- Tudo bem... Mas quero compartilhar isso com você também.

- Como assim?

- Assim!

Antes que Roberta percebesse, sentiu uma fria e afiada lâmina cortando seu pescoço, seu sangue jorrou por todo o local. Ela debateu-se o quanto pode, mas da mesma forma como Rafael, acabou afogando-se no próprio sangue e em poucos instantes jazia morta.

Amélia e Helena do lado de fora, ouviram barulhos, eram os últimos movimentos desesperados de Roberta. Entraram no cômodo e lá se deparam com uma cena bizarra. Roberta esta deitada, completamente envolta em sangue, segurava a rosa em uma mão, agora ressequida e escura, e a cartinha na outra. Rafael estava deitado ao seu lado, com a cabeça apoiada sobre o braço de Roberta, estavam juntos. O corpo de Rafael não tinha mais o aspecto pálido, mas estava normal, e de sua ferida, também saia sangue.

E este amor fora inocente, inocente no início... inocente no meio... e agora, inocente no fim. Independentemente do que acontecera, ambos estavam livres.

LeoLopes
Enviado por LeoLopes em 17/03/2010
Reeditado em 17/03/2010
Código do texto: T2143915
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