Chasseurs

CHASSEURS

Nós éramos os “Chasseurs”. Pouca gente conhecia a gente. O nosso trabalho, mesmo sendo apenas adolescentes, era acabar com os espíritos ruins que assombram na Terra, e libertar a alma dos espíritos bons presos aqui. Existia todo e qualquer motivo pra prender os espíritos na Terra. Às vezes era uma promessa, às vezes uma lembrança de saudade profunda, e às vezes era vingança, ou algo ruim. E era esse “algo ruim” que podia transformá-los em almas malditas. Por que éramos todos adolescentes? Porque assim era mais fácil sentir a presença. Um adulto se livrou quase todo de possuir essa “sensibilidade”, crianças pequenas e animais eram bem mais “sensíveis”, a diferença é que eram bem menos “racionais”. Os adolescentes estão em uma fase de transição entre a “sensibilidade” e a “racionalidade”. E é por isso que somos os mais indicados pro trabalho.

Eu me chamo Ziria. Eu tenho um lado masculino superiorizado. E é por isso que eu tenho minha característica mais marcante: A Coragem. Eu sou conhecida por não ter medo de nada, nem de ninguém. Por minha coragem ser muitas das vezes ignorante. Pois, eu me entrego sem pensar nos objetivos que chega a ser burrice. Mas no meu trabalho isso é considerado uma qualidade. Então, no desafio final, eu nem pensei duas vezes, ia me entregar de corpo e alma, pra me tornar uma mestra em caça-espíritos. Seria uma verdadeira Chasseur.

Tem o Heldan. Ele é o “cara forte” da excursão. Mesmo ele sendo tão forte, ele não aceitou o desafio final, isso pra vocês notarem a dificuldade. Ele encarou um dos maiores desafios espirituais já vistos na vida, ele enfrentou um “Shelter”. O que se pode dizer, é quase um “Demônio” em pessoa. Ele enfrentou esse Shelter numa missão pra salvar a alma de uma garotinha que foi morta de uma maneira cruel e voraz. Nosso mestre certificou-se que era impossível que fosse cometido por uma pessoa comum, então concluímos que era uma alma maligna. Heldan tinha que procurar e encontrar no local do crime a alma dos infernos, e tinha que pulverizá-la desse mundo. Então, todos nós o prestigiávamos por sua braveza e extrema força espiritual. Porém... Ele temia muito essa última missão nossa. Então, ele simplesmente quis ficar de fora dessa.

Havia também Lerian. Lerian era uma menina que nem eu, porém linda e loira. Lerian era realmente muito bonita, e juntas não tínhamos um passado muito amigável. A gente teve brigas e outros desentendimentos, digamos que nosso relacionamento era de conteúdo “duvidoso” pros outros que viam. Lerian não era a pessoa mais “inteligente” dali, mas devidamente não era a mais burra. E sem pensar duas vezes, estranhamente, ela aceitou o último desafio.

E por fim, do nosso grupo, os últimos que aceitaram. Era o estúpido Rossafim. Sim, o nome dele é esquisito. Chamamos ele carinhosamente de Rosa – E sim, ele fica puto. Ele é burro, besta, palhaço e adora chamar atenção. É desligado e atrapalhado e não serve pra porra nenhuma, só pra atrapalhar. Então por que diabos Rosafim trabalha com a gente!??? Diz o mestre que é porque ele tem uma sensibilidade fora do comum até pra mim, até pra Heldan. Mas eu nunca pude ter a chance de verificar se isso é ou não verdade. Claro que o besta do Rosafim querendo se mostrar, disse que ia entrar nessa jogada.

Nosso mestre já era velho, e mesmo assim mantinha as habilidades como um Chasseur mestre. Era impressionante como mesmo velho ele era sensível a tudo. Ele nos ensinou artes pra investigar, lutar e não sentir medo dos espíritos malignos, ou mesmo dos benignos, ainda sim todos eram assustadores!

Fizemos trabalhos Solo em todas nossas infâncias e encaramos várias coisas só pra podermos ser especialistas no assunto. E como teste final, nosso mestre tinha que pegar um trabalho exclusivamente difícil e igualmente assustador. Então, ele conseguiu um perfeito. Há 5 anos um orfanato na nossa região era assombrado por espíritos e crianças – Pelo que os relatos contavam. Aconteceu há 5 anos um massacre, onde muitas, várias, crianças foram assassinadas. E simplesmente não se sabe quem ou o que causou o massacre. Nosso mestre está certo que é um espírito maligno, talvez até um Shelter. Ele sabe que o espírito foi realmente forte pra fazer algo assim, e realmente amedrontador.

Claro, que ele não ia pôr todos nós em risco a troco de nada. Então tínhamos que aceitar o desafio e fazer a promessa que daríamos nossa vida a troco de salvar as crianças e livrar as pessoas daquele lugar maldito e culminado pela dor. Só quem realmente tivesse disposto à isso aceitaria, o mestre disse que quem tivesse em dúvida era melhor recusar. Eu, como nunca tive dúvida de nada, me entreguei de corpo e principalmente de alma. E assim foi... Nossa última aventura.

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Chasseurs – 1ª parte – Chegando ao Orfanato

Era noite, estava frio. As árvores pareciam secas, e todo tempo contribuía ao ar melancólico, e tornava nossa missão mais complicada. Todos nós três estávamos encasacados da cabeça até os pés. Luvas, meias, casacos e até toucas. Era só eu, Lerian e Rosafim. Não sei de exato as razões pra eles terem aceitado, não quero ser orgulhosa ou algo assim, mas eles com certeza tomaram-na com toda a dúvida do mundo. Lerian não sei o que queria provar com aquilo, mas Rosa queria era chamar a atenção como sempre.

- É isso aê? – Lerian perguntou, apontando pra casa gigantesca, quase uma mansão de madeira em nossa frente.

Ficava numa grande esquina da cidade, que quando chegava a noite ficava abandonada. Havia muitos relatos que todos que passavam por ali tinham a infelicidade de ouvir choros de criança e vê-las passeando pelo quintal, banhadas de sangue.

- Pelo visto... Acho que é. – Eu disse, analisando.

Janelas. Sempre tive trauma delas. Eu costumava ver rostos em janelas quando era pequena. Por isso não gostava de olhar. Mas as janelas daquela casa estavam todas quebradas. Devia ser um Shelter, ia ser osso duro. Mas nós devíamos agüentar. Pessoas normais, com vidas normais, geralmente, se vissem metade do que vimos iam ficar tão atormentadas que iam precisar de tratamento psicológico.

- Sim, é ela mesmo. – Disse o mestre, chamando nossa atenção, chegando com Heldan.

- Só de olhar me dá arrepios. – Disse o babaca de Rosafim, tremendo que nem vara-verde.

- Está em tempo de desistir, seu idiota. Faça enquanto pode. – Heldan o desafiou, e deu um soquinho em seu ombro.

- NEM VEM! Eu não sou corvardão que nem você, Heldan! – Rosafim provocou-o de volta.

- Eu prezo pela minha vida, Rosa. – Ele implicou com o nome, e Rosafim deu língua. – Se você tivesse metade da “sensibilidade” que devia ter, você saberia que esse trabalho vai ser realmente osso-duro de roer. E sinceramente? Não sei se valeria a pena. Tenho um péssimo pressentimento.

- Então... Vamos entrar? – Perguntei, tomando a dianteira. Sempre impaciente, sempre ansiosa, sempre corajosa até a morte.

- Não. – Disse o mestre. – Vocês não podem entrar por aí. A porta está selada.

Então, o encaramos assustados. E ele sorriu.

- Vamos passar pela linha de trem por trás, tomar rezas espirituais pra proteção, claro que são fracas, mas são importantes. E vamos subir por cordas, e entrar em passagens especiais no segundo piso. – Ele disse, e ficamos bobos.

- Nunca foi tão difícil, né? Vou me sentir o Indiana Jones!! – Acho que ele fazia pra tentar não ficar com medo.

- Onde o “crime” começou? – Perguntei com interesse. Então o mestre sorriu pra mim, ele era meio irônico com esses sorrisos, não?

- No andar de cima. – O piso em que íamos ficar. Ele queria nos levar direto ao ponto.

Todos estavam bem “acovardados” com essa notícia. Iríamos ter que entrar com cordas por uma passagem desconhecida já no 2º piso onde as mortes e o massacre todo aconteceu. Podíamos ver não só um fantasma, ou um espírito ruim, mas até milhares... E isso seria impressionante. Seria uma “guerra” de verdade. Só de ficar em frente aquela casa, já dava pra sentir o clima carregado. O peso do ar, parecia que era como se nossas emoções secassem. Sentíamos cheiro de morte, e ouvíamos choros de criança.

Eu estava divagando todas aquelas coisas, e tentando reconhecer se os gemidos eram de menina ou de menino. Quando reparei que não eram só de um, mas eram de vários... E isso me deu um pouco de nervoso.

- Eu fico feliz de estar com você aqui. – Disse Lerian, olhando pra mim, me tirando do transe, e sorrindo.

Deu um friozinho na minha barriga, o sorriso dela era muito lindo. Garota idiota, acha mesmo que vou perdoá-la?

Passamos por um buraco, e chegamos aos trilhos do trem. Tinha mato por toda a parte também. Era o território por detrás da casa. As crianças deviam ouvir o som do trem todos os dias. Mas o que será que causou tanto ódio? Quem teria coragem de matar tantas criancinhas? O babaca do Rosafim ficava fazendo piadinhas.

- Essas crianças deviam ser umas pentelhas! Aí a dona do Orfanato deve ter se cansado delas e um dia ela resolveu: Vou parar de gastar dinheiro comprando comida! Vou cortar todas em pedacinhos e vou fazer um ensopado! Hahahaha! – Ele começou a dançar no trilho do trem. Lerian ria dele, achando engraçado. Aquilo me deu ódio.

- CALA A BOCA! SEU IMBECIL! – Eu dei um safanão nas costas dele, ele quase caiu nos trilhos.

- Ei! Relaxa, Ziria! – Ele parou de brincar, então sussurrou. – Você às vezes dá um ataque de ódio que me assusta...

Chegamos num canteiro com árvores. E haviam fios de eletricidade soltos, e cercas. E haviam fios que entravam no território da casa. Era possível enxergar uma varanda, que dava pra um dos quartos, creio eu.

- Então, é aqui. Vocês sobem a cerca, segurando nos fios. Sem preocupações quanto as eletricidades, estão totalmente desligadas há anos. – Disse o mestre, e então olhou pra varanda. – Vocês sobem lá em cima, que já tem gente esperando vocês.

Então, todos nós olhamos pra cima, e pudemos ver vultos passando rápido. E então, um dos vultos tomou forma e nos encarou. Era uma mancha indecifrável junto com toda névoa. Mas olhando bem, eu senti um gelo na espinha. Geralmente era o que se sentia, e se tremia todo, quando víamos um espírito de vez. E era uma criança. Um moleque. Parecia ter 6 anos. Tinha o corte de cabelo estilo “asa-delta”, e nos olhava com os olhos de choro, mas ao mesmo tempo assustadoramente sério e apático. Sua roupa estava suja. Parecia uma mistura de barros, de pó de escombros, e sangue seco, escuro. Eu engoli seco.

- Gente... Eu... Medo... – Rosafim balbuciou, e o barulho fez o “menino” entrar de novo no quarto.

- Depois de subir, vamos seguir os fios e vamos entrar na varanda? – Eu disse, ainda ansiosa e corajosa.

- Sim. – Meu mestre sorriu de novo. E então se aproximou de mim.

Ele pôs a mão em minha cabeça, e rezou uma prece em latim. Toda a prece encheu meu corpo de força e minha mente de confiança. Eu sabia que aquilo não seria o bastante pra encarar o último desafio, mas eu me sentia bem.

Ele fez o mesmo em Lerian e Rosafim.

Eu fui a primeira a subir na cerca, segura apenas pelos fios. Eu encarei Lerian subindo, e ela deu um sorriso. Parecia estar olhando pra mim todo o tempo, de novo, frio na barriga. Olhei pra cima. E fui subindo. O que me deu medo foi parecer ter visto de novo os olhos do menino, de choro e dor, e raiva... Sim, raiva. Olhando pra mim da varanda. Me lembrei das janelas. O frio na barriga aumentou, mas não era mais algo bom, era algo ruim. Quanto mais me aproximava da janela me senti tremer. O ar era pesado demais, como um ambiente de uma guerra. Eu olhei pra trás e desejei que subissem logo atrás de mim, pra eu não ter que esperá-los sozinha na varanda. E logo, como um pedido realizado, Rosa foi o segundo a subir.

- Eu... Ah... Nêgo! Eu vou cair! – Ele ficou fingindo que caía do fio, e Lerian ficou rindo.

- Seu estúpido! Vou tacar uma pedra! – Heldan ameaçou pegando uma pedra do chão. – Aí sim você vai cair!

- Ow! Se eu cair antes de chegar lá, morro antes de salvar as criancinhas remelentas!!! – Ele gritou, e saculejou mais. – Pelo menos eu fico livre dessa roubada que vocês me meteram!

Cheguei à sacada da varanda, e via um quarto, mas não quis ficar olhando agora, ia ver melhor depois, antes queria estar acompanhada, pra não entrar lá dentro sozinha. Apesar de já tê-lo feito antes.

Então, quando Rosa estava na metade do caminho Lerian começou a subir. E Rosa já estava quase na sacada comigo.

- E aí, Ziria? Como ta o clima aí? Ta quentinho com esse bando de espírito junto ou ta friozinho por causa da temperatura? – Ele zoou quando saltou da sacada, e parece que leu minha mente. Nem olhou pra dentro do quarto, esperou Lerian chegar.

- Rosafim, você já morreu hoje? – Perguntei ameaçando bater nele por suas piadinhas infames.

- Não, mas tem uma porrada que já morreu aqui! Hahaha! – Ele riu, e pegou na mão de Lerian pra que ela pulasse.

Lerian diferente de nós dois, já foi entrando no quarto. E acabamos indo atrás dela.

No quarto se via uma cama desarrumada e já carcomida pelo tempo. Era um móvel sujo e velho, e completamente quebrado. Dava pra ver uns armários embutidos, com coisas queimadas e quebradas dentro. Não havia nenhum garoto no quarto mais e nem vultos. Mas o som dos choros ficava bem mais alto, conforme adentrávamos no quarto. Rosafim encontrou algo triste, roupinhas de criança no armário. Um pouco sujas, mas intactas. Eu fiquei com raiva e preocupada dele sacanear com isso, mas acho que nem ele tinha “estômago” ou consciência de mula pra isso. Ele largou as roupas no armário sem nem dar um pio. O ar da casa era realmente assustador, quase sufocava a gente. Era como se houvessem 1 milhão de espíritos lá dentro. A maioria era bom, mas mesmo assim, ficava pesado.

Andamos um pouco e chegamos num corredor, aí que a coisa ficou preta. O corredor era branco, mas as paredes se encontravam meio amareladas. Haviam muitos outros quartos, e talvez até uma sala pro lado da esquerda. Mas nem pudemos ver. Quando saímos do quarto uma alma escura, fria e sinistra veio voando tão rápido em nossa direção, que só tivemos tempo de fugir.

Corremos com pressa, ofegantes do susto pra direita, e chegamos numa outra varanda, que dava pra um buraco e pulava direto pra outro quarto do segundo andar. Corremos tanto e tão rápido, que não deu pra ver nada, só vultos e medo. O espírito atrás da gente seguiu a gente até ali, provavelmente confiante de que íamos chegar num beco sem saída.

Mas horrorosamente, ou por sorte, havia um fio que passava pela fiação e nele estavam presos roupinhas de bebê e criança, como que pra secar depois de uma lavagem. Boa parte delas sujas de sangue. Nem tivemos tempo, o besta do Rosafim pulou na frente nos fios, e foi se dirigindo pro outro lado. Quando ele chegou no outro parapeito, não sei se por instinto, ele acabou cortando a fiação, que ficou presa só do lado dele. Do outro lado, e eu fiquei com o fio solto em minha mão.

- E agora? – Ele gritou do outro lado. Senti vontade de matá-lo.

- Vou pular! – Lerian ficou hesitante, quando eu peguei na corda.

O espírito negro e voraz, como uma fera, veio atrás. E eu agarrei-me na corda, e contando com tudo, pulei de uma vez pro outro lado, no risco de cair e morrer. Chegando ao parapeito, joguei rápido a corda pra Lerian e nós dois mandamos ela pular.

- Não! Eu não vou conseguir! – Ela disse, Rosafim soltou sua piadinha.

- Entre morrer e morrer fique com a opção menos “assustadora”!

Então, Lerian pegou na cordinha, e quando ela foi pular, advinha? A corda do nosso lado arrebentou, e Lerian caiu...

Ela caiu feio no chão, e nós vimos, e olhamos do parapeito. Ela pareceu ter quebrado as duas pernas e um braço, e sua cabeça estava sangrando. Mas como que por milagre, ela não tinha morrido. Ela estendeu a mão pra gente, e eu me senti horrivelmente culpada daquela cena.

- Ziria, eu vim... Só por você. – Ela disse, estendendo a mão, como se quisesse me “pegar” na visão dela.

Então, eu não vi mais nada, quando o corpo dela foi coberto de sombras, e uma mão gelada, puxou o meu braço.

Era a mão de Rosafim, ele estava chorando. E então ele se virou pra mim, e confessou.

- O-olha... – Ele não parecia estar brincando. – Estou muito... Muito assustado desde que cheguei...

- Por que? Por que veio? – Eu disse, com raiva.

- Eu... Precisava provar que eu... Servia pra alguma coisa, mas... – Ele olhou pro chão, cobrindo os olhos. – Quando vocês viram, eu sei que vocês viram, aquele menino na janela...

- Você não o viu? – Tentei advinhar, mas ele me encarou com os olhos vermelhos. Tão mais alto que eu, tão mais medroso.

- EU VI 8 CRIANÇAS! – Ele disse, e eu fiquei assustada, ele era realmente mais “sensível” que a gente. E por essa razão devia ser “mais forte”. Acho que por isso ele se obrigou a vir, mesmo com medo. Porque ele queria se “testar”, porque queria provar que ele não tinha medo. E por isso que ele fazia tantas piadas, pra tentar “melhorar o clima” e disfarçar o medo incrível que estava sentindo.

- Você viu o “bicho” que nos seguiu? – Eu perguntei, querendo saber.

- Sim... Vi um homem de chapéu. – Ele disse, e ficou sério. Eu não tinha visto um homem, eu vi uma sombra rápida como uma fera. Ele devia morar ali também, no recinto.

- Ele deve ter ficado com sede de vingança de quem fez isso com as crianças. Ele deve ter pensado que éramos invasores, e por isso nos atacou... – Eu concluí, Rosa não disse nada, estava muito abalado e tremia.

- Quando... Q-quando entramos no quarto, eu vi... Uma criança nua... Cheia de sangue, dentro do armário, onde haviam as roupas dela. – ele disse, e eu fiquei ainda mais surpresa. Não só pelo que ele dizia... Mas no quarto atrás dele, haviam duas crianças com medo, deitadas na cama.

Elas me olhavam com os olhos de frieza e medo, e susto. E uma delas tinha os olhos verdes, e me assustava mais.

Tinha um espírito negro no armário, que eu não sabia o que era, parecia um monstro. Talvez fosse ele, pensei.

- Não, Ziria. O monstro que fez isso é bem pior. – Ele falou, e foi andando, adentrando nos corredores, como se estivesse contrariado.

Passei pelas crianças que me olhavam, e eu olhei pra elas assustada. O “monstro” no armário nem se moveu.

Fomos andando, e passamos por uma sala velha, com mesa de jantar e sofá. Na mesa, haviam duas crianças descalço e descabeladas, uma estava nua. Eu não conseguia olhar pros rostos. Algumas passavam por mim, e me tocavam, como se pedissem ajuda. Mas nenhuma tocava em Rosafim. E ele seguia andando pelo cômodo como se não fosse nada. No sofá tinham mais crianças caídas e paradas, não sabia se estavam vivas ou mortas. Eu não sabia mais se eram reais ou se eram espíritos. E passando por mais um corredor, vi uma mulher no banheiro, e ela me olhou com medo e com cara de susto. A mesma cara das crianças, e tinham duas crianças nuas nos boxes. E eu não entendia nada, e não entendia porque Rosafim andava sem parar. E eu queria parar, aquilo estava me dando medo, logo eu que sempre fui tão corajosa. Então, entramos na cozinha.

E na cozinha, o chão estava coberto de sangue.

- O mestre estava errado. – Disse Rosa. E eu o encarei com pena, medo e receio. – Foi na cozinha... Que o massacre começou.

E então, eu tive uma visão. Foi uma coisa de outro mundo, como tudo que habitava aquela casa. E eu nunca tive isso antes na minha vida. E então, tudo ficou preto, e tudo ficou branco, e então verde, como a cor da cozinha.

E eu via... Eu via a cozinha. E tinha um cheiro bom de comida. E a cozinha não estava destruída ou suja de sangue, e haviam panelas no fogão que nem estava mais lá. E havia uma geladeira também. E a mulher do banheiro andava, pra lá e pra cá. E crianças brincavam. E de repente, tudo ficou turvo, e rápido, como num filme passando rápido. E então, o facão da cozinha foi pego, o maior deles. Um “cortador de boi”, que eles deviam usar pra cortar carne. E então, as crianças que estavam na cozinha foram as primeiras vítimas. E o choro começou a vir delas. As cenas eram fortes demais pra serem descritas. Mas elas imploravam por ajuda. É ... O criminosos saiu da janela. E era sim uma pessoa. E ele atravessou o corredor, e atacou a mulher, lavando a mão no banheiro e as crianças que tomavam banho. E então, matou as que dormiam calmamente no sofá, e as que comiam na mesa, e então passou pelo fio (sim, o mesmo fio que passamos) e começou a entrar de quarto em quarto matando todos... E no fim, terminou, de joelhos, no chão. Com sangues nas mãos. Eu via o filme, eu o via, eu ouvia os gemidos das crianças agonizando até a morte, e era como se fosse eu.

Então, a visão acabou, e eu estava transtornada. A minha cabeça estava afetada. Os assassinatos me atormentaram, e eu me sentia mórbida. E o cheiro de sangue estava por toda cozinha. E eu encarei Rosafim chorando.

- É... Foi isso que aconteceu? – Ele também tinha visto a visão?

O facão com sangue não estava ali. Mas haviam outras facas largadas, que as crianças haviam pego pra se proteger do invasor. E então, cravei o olho numa, com sangue seco e preto. Peguei ela e na fúria, ela atingiu a cabeça de Rosafim. Ele caiu no chão.

Eu o olhei com ódio.

- Por que, Rosa...? Por que me fez ver isso?

- Foi você. Por que fez isso? Você está com um espi...

E quando ele ia falar, eu comecei a golpeá-lo como o assassino fez com todas as crianças indefesas. E todos os espíritos me rodearam para assistir o banquete. E o sangue de Rosafim pulava, enquanto a faca entrava e saía da carne dele repetidamente. Ele não podia mais agonizar. Ele estava desfigurado.

Eu olhei pras minhas mãos sujas de sangue. E deixei a faca cair. Eu toquei meus olhos, sujando meu rosto. E ouvi os gritos de Heldan e do Mestre, por cima de todas os gemidos das crianças extasiadas. Eu empurrei elas todas, pra saírem da frente, e fui até o parapeito do quarto, com o fio que havia se partido. E com a minha coragem, fiquei de pé no parapeito, e desejei pular pro outro lado.

O velho de chapéu e as crianças me olhavam com medo, e com raiva. Muita raiva. Desde que entrei na casa. Então, pulei como um “super-homem” me fazendo acreditar que ia chegar do outro lado. E meu corpo caiu sobre o corpo recém-morto de Lerian. De cabeça... E foi assim que eu morri.

Todas as almas das crianças e dos donos do Orfanato descansaram. Lerian e Rosafim foram considerados verdadeiros Chasseurs, mesmo depois da morte deles. Seus espíritos se encontram no paraíso descansando.

Mas a maldição do orfanato não acabou. Agora o espírito do assassino que lá morreu, assombra aquela casa maldita. E ameaça matar com o “facão de boi” todos os que ali passam.

FIM

AArK Kuga
Enviado por AArK Kuga em 17/03/2010
Código do texto: T2143710
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