O monstro debaixo da cama
Introdução
O trabalho da escola exigia que os alunos procurassem algo sobre: "conto de fadas macabro", a idéia do professor era a de que os alunos em duplas pesquisassem alguma história ou eles mesmo através da imaginação criassem algo. Era o trabalho final de literatura e, a dupla que aparecesse com a melhor história ganharia um dia inteiro no melhor parque de diversões do país.
Gerion e Tadeu estavam empolgados, queriam ganhar, mas não fazia idéia de onde procurar uma boa história. Decidiram irem para a casa e pensar em algo. Quando voltava, Gerion notou uma loja aparentando ser de fantasias, nunca tinha notado aquela loja antes. Um estranho homem manco e mascarado acenou para ele. Ele ficou ressabiado. No dia seguinte do acontecido, contou para o seu amigo Tadeu:
- Vamos lá, talvez a nossa história esteja embaixo do nosso nariz..
- Aquela loja é muito estranha, não vai nos ajudar em nada. - Falou Gerion com medo.
Mas Tadeu foi decidido, estava fechada para o almoço, sentou no meio-fio e esperou que o mascarado abrisse a loja. Gerion sentou-se ao seu lado. Não demoro muito para que o homem abrisse a porta e perguntasse o que aqueles dois jovens queriam, Tadeu tomou a iniciativa:
- Ermm... bem... não sei bem se poderia nos ajudar, mas precisamos pesquisar uma história sobre "conto de fadas macabro", o senhor pode nos ajudar?
- Amiguinhos, isso é uma loja de fantasias, em todo caso... acho que posso ajudá-los... se quiserem me acompanhar.
Os dois amigos se olharam e decidiram entrar. O estranhou colocou de volta a placa do horário de almoço e entrou na loja, os dois foram seguindo até o fundo da loja, abrindo caminho por todo o tipo de fantasias, de cotonete ao Chapolin Colorado. No fundo da loja o vendedor agora descia as escadas. Era uma sala bem abafada e escura, cercada por cortinas, alguns móveis velhos e empoeirados faziam parte do decadente cenário. Em cima de uma escrivaninha descansava um livro desbotado, duas velas brancas davam condições a leitura.
- Fiquem a vontade amiguinhos, acho que a história do livro se enquadra perfeitamente no que estavam procurando.
Eles se acomodaram na cadeira, não sem antes espanar a poeira, o mesmo fizeram com o livro. Embora fosse um livro aparentemente grande, continha poucas páginas. O estranho vendedor os deixou a sós para lerem a história.
- Daqui a pouco eu volto.
Abriram o livro e começaram a ler.
Parte I
Nos últimos anos, a magia não esteve tão presente no nosso mundo como ela era antigamente, marcando de forma positiva ou negativa a vida das pessoas. Mas mesmo com a magia um pouco afastada, ela ainda aparece, no caso dessa história ela apareceu uma forma bastante negativa, trazendo suplício a uma jovem, tudo por conta de uma boneca de porcelana.
Ela morava com a trupe do circo, era uma vida difícil, mas foi uma vida difícil desde sempre, ela era filha do domador de leões com a mulher barbada. Quando muito pequena, mostrou aptidão ao equilíbrio, sendo colocada para treinar com o time de trapezistas. Cresceu mostrando que seria uma excelente artista no futuro, esperou a sua chance de mostrar o talento para todos, seus pais tinham receio de uma apresentação pública, não achavam que a menina estivesse preparada e sempre adiavam, até que após muita insistência da filha e dos trapezistas, eles cederam e a apresentação dela foi marcada para debutar no final de semana. A criança não cabia em si de alegria e foi logo contar para a sua amiga.
A sua amiga morava no casebre que era sempre montado no fundo do circo, a menina não sabia o que sua amiga fazia no circo e nem quem eram os seus pais. Na verdade só a menina tinha acesso a esse casebre, para os demais não passava de mato, nada existia ali. Dentro do casebre as meninas conversavam. A menina trapezista se chama Tábata, enquanto sua amiga se diz chamar Carol. Tábata andava para cima e para baixo com a sua inseparável boneca de porcelana, boneca que tinha ganho de um forasteiro. Certa vez um homem veio negociar com o gerente do circo, trouxe alguns presentes, dentre eles a linda boneca. Carol era fascinada pela boneca.
- Dá a boneca pra mim? Ela sempre pedia.
Tábata gostava muito da amiga, mas não iria abrir mão daquela boneca facilmente. Entusiasmada, contou para a amiga sobre a sua estréia com a platéia que estava marcada para o final de semana.
- Você vai vir me ver? Perguntou Tábata cheia de esperança, nunca tinha visto a menina no lado de fora do casebre.
- Vou sim, estarei torcendo muito por você.
- Sabe essa boneca que você tanto gosta? Então, se tudo correr bem ela é sua.
A menina não conseguia segurar tamanha ansiedade, acreditava na capacidade de Tábata, sabia que nada poderia dar errado, a boneca já estava garantida. Quando Tábata saiu, aproveitou para sonhar acordada, enquanto se balançava na cadeira, o final de semana estava bem próximo. Tábata saía de um lugar que não existia, tinha falado com uma menina que não existia, isso boa coisa não poderia ser.
O pai acalmava a menina, segurava sua mão e pedia calma: "basta fazer como nos treinamentos, a platéia irá te ajudar ainda mais, nada melhor do que receber muitos aplausos", o pai repetia para a menina. O locutor ensandecido anunciava atração por atração, o circo estava lotado, não existia nenhuma cadeira vazia. Até Carol estava presente, rezava para que tudo desse certo, queria a boneca. A voz soou imponente, chamava a turma dos trapezistas ao centro do palco, Tábata olhou para o pai que segurou forte suas mãos, "boa sorte", e a menina correu para brilhar. Realizou com maestria os primeiros exercícios no trapézio, com sua trupe fez piruetas que deixavam a todos com o queixo caído, foi uma apresentação absolutamente impecável, fazendo com que os pais chorassem de felicidade e orgulho. Mas o melhor ainda estava por vir, a sua apresentação solo na corda bamba.
Uma grande rede de segurança fora armada e a corda jazia tranqüilamente, apenas esperando o toque dos pés da menina, ela iria atravessar a tenda, sob os olhares compenetrados de todos. Ela notou com felicidade que Carol estava ali, até então ainda não tinha visto a menina, acenou para ela e depois subiu as escadas. Respirações em suspensão, ninguém ousava se mexer muito ou desgrudar os olhos da garota que agora iniciava a caminhada: "Meu grande momento, não posso errar", pensava. Fazia uso de uma grande vareta para se equilibrar. Caminhava lentamente mas com passos decididos, a amiga olhava apreensiva, queria a boneca. Um pequeno passo em falso e ela se desequilibrou, momentos de tensão, tentava recobrar o equilíbrio para poder prosseguir até o fim, Carol tinha fechado os olhos e com as mãos apontadas para ela, murmurava baixinho, em transe. Tábata recobrou o equilíbrio e caminhou até o fim da corda, recebendo no fim uma chuva de aplausos, Carol agora respirava aliviada.
No dia seguinte, logo após acordar, a vitoriosa menina pegou a boneca, estava entristecida por ter que se desfazer da boneca, mas é como todos falam: "promessa é dívida", ela tinha que cumprir. O casebre estava lá, a porta entreaberta, ela entrou chamando a amiga que veio correndo animada, nem cumprimentou Tábata, foi logo enfiando a mão na boneca, já queria tomar posse, assustada Tábata deu dois passos para trás.
- Não. - Gritou meio que sem querer.
- Eu quero a minha boneca. - Falou Carol Agressiva.
A atmosfera do ambiente se modificou completamente, ao ar estava pesado, a iluminação parece que mais fraca, pequenos zumbidos atormentavam a menina. Ela nunca soube o real motivo de ter negado a boneca, pouco tempo depois nem iria mais brincar com ela, só teria guardado como uma recordação de infância, mas essa simples negação em cumprir uma promessa, acabou trazendo graves conseqüências. A menina na verdade não era uma inocente menina e sim um pequeno demônio vingativo, o casebre não era um simples casebre e sim, um pequeno pedaço do inferno na terra. O corpo da menina agora encolhia, sua fisionomia mudara completamente, se tornando bestial, a medida que o corpo encolheu, grandes asas apareceram, Tábata queria correr mas estava totalmente paralizada pelo medo. O demônio bufando e exalando um mau hálito horroroso, lançou uma maldição na pequena trapezista:
- Seus filhos vão pagar por isso.
E em um estalar de dedos, desapareceu junto com o casebre. Uma hora mais tarde, Tábata fora encontrada chorando sentada na grama.
Parte II
Alguns anos tinham se passado, a menina tinha se tornado mulher, o circo não mais fazia parte de sua vida, pouco mais de ano que ela o tinha deixado, preferiu ficar na cidade ganhando a vida como professora de ginástica, seus pais tinham seguido com o circo, mas prometeram visitá-la sempre que o circo estivesse passando perto. Permanecia solteira, seus relacionamentos nunca iam para frente, mas esperava encontrar o homem de sua vida, não demorou muito.
Existia um pântano aos arredores da cidade em que todos o chamavam de "o pântano dos mil mistérios", lendas e mais lendas sobre ele, cada uma mais se pé nem cabeça do que a outra. Mais uma lenda estava para ser criada. Um homem encapuzado andava pelo pântano, com a cabeça baixa impedia a visão do seu rosto, andava lentamente sem se importar com a lama sujando a bainha da sua capa ou com a água invadindo seus sapatos, ao chegar a beira do pântano, aonde passa uma estrada, retirou a capa revelando trajes comuns e uma fisionomia loira muito atraente, ao longe um ônibus se aproximava, fez sinal, o ônibus parou e ele subiu.
Tábata estava sentada no meio do ônibus, na janela olhava a paisagem quando o ônibus parou, o lugar ao seu lado estava vago. Viu com interesse um homem sentar ao seu lado, de relance percebeu que ele era muito bonito, atraente. Cinco minutos depois ele puxou conversa, papearam durante a viagem inteira.
Será que as coincidências são apenas coincidências? Vamos analisar a situação de Tábata, seu carro no dia anterior tinha apresentado um problema nos freios, teve que ser levado para a oficina. Poucas horas antes tinha recebido uma ligação avisando que a sua apresentação teria sido adiantada em um dia. Por fim, o homem que iria viajar ao seu lado passou mal, abandonando o embarque, deixando o lugar vago para o estranho do pântano, fazendo com que a maldição seja cumprida. Diante de uma dessas estranhas coincidências, elas nos fazem refletir sobre a existência de uma força universal, uma força sentada em uma gigantesca cadeira e controlando bilhões de fios invisíveis, o grande títere do nosso destino, se um fio arrebentasse, estaríamos parcialmente livres, Se um desses fios invisíveis tivesse sido manipulado errado, o homem não ter passado mal, o defeito ter sido descoberto depois ou a apresentação não ter sido antecipada. O fato é que algo acontecendo nesse sentido, eles não teriam se encontrado e eu provavelmente não estaria contando a história, talvez mesmo sem essa cadeia de coincidências eles tivessem se encontrado e tudo aconteceria na mesma, como se fosse pré-determinado, o títere rindo e pensando que ninguém pode fugir dos seus desígnios, e o casamento foi o desígnio deles.
Foi uma paixão fulminante, não demoraram a casar, os pais de Tábata estiveram presentes na cerimônia, os pais dele ninguém conhecia, talvez tivesse morrido na infância, ele diz não se lembrar, seu passado era um mistério, mas ela não se importava. Poucas semanas depois do casamento, ela descobriu que estava grávida, "seus filhos vão pagar por isso", ela ria agora dessa história, por um bom tempo ficou assustada com isso, tinha levado a sério, isso a impediu por bastante tempo de ter um namorado, não queria se envolver, mas agora olhava para a boneca de porcelana e ria dessa história, crianças ficam muito impressionadas, fazia carinho em sua barriga, um grande sorriso no rosto.
Mas a gravidez não fora nem um pouco tranqüila, volta e meia ela sentia muitas dores, tinha pequenos sangramentos, parava no hospital. A ultrassonografia mostrou que o bebê nasceria com problemas, mas nada que abalasse a fé do casal. Com pouco mais de sete meses de gravidez, o bebê quis sair, a cesariana, algo assustador. Quando nasceu chocou o médico, tinha o rosto todo disforme e nascera sem os membros, mas respirava, embora o nascimento tivesse sido precoce e o bebê necessitasse de cuidados, parecia saudável: "seus filhos vão pagar por isso", a frase voltava a ecoar na cabeça de Tábata, mas ela decidiu amar aquela criança do fundo do coração, era amor de mãe. Poucos dias depois da criança ter recebido alta e ter ido para a casa com os pais, o misterioso marido a abandonou, voltando ao pântano. Ela poderia ter se desesperado, mas com a gigante responsabilidade, ela não teve tempo para esses caprichos.
O filho crescera e desenvolvera dentes destrutivos, quebrava e mastigava ossos facilmente, mas não conseguia falar, sua mãe entendia com o seu grande espírito materno cada pedido do filho, o amava muito. Quando ele completou quatro anos, o misterioso homem saiu novamente do pântano, sabia já o caminho e para sua mulher retornou.
Parte III
Foi uma primavera de muito amor, como uma flor que desabrocha, quatro anos afastados tinha sido tempo demais perdido, em poucos dias se amaram muito, como se quisessem recuperar o tempo perdido. O filho ficava na sua cama no chão, com muita dificuldade ele aprendeu a se locomover, andava lentamente com suas minúsculas pernas que não tinha se desenvolvido. Quando ainda pequeno, certa vez mordeu o seio da mãe, que o amamentava amorosamente, aquela tinha sido a última vez, agora só na mamadeira. Mas estava orgulhosa com o filho que aprendia e evoluía pouco a pouco. Junto com o término da primavera veio a notícia da gravidez. Tábata era a mulher mais feliz do mundo, mas a felicidade é passageira e a dela terminou quando sua gravidez deu luz a gêmeos siameses, duas cabeças e apenas um corpo, um menino e uma menina. Como se não bastasse isso, seu marido a abandonou novamente. Depois dessa vez ela nunca mais o viu. Se embrenhou pelo pântano, sumindo para sempre entre a lama, retornando de onde viera.
Desde sempre o mais velho sentia uma atração pelos gêmeos, a mãe tratava como amor fraterno, embora ele tivesse sido sempre bastante agressivo, olhos esbugalhados, querendo morder, a mãe gostava da interação entre os irmãos, os irmãos se dando bem, nem mais lembrava da maldição, mesmo com o problema dos filhos. Mas a coisa mudou de figura quando os gêmeos completaram um ano. Tábata dormia, os gêmeos também, o mais velho tinha os olhos em busca de sangue, queria matar os gêmeos, mandíbula estava preparada. Tábata tinha uma tranqüila noite de sonhos até a aparição de um anjo, que apontou para ela e disse:
- Cuidado que seu filho irá matar os gêmeos.
Tábata gritava em seus sonhos:
- Não, isso não é possível, ele é um doce de menino. - Tábata se mostrava desesperada, queria acordar daquele sonho que não gostava.
- Pare de reclamar comigo e acorde.
Tábata acordou toda suada, respiração ofegante, agarrava com força o lençol, precisava de alguns segundos para situar sua localização no mundo, em pulo saiu da cama, com mais alguns passos chegou aonde os gêmeos dormiam, mal sabiam do perigo que corriam. O irmão mais velho estava em cima dos gêmeos e já se preparava para mordê-los até a morte, o olhar enfurecido demonstrava que ele estava preparado para isso, não exitaria no desempenho da função, ciúmes, queria ser o único a ser amado por aquela doce mulher, não queria dividir as atenções com mais nenhum irmão.
- Não! Ela gritou.
A criança mostrando os dentes, pronta para o ataque paralizou, gelou, a doce mulher o tinha chamado a atenção, se mostrava bastante zangada, ele nunca tinha visto ela tão zangada, ficou com medo e rolou para o lado. Ela o pegou nos braços e o levou ao seu lugar, seu estrado de madeira. No dia seguinte, os gêmeos poderiam dormir tranqüilamente, o agressivo irmão tinha sido preso, agora ele passava os dias debaixo da cama da mãe, deitado e amarrado em seu estrado, um equipamento o fazia deslizar para fora da cama, bastanva a mãe puxar a alavanca. Ela deixava ele sempre solto quando estava por perto, mas ele insistia sempre em querer atacar os irmãos, essa insistência se tornou insustentável a ponto de tomar uma decisão. Iria afastar os irmãos de vez, fazerem perder o contato. Os gêmeos ainda eram pequenos, ainda não tinham completado dois anos, o mais velho também iria esquecer com o tempo, ela pensava. Isolou o mais velhou embaixo de sua cama, só o desamarrava dentro do quarto, quando os gêmeos estivessem longe. Adorava cobrir o mais velho de mimos, mas esses momentos íntimos duravam poucos minutos por dia, ele sempre querendo mais e não podendo. No alto da prateleira, a velha boneca de porcelana, meio suja e com as roupas em farrapo a tudo observava.
Parte IV
Alguns , anos se passaram, ela nem mais esperava a volta do marido, já estava enterrado para sempre em sua mente. Os gêmeos haviam completado sete anos, adoravam brincar e eram amáveis um com o outro, o que era muito importante, imagina se vivessem brigando, não teriam como fugir um do outro. Cresceram sem saber da existência do irmão, isso até o dia do natal, quando Tábata resolveu contar a verdade para eles. Vou passar os pensamentos de um dos gêmeos, pouco tempo após conhecer o irmão mais velho.
"A grande revelação de quando era pequeno partiu da minha mãe, ela falava que existia um irmão perdido e que deveríamos aceitá-lo, mas ninguém além dela sabia onde ele estava. Falava que ele poderia ser agressivo, muito perigoso. Para nos incitar medo, ele poderia até pular e cravar os dentes no nosso pescoço. Assim como eu, minha irmã também morria de medo. A idéia de um irmão mais velho sempre nos assustou. Ele poderia se aproveitar desse fato e nos bater. A revelação veio no natal.
Minha irmão ainda nutria uma pequena esperança de que Papai Noel existisse, eu já sabia que não, era um homem vestido, minha mãe já tinha me revelado enquanto minha irmã dormia ao meu lado. Nossa mãe nos chamou ao seu quarto, disse que tínhamos idade suficiente para sabermos a verdade, mas para que não ficássemos com medo. Ela acendeu a luz, na sua cama existia uma alavanca e ela puxou, uma prancha de madeira deslizou. Ele estava amarrado, não tinha braços e pernas, seu rosto era todo desfigurado e tinha uma arcada dentária assassina. Ficamos chocados com a revelação do nosso irmão, morreu pouco tempo depois desse dia, não sabemos se foi enterrado ou o que aconteceu, só que ele sumiu, a dúvida ainda nos assusta."
Na noite de natal em que a união entre os irmãos foi apresentada, Tábata foi dormir aliviada, estava tirando um grande peso das costas, se Deus quiser eles vão se entender muito bem, mas naquela mesma noite, no sonho, o anjo reapareceu:
- Está lembrada de mim? Não tire conclusões precipitadas sobre as crianças, elas nunca vão se unir, o mais velho vai acabar matando os gêmeos, é apenas uma questão de tempo, tem que se livrar dele. Faça o que eu digo.
Acordou chorando copiosamente, puxou a alavanca e ficou ali parada, olhava para a sua amada criança, o coração de mãe palpitando forte, era tão feio, o rosto desfigurado, mas dormia como um anjo, demonstrava que seria impossível de machucar alguém, mas Tábata se lembrava bem daquela noite, ele ali para abocanhar os irmãos, parecia um animal, seu anjo da guarda tinha acertada uma vez, não iria errar agora. Ficou alguns dias pensativa, passava sempre na presença do filho, o dando muito amor e carinho, passava a mão na cabeça para depois acabar com sua vida, talvez o enchendo de amor amenize a dor depois. Chorando, ela coloca no carro: "Vamos filho, mamãe ama você."
Dirigiu lentamente pela madrugada, dirigiu como se estivesse em um engarrafamento ao invés de uma estrada vazia, tendo apenas a lua como testemunha, será que teria coragem de matar o filho? Avançou ruas e sinais vermelho, ainda não tinha certeza do que iria fazer, nem mesmo se iria fazer, mas essa direção na estrada não poderia ser em vão. Dirigiu em direção ao pântano. Estacionou o carro na beira, se embrenhou na mata fazendo um grande esforço com o filho no colo, as plantas fustigavam o seu rosto e seu filho dormia feliz, estava com mãe, era isso que importava. Ela caminhou bastante até perceber ao longe uma pequena casa, chegando lá ficou a espreita para ver se tinha alguém em casa. Ela não chegou a perceber, mas esse é o mesmo casebre da sua infância. Percebendo que não tinha ninguém na casa, abriu a porta, deixou o filho no chão, lhe deu um beijo de noa noite e foi embora. Ele não entendeu quando acordou o motivo de ter sido abandonado, queria gritar pela mãe, mas as palavras não saíam, tudo ao redor começou a mudar.
Toda a paisagem ao redor de Tábata se afundou, deixando uma estreita ponte para ela passar, tudo em volta era precipício, o pântano dos mil mistérios estava aprontando mais um, ela não tinha como voltar ao casebre, tinha que seguir em frente, voltar a corda bamba, dessa vez sem a ajuda da vara. Fechou os olhos e rezou, o vento agora soprava forte, era tudo contra ela, queria voltar em segurança para casa, esperou a ventania amenizar, pé ante pé começou a caminhada decidida. Quando o vento forte voltava, ficava paradinha, nada poderia deter sua habilidade. Pensava a todo instante que era uma ilusão, que o caminho iria aparecer, enquanto isso não acontecia caminhada. Seus últimos passos foram mais rápidos, no último ela pulou para fora do pântano, estava indo agora para casa.
Parte V
O monstro dos dentes afiados ficou lá jogado a própria sorte, sentindo fome e sede, alimentando um ódio mortal contra seus irmãos, um ódio ainda maior, ele agora rezava para conseguir se vingar, tinha que dar uma lição neles e reconquistar o coração da doce mulher. Estava queimando de saudades mas não conseguia sair do casebre, chorava de frustração, mordia o assoalho da casa fazendo um grande buraco, rolou para o lado, a boca cheia de terra e os olhos cheios de lágrimas. Uma luz apareceu na janela invadindo a casa, tinha asas, era o pequeno demônio. Olhou com desdém para a criança, estalou os dedos iniciando a mágica e falou:
- Em pouco tempo vai conseguir sair daqui. - Falou e desapareceu em seguida.
Ao longo dos dias ele foi precebendo que seus membros cresciam em uma espécia de simbiose com o ambiente, a casa ia encolhendo enquanto brotavam: pernas, braços e asas, a fina ponte tinha desabado, pelo alto era o único meio de conseguir escapar. Quando a simbiose se completou, ele testou suas asas e teve pela primeira vez a sensação de como usar as mãos para pegar algo e de como andar. Levantou vôo sem mais delongas, estava pronto para a vingança.
Ela foi atormentada novamente pelo anjo, que mais uma bez apareceu em seus sonhos, ele sacudia as asas e gritava:
- Ele está vindo se vingar, faça algo.
Dessa vez ela não deu idéia e continuou dormindo, como o filho iria se vingar preso naquele casebre, com problemas para se locomover, nessa altura já devia ter morrido de fome e sede, uma lágrima de tristeza escorria do seu rosto, o filho querido morto, ela nunca iria se perdoar, estava se achando a criatura mais maldosa do mundo. Sabia que seria punida por isso, o que era dela estava guardado após a morte. O anjo desistiu dos avisos e foi embora, "não queria me ouvir, não posso fazer mais nada, lavo minhas asas" e foi embora, deixando ela a sós com os pensamentos. Um barulho de vidro quebrado a assustou, veio da direção do quarto dos gêmeos: "não pode ser", ela se levantou rapidamente, tinha um pedaço de madeira nas mãos, entrou no quarto.
- Não! - Se ajoelhou e começou a chorar.
O mais velho tinha a boca cheia de sangue, os gêmeos mortos, buracos no pescoço faziam o sangue jorrar em todas as direções: "Seus filhos vão pagar por isso", ela se levanta chorando e olha para o e filho praticamente recuperado das moléstias do nascimento. Ele se aproxima dela, ela abre os braços, os dois se abraçam e ele fala pela primeira vez:
- Eu amo você, mamãe.
Ela abraçava forte o filho, a boneca de porcelana olhava a cena, uma lágrima de sangue escorreu, um segundo depois evaporou, deixando para trás apenas o vestidinho puído.
Final
Os meninos fecharam o livro: "Uau" exclamaram.
- Isso vai dar uma história excelente. - Falava Tadeu.
Nisso o homem mascarado voltou a cena.
- Vejo que gostaram do livro.
Os meninos fizeram que sim com a cabeça, nessa hora o estranho vendedor acendeu as luzes e tirou a máscara, tinha o rosto ainda desfigurado e com longos dentes afiados, exibia um sorriso maligno para os meninos, nesse instante ele puxou uma alavanca, fazendo a cortina que envolvia o ambiente despencar, revelando assim um monte de jaulas com seres humanos deformados que agora começavam a gemer baixinho.
- Corram e levem o livro amiguinhos, ou o negócio aqui vai esquentar.
Geriou agarrou o livro e junto com Tadeu saíram correndo daquela alcova. Tinha em mãos o passaporte para o parque de diversões, embora assustados estavam felizes.