fome saciada
Ela se casou muito nova.
Cheia de sonhos.
Sonhos de uma vida melhor do que a que ela levava.
Em pouco tempo o casebre se encheu de crianças.
O marido? Mudou muito.
Sem perspectiva de melhoras.
Perdeu o emprego. Sem futuro.
A cabeça parece ter enfraquecido.
Andava sem rumo.
Procurava emprego o dia todo.
Bem, era o que ela pensava.
A dispensa vazia.
A fome entrando pela porta da frente.
Só entrava e não saia.
Nos olhos dos filhos, a dor.
Magrelos. Pele e osso.
Bêbado. Era assim que ele aparecia toda noite.
Um emprego. Ela vai.
Salário é pouco, mas vai.
As crianças ficam sozinha o dia todo.
A situação do marido só piora.
Agora além de chegar bêbado, ainda a espanca.
Uma. Duas. Três vezes.
A paciência vai se esgotando.
Ela não sabe até quando vai suportar.
Mais uma noite, mais uma briga.
E mais outra.
Um dia. Ou melhor, uma noite.
Ele chega bêbado. Vai pra cima dela.
Tenta agredí-la. Hoje foi diferente.
Ela já esperava tal atitude.
Uma faca. Um golpe certeiro.
Nem um grito. Nada.
O silêncio da morte.
Madrugada adentro.
Ela se orgulha por ter aprendido a salgar carnes.
Para que durem muito tempo fora da geladeira.
E teriam carne por um bom tempo.
Pela manhã, a surpresa da carne secando ao sol.
E a triste notícia de que o pai não voltaria mais.