Dupla personalidade?

Diego.

Esse era seu nome.

Apareceu em meu consultório acompanhado da mãe. Uma senhora com olhar já bem cansado, de quem estava sofrendo junto com o filho, então com 16 anos.

Havia sido diagnosticado como um caso de dupla personalidade.

Mas havia algo nele que não se encaixava.

Segundo relato de sua mãe, ele começou a apresentar distúrbios a partir dos 12 anos de idade.

Sempre havia sido um garoto normal, inteligente, sempre prestativo e com uma mentalidade acima da média dos garotos de sua idade.

Em uma tarde de sábado que ela gostaria de esquecer, mas que era uma tarefa dificil, algo mudou tudo.

Moravam em um bairro nobre, tranquilo e seguro. Diego estudava em colégio particular.

Seu pai passava o dia todo na empresa. Sua mãe geralmente ficava em casa.

Saia pouco. Mas nesse dia havia passado a tarde toda na mãe dela.

Diego era filho único e sempre voltava do colégio junto com amigos vizinhos.

Fim da tarde, quando pai e mãe retornam são recebidos com uma horrenda surpresa.

No sofá da sala encontram Diego sentado, com olhar vago, as mãos e roupas todas ensanguentadas.

O desespero toma conta deles, imaginam o filho ferido ou coisa parecida.

Diego olha para eles com um olhar que nunca haviam visto. Olhar de ódio, de morte, de terror e junto com o olhar solta uma gargalhada assustadora e se levanta fazendo sinal para que o sigam ao quintal.

Chegando lá, o horror aumenta.

No fundo do quintal havia uma parede, e nela o cão da familia está crucificado já morto, mas com pregos nas patas dianteiras, e a seu lado, dois gatos nas mesmas situações.

Diego continua rindo. Os pais se olhando sem saber o que era aquilo ou o porque daquilo.

De repente Diego cai no chão, se contorcendo e babando, emitindo sons que parecem palavras, mas indecifráveis.

Alguns minutos durou essa situação.

Silêncio, Diego fica imóvel, olhos fechados, calado, alguns tremores e volta a si.

Quase desmaia ao olhar para a parede. Quando questionado, nada sabe responder.

Nenhuma lembrança. Só se lembra de ter voltado da escola e ao entrar na casa sentiu uma presença mas não havia ninguém.

Os dias se passaram, nunca relataram o fato a ninguém.

Mas Diego não foi mais o mesmo.

Apresentava dias de normalidade e outros de agressividade.

Nunca se sabia quando ele estaria calmo ou violento.

Houve épocas em que teve de ficar em hospitais psiquiátricos.

Dupla personalidade foi o diagnóstico.

Por fim de tanto ir e vir, alguém me indicou.

E lá estava Diego com sua mãe, no primeiro dia nada de anormal.

No segundo dia, também normal.

Várias consultas se passaram sem nada acontecer, porém na sexta sessão algo aonteceu.

Diego entrou. Estava sozinho nesse dia.

Aguardou na sala de espera e conversou muito com a secretária, coisa que nunca fazia.

Adentrou-se na sala. Me cumprimentou de cabeça baixa e com uma voz estranha.

Apenas respondeu a minhas perguntas. Sempre com monossílados.

E quando me olhou, senti algo misturado com medo e dor.

Seu olhar estava pesado, fixos, sem vida, avermelhados.

Ele segurou bem firme os braços da cadeira como se quisesse sair daquele corpo e me olhando nos olhos disse:

- Somos vários. Vários. Vivendo em um único corpo. Mas ele não nos quer mais.

Medo, muito medo. Um arrepio de pavor foi o que senti naquela hora.

- Vários? Como assim? Não entendi.

- Nos ajude Dr. Sua voz mais parecia um grunhido.

- Tentarei. Prometo.

Ele me olhou e sorriu um sorriso tenso.

Diego permaneceu calado até o final da sessão. Tente fazer com que respondesse mas sem efeito.

Ao final, ele parecia ter saido do transe. Parecia nem saber o que havia se passado.

Se despediu com um sorriso quase feliz. Olhou ao redor da sala toda como se visse ali uma multidão de pessoas.

E saiu. Achei muito estranho.

Liguei imediatamente para a mãe dele.

Ela nem sabia que ele havia marcado aquela consulta.

Diego não voltou para a casa naquele dia e em nenhum outro mais.

Compareci ao velório de Diego, e me lembro de sua mãe me dizendo que eu estava um tanto estranho.

Tenho passado meus dias perambulando pelas ruas, nunca mais voltei ao meu consultório.

Nem sei mais exatamente quem sou eu.

Apenas em alguns dias acordo como o Dr. Yado. Em outros não sei quem sou e nem o que faço.

Só sei que eu sou muitos.

E não tenho dupla personalidade.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 20/02/2010
Código do texto: T2097631
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.