A PONTE
Já não se aguentava mais. Estava embriagado. Não se emendava mesmo. Toda sexta-feira, a mesma coisa. Recebia o salário, enfurnava-se nos fundos de um boteco fedorento e “derrubava”, sozinho, um garrafa de cachaça acompanhada com pedaços de carne sem procedência, sapecados, cheirando a gordura de toucinho de porco. Naquela noite exagerou. Bebeu mais de uma garrafa. Não terminou a outra. Pagou a conta, quer dizer pagaram a conta por ele. O dono da birosca meteu a mão em seu bolso e tirou o correspondente ao seu consumo. Afinal, ele era um freguês costumeiro. Cambaleando, procurou sair da viela em direção ao ponto de ônibus. Trôpego, eletrocutado por alguns raios rápidos de consciência, decidiu-se dormir por ali mesmo e procurou pela ponte velha (passava por ali todos os dias), abandonada. Encostou-se em um dos seus vãos. Levantou a vista. Passou por ela o boteco, a garrafa de cachaça, a viela, a avenida, a ponte, a lua se escondendo e, antes que a noite cobrisse sua carcaça entorpecida com seu véu negro, ele viu aquela carranca acompanhada de um cheiro nauseabundo, boca enorme, escancarada, olhos chorando sangue vindo do negrume, do interior da ponte velha...
Uma réstia quente do sol de sábado queimou-lhe o rosto inchado de álcool. Os olhos esbugalhados lhe saltaram nas faces. Olhou para o fundo da ponte. Tenho que parar de beber, resmungou. Tentou levantar-se, a perna doeu. Levantou a perna da calça já rasgada, ensopada de sangue. Uma cratera vermelha na batata da perna. Tinham-lhe arrancado um xaboque de carne. Suou frio, dormiu novamente, embriagado de terror.