CLARISSE, A POSSUÍDA
Clarisse desceu as escadas paralelas no segundo andar de sua casa, localizada interior do Texas, rumo ao cômodo da sala lá embaixo naquele final de tarde nada comum.
Foi descendo lentamente, até se sentir fraca. Uma forte vertigem o tomando conta no mesmo instante. Ela parou com as pernas trêmulas. O suor do seu corpo saindo pela epiderme de forma surpreendente. Sabia do que se tratava.
Logo atrás de si, viu de lado uma sombra grandiosa pairando sem controle entre o corredor do andar em que acabara de deixar. Escutou um vaso se estilhaçando lá em cima, logo ao lado de seu quarto. Depois o quadro, que transcendia uma imagem bizarra de dois corpos sendo decapitados vivos, caiu entre uma coluna e outra na escada. O quadro caiu para cima, de modo que ela pode ver a imagem. Ficou olhando de forma estranha, e depois viu o espetáculo começar. A tela sem explicação começou a se rasgar. Três formas retas se formaram por cima da pintura, danificando-a. Depois mais três, até que a imagem começou a pegar fogo. Virando cinzas, que pairaram pelo ar bubônico da casa.
Ela não tinha dúvidas. Era ele que estava ali. Criando toda aquela cena assustadora novamente. Deu uma última olhadela lá para cima, e voltou a descer de forma desvairada. O seu cabelo Chanel castanho entre o rosto, tampando o olho direito.
Quando finalmente chegou lá embaixo, ela parou entre o hall. Escutou mais uma vez algo se quebrando. Viu que eram as louças de porcelana, que espatifaram no chão da cozinha em mil pedacinhos, deixando as portas dos armários baterem feitos malucos, além do fogo se matearilazando sozinhos no fogão de modelo cook top.
Toda a casa estava um breu, a não ser pela fraca luz do fim de tarde que vinha de lá de fora, e que atravessavam as frestas das janelas da sala. Clarisse estará sozinha ali. Quer dizer, estava. A companhia dela tinha acabado de chegar. Deu uma risadinha imperfeita e maléfica. A vertigem se intensificou de forma rápida. Como ele é forte. Pensou.
Depois vieram os olhos. Seus lindos olhos cor-de-mel mudaram de cor de forma instantânea. De claros se tornaram escuros. Vermelhos e fumegantes. Isso era pouco, pois sua expressão de calma mudou-se para de uma mulher estupidamente rígida. Má. Seu pescoço se contorcia, de modo que sentia a sensação daquela sombra invadindo seu corpo calorosamente. Deu mais uma risada. Abaixou a cabeça. Os cabelos cobrindo todo o rosto. Quando de repente levantou de volta, soltando um urro alto. O ódio dele transparecendo, diante de seu corpo encurvado, tonificado. O espírito se apossando de seu corpo, lhe roubando a compostura. Era ele ali. A coisa. O espírito que lhe fazia matar as pessoas. Que fez lhe pintar aquele quadro dos homens sendo mortos. Sem dúvidas a coisa era magnífica. Diante sua vida na terra, teve a oportunidade de curtir a vida, saciando o doce prazer de matar seres e depois sugá-los feitos bichos que consumia agora no inferno, bem abaixo daquela casa.
A coisa agarrou seus seios. Clarisse dominada pelo espírito sentiu o prazer inigualável de volta Ele tem pegada!
Logo ele começou a lhe dar ordens. Ordens bem fortes. Sua voz soou ali, de um ser bem estranho. A voz de Clarisse modificou-se, parecendo uma voz distorcida, saindo por um compartimento como orifício de um cano.
— O que você quer? — Disse ela. Os olhos fechados, sentindo o prazer da coisa.
Sangue.
— Sim.
Quero sangue. Sangue quente. Sangue fresco. Mate! Mate!
Clarisse possuída saiu correndo, descontrolada para a garagem da casa. Chegando à varanda, foi rumo à garagem localizado a poucos metros dali.
Correu. Chegou em frente da porta trancada da garagem empoeirada. O espírito dominando seu corpo.
Com uma forte e rápida força brutal, Clarisse derrubou a porta de madeira trancada, e adentrou no local repleto de coisas velhas: latas de tintas, pneus, correntes, enfim, várias coisas sem valor, inclusive um carro maltratado e também velho, de um modelo antigo. Algo parecido com um Ford Mustang Shelby vermelho.
Rodou em volta, desesperada, buscando algo. Algo que possa servir de arma para matar, decapitar e... Encontrou! Ao seu lado esquerdo, bem aos fundos da garagem, viu um machado de ferro. A grande ponta achatada despertou mais ainda a sede do espírito, e o desejo de matar de Clarisse. Pegou o machado, e logo em seguida voltou-se para fora. Olhou para o céu. A noite caiu, com uma gloriosa sensação aterradora. Caiu ajoelhada sobre o gramado seco, e começou a gritar. Os dentes semicerrados visível, diante da raiva obsessiva que o espírito transcendia. Levantou. O machado sobre a mão direita, ao lado da cintura. A cabeça abaixada.
Clarisse foi até a casa vizinha. Pulou o muro que cercava o terreno entre sua casa e a outra, e invadiu o terreno da vizinha a que tanto tem afinidade. Mas não agora. Precisava matar. Matar! Servir para a coisa o líquido mais puro que há em seu mundo. Chegou à porta. Um dos cachorros da vizinha chamada Leslie, latindo altamente e raivosamente. Parecia que ele estará pressentindo o perigo em volta da casa de sua dona. Queria se soltar entre as correntes. Queria fugir. Salvar sua dona. Sua grande dona. Mas não conseguiu. A corrente lhe enforcando a cada vez que tentava se soltar. Clarisse olhou para o cão. O grande Teddy, a que tanto admirava. Foi até ele. Os passos acelerados e longos. Feito bicho selvagem a espreita. O machado pronto para ser usado.
Quando Teddy latiu, Clarisse arrancou a cabeça do cão, usando o machado sem miséricórdia. O sangue do cachorro espirrando pra todo lado. A carne dilantado-se com as artérias e correntes sangüíneas, de modo que Clarisse foi até ele, e se serviu do sangue de Teddy. A cabeça do outro lado, dando seus últimos piscar de olhos.
O espírito se sentiu satisfeito pela entrada do banquete. Queria mais. Muito mais. Clarisse voltou-se para a porta da casa de Leslie. Bateu. Bateu três vezes, até que Leslie aparecera na porta com um sorriso alegre e disposta.
— Oi Clarisse. — Disse percebendo a reação da vizinha. — Está se sentindo bem?
A voz da coisa soou em sua mente. Histérica. Ruim.
Mate-a! Mate-a agora!
Um barulho. Clarisse escutou um barulho. Sua consciência voltando. Viu Leslie parada ali, a olhando de modo gentil. Gritou
—Não! Não posso!
MATE-A! AGORA!
— Está acontecendo alguma coisa, Clarisse?! — Perguntou Leslie, se assustando com o jeito da mulher.
Clarisse berrou. Berrou se contendo. Não podia fazer aquilo. Não. Já não bastava o cachorro. Agora Leslie?
Se você não matá-la...
— NÃÃÃÃÃÃO! — Berrou Clarisse, correndo para o portão as pressas ao crepúsculo. — Não! Não posso.
Você pode. Faça isso! Eu quero sangue! Carne fresca.
Clarisse pulou o portão. As mãos na cabeça a todo instante. Sentindo dor. Uma dor insuportável. Chegou no centro da rua. Correu de volta para sua casa, tentando se livrar daquele ser do inferno. Psicopata.
Cinco minutos se passaram, e Clarisse estará na sala, se agoniando. Chorando. Tentando se livrar daquilo. Tremia. Sentia o frio do seu corpo aumentando.
Você não fez o que ordenei.
— Já chega!
Clarisse foi até uma mesinha ali na sala, e abriu a gaveta no interior dela. Pegou uma arma. Apontou para sua cabeça, trêmula.
Você não tem coragem de fazer isso.
— Para se livrar você eu tenho...
Então siga em frente. Vá! Tire essa sua vida miserável que você...
PÁ. PÁ.
Um som estrondo e pavoroso. À bala se contorcendo dentro do crânio de Clarisse. A escuridão batendo em seus olhos. O espírito da coisa desaparecendo feito pó. A alma de Clarisse deixando o corpo, indo em direção aquele caminho que virá nos últimos dias atrás. Ia de encontro à coisa. Um lugar quente. Chamas?! Viu chamas no final do túnel. Não queria. Nããão!!!
Mas era tarde demais. Finalmente viu a cara da coisa. Sua boca enorme feito de um monstro obscuro e obsessivo. Ele a agarrou com suas garras afiadas, e depois... O fim.
Diante daquele longo caminho rochoso, só pode se ouvir gritos lentos e assustadores.