A Cabeça Fantasmagórica
Oksana vivia em uma pequena casa às margens da cidade com seu pai, sua madrasta e sua meio-irmã. Sua madrasta a detestava e sempre favorecia sua filha legítima, Olena.
Logo após o novo casamento de seu pai, Oksana descobriu que todo o trabalho doméstico caía sobre ela enquanto Olena vivia na maior mordomia. O pai de Oksana era um homem tímido e não tinha coragem de enfrentar a esposa. Assim, a menina era obrigada a vestir as roupas velhas de Olena e suas mãos cresceram vermelhas e calejadas devido ao trabalho no frio, enquanto sua meio-irmã acompanhava as melhores festas, crescendo preguiçosa e irresponsável.
Um dia, quando a neve do impiedoso inverno estava particularmente rigorosa, a família de Oksana se viu sem dinheiro. A madrasta da infeliz jovem começou a atormentar o marido no intuito de que ele mandasse a filha embora, sob o pretexto de que eles não podiam sustentar duas garotas. Relutantemente, o pai de Oksana concordou. Ele levou a jovem a uma pequena cabana nas profundezas do bosque, em meio às arvores, e deixou a garota lá.
Oksana estava muito assustada. Contavam que aquele bosque era habitado por demônios e monstros. Contudo, a garota era prática. Ela entrou na cabana com sua pequena trouxa e encontrou uma lareira, uma velha mesa e uma antiga panela enferrujada. Descarregou o pão, a faca e o pedaço de queijo que seu pai lhe havia dado. Desdobrou um cobertor e o colocou perto da lareira. Em seguida, coletou madeira e fez uma fogueira.
Oksana sabia que o pão e o queijo não lhe durariam todo o inverno. Então ela fez uma armadilha usando os galhos finos e flexíveis das árvores e capturou um coelho da neve para comer. Ela também cavou por baixo da neve profunda e encontrou algumas raízes e frutos para sua refeição.
Ao anoitecer, ela derreteu neve, transformando-a em água para beber e usou o resto para fazer um ensopado. Desse jeito, Oksana comeu bem. Por fim, ela deitou-se perto do calor do fogo, ouvindo o uivo do vento e afirmando para si mesma que ela não estava com medo daquele bosque.
Era meia noite quando as batidas começaram.
Knock, knock, knock.
O som ecoava de maneira lúgubre ao redor da cabana escura. A jovem acordou com um sobressalto, seu coração pulando de medo. O som se repetiu:
Knock, knock, knock.
Oksana pensou nos monstros. Escondeu-se debaixo da coberta, rezando para que aquela coisa fosse embora.
Knock, knock, knock.
A moça levantou-se, segurando um pedaço de pau. Arrastou-se em volta da porta. O vento uivou sobrenaturalmente embaixo da chaminé. Oksana engoliu seu medo e abriu a porta bruscamente. Não havia nada lá. Seu coração bateu descompassadamente enquanto ela olhava a neve iluminada pela luz de sua pequena fogueira. Então olhou para baixo. A infeliz deixou escapar um grito de terror e pulou para trás, deixando cair seu pedaço de pau. Era um demônio. Um espírito maligno.
Aquilo não tinha corpo!
- Q-quem é vo-você? – Oksana gaguejou, agarrando a porta com maoas tremulas.
- Eu sou Cabeça de Vaca – aquilo respondeu.
De fato, Oksana logo viu o que aquilo era. A cabeça era marrom, com chifres curvados e um par de olhos estranhos, assombrosos.
- Estou com frio e fome. Posso dormir perto de sua lareira? – a Cabeça de Vaca perguntou. Sua voz era fria e sem vida.
Oksana engoliu todo o seu horror.
- É-é claro... – ela disse.
- Levante-me da soleira – exigiu a Cabeça de Vaca, secamente. A garota fez o que lhe foi ordenado.
- Ponha-me perto do fogo – ordenou a assombração, sem cerimônia.
Raiva e compaixão lutaram dentro de Oksana, mas a compaixão venceu. Ela então colocou aquilo perto do fogo.
- Estou com fome – disse a Cabeça de Vaca – Alimente-me.
Oksana pensou em seu mísero suprimento de comida. O ensopado que sobrou na panela ela para seu café da manhã. Mesmo assim, ela deu o escasso alimento para Cabeça de Vaca.
- Irei dormir agora – aquilo disse, sem um mínimo gesto de agradecimento. Não havia nenhum enternecimento em suas atitudes em relação à Oksana. Mesmo assim, a jovem deixou a criatura confortável para a noite, dando-lhe seu lençol e dormindo num canto frio, encobrindo-se precariamente com seu manto, tentando a todo custo manter-se aquecida.
Quando ela acordou pela manhã, Cabeça de Vaca havia partido. Onde aquilo havia dormido ficou um grande baú, recheado com os mais belos vestidos que a jovem já havia visto. Embaixo dos trajes jaziam pilhas de ouro e jóias.
Oksana fixou os olhos abismadamente diante das riquezas à sua frente. Então a voz de seu pai a despertou.
- Filha, eu voltei!
Diante de sua alegria, a garota esqueceu-se do baú. Correu para os braços do pai. Ele havia enfrentado a esposa para voltar e levar a filha de volta para a casa deles.
- Papai, venha ver! – Oksana exclamou enquanto o puxava alegremente para dentro da cabana. Suas palavras tropeçavam umas sobre as outras enquanto ela explicava.
Seu pai a levou para casa. Ela foi honrada em seu povoado por sua compaixão e bravura, e ganhou inúmeros pretendentes. Casou-se logo após seu retorno da cabana.
Ouvindo a história de Oksana e vendo as riquezas que ela havia recebido, Olena foi até a cabana na floresta e passou a noite lá. Contudo, quando Cabeça de Vaca apareceu, ela foi muito preguiçosa para servi-la. Pela manhã, todos os seus vestidos foram reduzidos a farrapos e suas posses a pó.
Mas Oksana viveu uma longa vida, abençoada por felicidade e prosperidade.
* Encontrei essa famosa lenda ucraniana na net sob o título de “Cow’s Head”. Traduzi a fim de que mais leitores a conhecessem. Estava na categoria "surreais", mas como quase ninguém vai lá... mudei pra cá! Espero que tenham gostado!