Ceifador – Do que um Traído é Capaz

Claúdio Bromélio era um cara que já havia passado por muitas coisas na vida. Perdeu cedo o pai e teve que sustentar mãe e irmãs, perdeu cinco empregos seguidos por se atrasar sempre por causa de bebida, quando bebia inventava de brigar e invariavelmente levava surras homéricas e para completar, arranjou uma mulher que mandava completamente nele, Neide.

Quem observasse por pouco que fosse sua vida, seria levado a achar que ele era o tipo de pessoa que superaria qualquer coisa. Ledo engano. O próprio Claúdio foi demovido dessa opinião no dia que soube que Neide o estava traindo com o dono do bar.

Ouviu sussurrarem no bar pelas suas costas, foi verificar e viu. Desde então não conseguiu mais dormir. Aquilo era inadimissível, ela podia mandar em tudo nele, controlar seu dinheiro, comprar o cigarro dele, regular o dinheiro da pinga dele todo fim de tarde, mas daí a passar-se chifres, já tinha ido longe demais. Iria tomar uma providência.

“Vou matar a vagabunda”, pensou. Parecia-lhe a única solução, mataria Neide, e também o amante. Mas como? “ Se eu for matar ela e ela me der um grito, meu coração vai disparar e eu nem vou conseguir nada”, Concluiu. Seu medo da mulher era maior que a coragem para tomar providências.

- Que diacho de cara feia é essa homem? Trata de comer essa desgraça de comida, que quero lavar os pratos e ir na casa da Felicia. – Esbravejou Neide na hora do jantar. Felícia era uma amiga dela, mas bem sabia Claúdio que não seria para lá que Neide iria.

- Tô só pensando num troço mulher.

- Então pensa e come ao mesmo tempo infeliz, isso se tua cabeça for capaz dessa proeza.

Ficou calado. Nunca tinha coragem de contestar Neide quando ela se zangava. Mas a situação lhe fez tomar uma decisão, não iria matar ela, não era homem para isso. Nem também iria matar o dono do bar, pois se não tinha coragem de matar uma mulher, um homem então estava tão fora dos seus planos quanto um jacaré está de ser peixe.

“Vou me matar”, sentenciou. Sua honra teria que ser lavada com uma morte, se não fosse a da esposa ou de seu amante, tinha que ser a dele. Tomou a sopa quente rapidamente após concluir isso, Neide pegou o prato e lavou rapidamente para poder sair, deixando-o sozinho em casa.

- Como eu vou me matar? Divagava ele baixinho. – Já sei! Vou pular no poço.

Na casa deles havia um poço muito fundo destinado ao fornecimento de água para a família. Jogar-se nele foi o método escolhido por Cláudio.

Eu estava sentado na beirada do poço aguardando o suposto suicida. Vi-o abrir a porta da cozinha e dirigir-se ao imenso foco. Dificilmente ele escaparia vivo se pulasse. Ele me viu claramente sentado na beirada do poço, não me estranhou e chegou-se para junto do poço, quando então virou-se para mim:

- Quem é você?

- Sou alguém que está só de passagem. – Respondi sem muito interesse.

- Olha cara, eu vou fazer uma besteira agora. – Falou ele apontando a entrada do poço, dando a entender que iria pular.- Não tente me impedir senão você vai junto.

- Fique tranqüilo, não tenho intenção alguma de lhe impedir, acho mesmo que o mundo precisa reduzir seu percentual de tolos.

- Como?

- Nada, esquece. Vai em frente, ficarei daqui olhando.

Ele então virou-se para o fundo do poço e ficou encarando-o, como que para tomar coragem. Passou então a falar sozinho.

- Eu vou pular, sim vou pular...

Ele então fez que ia jogar-se, mas no último momento segurou-se em um dos lados do poço e manteve-se firme onde estava, quase perdendo o equilíbrio. Então se ergue novamente e virou-se para a entrada da casa, como se estivesse querendo voltar para dentro.

- Desistiu? Perguntei.

- Não posso pular no poço.

- Por quê?

- A água está fria!

- E o que tem?

- Acabei de tomar uma sopa muito quente. – Respondeu ele meio irritado, como se fosse algo óbvio.

- Continuo sem entender. – Insisti.

- Faz mal comer algo quente e depois se molhar com água fria.

Não contive a gargalhada. Ele olhou para mim assustado, como se não entendesse meu riso.

- Você é uma graça Bromélio. – Falei alegremente.

- Como sabe meu nome?

- Eu sempre sei o nome das almas que pego.

- Almas? Como assim?

- Vim aqui recolher sua alma. Não me olhe com essa cara, não é nada pessoal, é apenas meu trabalho.

- Você veio me matar, quem te mandou?

- Não vim te matar, você já está morto.

- Como?

- Vá até sua cozinha e vai entender.

Ele foi. E então viu seu corpo esparramado na mesa de jantar, envenenado pela sopa de Neide. Estava tão distraído pensando em morrer, que não notou que já estava morto e apenas o espírito levantou-se destinado a cometer o ato final.

- Como pode? – Falou ele abismado contemplando seu corpo estendido sem vida.

- Podendo, mais foi até melhor para você não acha? Se tivesse se matado doeria mais, e eu não estaria sendo tão simpático com você.

- Porque você não estaria sendo simpático?

- Eu não gosto muito de suicidas.

- Porque se matar é pecado?

- Não, porque se matar é uma grande burrice. Agora vamos acabar com papo que já estamos ficando íntimos, tenho muito mais trabalho pela frente, a noite está apenas começando.

Ian Morais
Enviado por Ian Morais em 11/02/2010
Reeditado em 11/02/2010
Código do texto: T2080822
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