O Quarto de Aluguel
As amigas Milla e Julia saíram do conforto das casas de seus pais em busca da tão sonhada independência. Conseguiram entrar para uma ótima universidade em outra cidade e para não ficarem numa república, decidiram alugar o próprio cantinho delas. Com pouca gana, a melhor coisa a se fazer era rachar o aluguel de um apartamento simples, de preferência perto da universidade.
Após muita procura, finalmente encontraram algo que lhes agradou. Era um apartamento a um preço atraente e o melhor, pertinho da universidade. Era definitivamente o que elas precisavam.
Logo no dia seguinte, as moças foram ver o apartamento, ansiosas. Foram conduzidas por uma mulher de meia idade, chamada Vilma. A mulher tinha olheiras profundas e cabelos pretos levemente desgrenhados, presos displicentemente por um pente em detalhe de tartaruga. Trajava roupas simples, os braços sempre cruzados na altura do peito.
Vilma tirou as chaves do bolso do vestido que usava e, atrapalhada, conseguiu colocá-la no buraco da fechadura. Abriu a porta e um cheiro de lugar há muito tempo fechado impregnou o ambiente.
- Aqui sempre fica fechado... por isso esse cheiro... – explicou Vilma, de uma maneira um tanto forçada.
A mulher parou um instante, enfiou o pescoço dentro da pequena sala, fitou o ambiente com olhos esbugalhados e, sem entrar no lugar, voltou-se para as moças, ao passo que apontava para os três cômodos:
- Essa é a sala, naquele canto a cozinha. No fundo, temos um quarto e do lado, o banheiro.
As duas moças entraram e observaram a habitação simples. Os cômodos eram pequeninos, mas bem divididos. Quase uma casa de bonecas. As paredes eram forradas num papel de parede bege de estampas florais, de aparência bem antiga. O chão, de madeira envernizada. Na sala, uma janela não muito grande, um sofá velho de três lugares, uma mesinha de centro, uma televisão antiga, uma estante. Na cozinha, alguns móveis no maior estilo retrô, uma mesa de madeira, três cadeiras, um fogão velho e cheio de ferrugem. No banheiro havia uma banheira do tempo da vovó e no quarto, uma cama de casal, um criado mudo, um rádio do tempo da brilhantina e um velho closet. Tudo naquele apartamento era antigo, de aparência vintage.
- É perfeito! – exclamou Milla, excitada.
- Concordo plenamente! – assentiu Julia, passeando pelos cômodos.
- Então, é isso... – concluiu Vilma, desajeitadamente – Aqui estão as chaves. Boa sorte a vocês... – e saiu apressadamente, sem pôr um pé dentro do recinto.
- Boa sorte? - refletiu Julia – Mulher mais estranha...
- Não importa. Por duzentas pratas ao mês, ela pode dizer o que quiser! Vamos trazer nossas coisas amanhã mesmo!
Mudaram-se rapidamente, levando seus pertences básicos. Subiram as escadas animadamente, mas quando adentraram a habitação, foram surpreendidas por uma névoa esbranquiçada bem no meio da sala. O ambiente estava totalmente gelado. Ficaram lá perplexas quando a névoa desapareceu do nada.
- Brrr... que frio! – exclamou Milla.
- Estranho... Está o maior calorão lá fora...
-Deve ser por causa dessa umidade no ambiente... Ficou muito tempo fechado – Julia tentava justificar o estranho fenômeno, enquanto abria uma janela.
Logo ignoraram o fato e ajeitaram seus pertences animadamente, falando muito. Um quadro aqui, um vasinho de flores ali... o ambiente ia ganhando uma aparência mais alegre.
Em sua primeira noite no novo lar, as moças estavam realmente esgotadas. Jogaram-se na imensa cama de casal, tentando relaxar um pouco.
Contudo, a paz das jovens foi interrompida por um estrondoso barulho vindo da cozinha. Parecia que os pratos, panelas e talheres estavam caindo aos montes no chão. Sobressaltadas, as jovens correram em direção a cozinha, mas qual foi a surpresa delas ao constatarem que não havia uma colher que fosse no chão. Ficaram perplexas.
Apesar do estranho incidente, no dia seguinte Milla e Julia estavam cheias de energia e ansiedade. Milla, que havia arranjado um emprego, sairia cedo de casa e só iria à faculdade à noite. Julia, por sua vez, iria à faculdade logo pela manhã. Ainda não havia arranjado emprego.
Essa era a rotina das jovens. Milla praticamente não parava em casa. Contudo, após chegar da faculdade, Julia se encarregava de preparar a comida e procurar empregos na net. Milla prometeu que tentaria ver alguma vaga disponível em seu trabalho.
Enquanto Milla batalhava tranquilamente no emprego e na faculdade, Julia passava por situações insólitas no novo lar. Começou a reparar que coisas deixadas por ela estavam fora de lugar e ela tinha a nítida impressão que elas mudavam de posição. Os eletrodomésticos começaram a dar problemas, funcionando quando queriam. E pior, a radiola da era Elvis Presley ligava sozinha, no último volume, tocando aquelas músicas do tempo da carochinha. E sempre tocava no mesmo horário da manhã, quando Milla já tinha saído e Julia estava sozinha. No fim, ele se tornava seu despertador de todas as manhãs.
Um dia, a moça chegou atrasadíssima a faculdade, pois o relógio estava atrasado e ela nem percebeu. Pra piorar, justo naquele dia a radiola não havia dado seu showzinho de horrores. Ao chegar em casa, Julia reparou que todos os relógios estavam com um horário diferente.
Pensou estar ficando maluca. Cética do jeito que era, sempre inventava alguma explicação plausível para tais fenômenos.
A gota d’água veio numa tarde em que Julia fazia suas necessidades no vaso sanitário, despreocupadamente, quando foi surpreendida por uma risada zombeteira bem atrás de si. Levantou-se num sobressalto, assustada, tropeçando nas calças e quase caindo de cara no banheiro. Decidiu sair um pouco ou enlouqueceria.
Assim, a jovem ficava uma boa parte do tempo na faculdade, mesmo após o término das aulas, e às vezes ia às ruas entregar currículos.
Uma noite, Julia chegou mais tarde do que de costume. Viu Milla adormecida na velha cama de casal. Não fora a faculdade aquele dia, pois se sentia indisposta. Assim, Julia decidiu não acordar a amiga.
A moça tomou um banho, vestiu seu pijama e se deitou. Teve pesadelos estranhos logo nos primeiros minutos de sono. Um pouco zonza, Julia despertou ao som de estranhos gemidos e uma lúgubre canção, que cantava: “Juuulia! Oh, Juuuulia!”. A melodia era macabra, sinistra. Intrigada e sonolenta, Julia apenas repetiu, sem abrir os olhos: “Dorme Milla, dorme...”. Instantes depois, a canção foi ficando baixa, baixa e por fim parou. Julia teve uma tranqüila noite de sono, sem sonhos.
Na manhã seguinte, Julia acordou sentindo uma umidade na cama e um cheiro enjoativo. Acendeu a luz e viu horrorizada sua queridíssima amiga Milla, morta, decapitada. Sua cabeça jazia no chão, mergulhada numa poça de sangue.
O tempo passou e um dia, alguns vizinhos, incomodados por um fortíssimo odor pútrido que vinha daquele apartamento e o aparente aspecto de abandono, invadiram o lugar e encontraram os corpos de Milla e Julia. Julia havia se suicidado cortando a própria garganta.
E é por essas e outras que devemos ter cuidado com os alugueis, pois podem esconder algo muito sinistro!