O Forró de Satanás
Carol estava ansiosa. Apesar de ser uma burguesinha, o que a moça gostava mesmo era de um tradicional forró dos mais arretados. Estava passando suas férias no interior. Até então, não conhecia ninguém, mas quando falou com Ângela pela primeira vez, elas pareciam velhas amigas. Ângela lhe havia convidado para um excelente baile regado a muito forró, que ocorreria num clube fechado da cidade. Carol ficou excitada com a notícia. Não perdeu tempo e comprou um belo vestido vermelho, cheio de brilhos e exuberâncias, perfeito para a ocasião.
A jovem contemplava o estonteante vestido, quando sua tia Zulmira apareceu no quarto, idêntica a uma alma penada com suas roupas escuras e rosto pálido. A mulher era uma verdadeira carola, uma solteirona que passava a vida na igreja. Decidida, a mulher olhou para a sobrinha e disse:
- Você não vai a este baile!
- Por que não? – Carol perguntou, chorosa.
- Estive conversando com o padre Aureliano. Ele diz que o baile será para o demônio! Você está terminantemente proibida de ir!
Carol balançou a cabeça, como se aceitasse as palavras da tia. Mas ela estava determinada a ir àquele forró. Assim que a fanática religiosa ficou ocupada em suas orações, a jovem vestiu seu novo vestido vermelho, maquiou-se, perfumou-se, soltou a opulenta cabeleira negra e correu para encontrar a nova amiga que a levaria ao tão esperado baile.
“Essa será a melhor noite da minha vida!” – vibrava a espevitada rapariga, requebrando as ancas curvilíneas, e jogando as cheirosas melenas para um lado. Ajeitou o decote generoso e saiu confiante.
Ângela a esperava mais adiante. Uma linda loira de rosto inocente, cabelos longos e sedosos, alta e esbelta. Vestida num belo vestido púrpura, mais parecia uma boneca. A única coisa que contrastava com aquela escultura feita com a mais branca porcelana, eram os olhos de um negro arrebatador. Aqueles olhos sombrios definitivamente não combinavam com a delicadeza da angelical Ângela. Apesar da aparência frágil, Angela era dona de uma personalidade marcante e forte, uma voz firme, atitudes de uma mulher experiente. Com um encantador sorriso, ela elogiou a amiga:
- Carol, você está perfeita!
- Ai Ângela, que exagero! – Carol ficou um tanto encabulada – Você acha mesmo que eu vou conseguir arranjar algum gatinho?
- Ah, disso você pode ter certeza – Ângela deu uma risadinha maliciosa. Carol sentiu aquela massagem no ego, e se encheu de confiança.
As moças caminharam por uma longa estrada de terra. Não havia iluminação ou placa em lugar algum. Uma brisa fria fez todos os pêlos do corpo de Carol arrepiarem. Ângela, mais a frente, parecia tranquila e segura.
- Que caminho mais estranho... Tem certeza que é por aqui? Não ouço som algum...
- É que fica num clube muito discreto. Mas estamos quase chegando – a voz de Ângela era fria e distante.
As moças atravessaram uma ponte de aparência bastante velha e mórbida. Ângela, à frente, atravessava confiante sem olhar por onde pisava. Carol, trêmula da cabeça aos pés, examinava bem cada centímetro que pisava. Apesar da escuridão, o luar iluminava razoavelmente aquela parte. A morena viu imensos buracos nas tábuas podres. Maldita idéia que ela teve ao ir com aquele salto enorme. O vento frio despenteava os cabelos soltos e agitava a saia de seu vestido. Ela precisava segurar o vestido, tirar o cabelo do rosto e se concentrar no piso em ruínas daquela ponte dos horrores.
Ao olhar para frente, Carol se surpreendeu ao ver Ângela do outro lado, estática. Um novo arrepio percorreu o corpo da aflita baladeira. Parada como uma estátua, de frente para a ponte e de costas para a estrada deserta, Ângela mais parecia uma assombração de beira de estrada, com seus longos cabelos esvoaçantes, o vaporoso vestido púrpura agitado ao vento, a brancura da pele contrastando com a escuridão da noite. Ela sorria. A cabeça levemente inclinada para um lado. Um sorriso macabro e debochado que provocou um súbito terror na desprotegida Carol.
Desafiando o medo de uma queda nas águas gélidas e profundas daquele rio desconhecido, Carol apertou o passo e finalmente conseguiu chegar à outra ponta.
As donzelas andaram mais um pouco e finalmente chegaram. O clube era um casarão muito grande, decorado por muitas luzes, cheio de pessoas bonitas e sorridentes.
Assim que Carol entrou no salão, todos os rapazes olharam para ela. Ela se tornou o centro das atenções. Normalmente, ninguém reparava nela. Algumas vezes sua mãe a acusava de ser muito desengonçada para arranjar um namorado. Contudo, Carol não estava desengonçada aquela noite. Os rapazes lutavam uns contra os outros para dançar com ela. Ângela parecia se divertir muito.
A banda de forró animava a galera na imensa pista de dança. Um imenso relógio de pêndulo, marcava 9:30hs da noite.
- Engraçado... – admirou-se Carol – achei que já fosse bem mais tarde...
Logo Carol sentiu-se em casa, esquecendo-se das dores nos pés conseqüentes da longa caminhada e das últimas impressões que tivera da amiga.
Mais tarde, a moça conseguiu escapar da multidão e foi a uma mesa pegar um pouco de refrigerante. Nesse momento, um súbito silêncio se fez presente no clube. A música parou. As batidas secas do enigmático relógio anunciaram a meia noite. Todos ficaram olhando ansiosos para a grande porta de entrada.
Quando Carol se virou para aquela direção, viu um rapaz de indescritível beleza, vestido de preto dos pés a cabeça. Seu cabelo era igualmente negro, muito brilhante, e os olhos de um azul ofuscante. Ele estava bem diante dela.
- Dance comigo – ele disse, estendendo sua mão.
Carol conseguiu gaguejar um “sim”, completamente enfeitiçada por aquele magnífico homem. Ele a conduziu para a pista de dança. A música voltou no mesmo instante. Carol se viu dançando melhor do que nunca. Eles se tornaram o centro das atenções.
O rapaz fazia passos incríveis com ela, rodopiando-a para todos os lados. A jovem estava ofegante, buscando o ar com todas as forças de seus pulmões. O misterioso rapaz a rodopiava cada vez mais rápido. Carol começou a sentir seus pés esquentarem. O chão parecia derreter abaixo de si. Ele não parava de girá-la cada vez mais rápido. Tão rápido que uma nuvem de poeira se levantou em torno deles, ocultando da multidão o magnífico casal.
Carol sentiu o cheiro de enxofre e podridão invadirem o lugar. Um imenso calor. De relance,
viu a coisa mais horrível que jamais poderia imaginar: os rostos de todos os presentes transfiguraram-se. Seus olhos eram totalmente negros, os rostos disformes. As bocas escancaradas num sorriso de puro pesadelo que exibia dentes pontiagudos e podres. Suas peles, outrora jovens, agora estavam enrugadas e de uma cor acinzentada. Os corpos vigorosos ficaram esqueléticos, encurvados, cheios de deformidades. Ângela, sua doce e sensual amiga, estava sentada num balcão, gargalhando como uma meretriz, jogando a cabeça para trás, embriangando-se se abraçando a criaturas de aparência asquerosa. Era a única ali que mantinha sua beleza intocada. Os olhos estavam mais negros do que nunca, os dentes pontiagudos. A seus pés, Carol viu muitos corpos nus, mutilados e com a carne em decomposição, mergulhados num abismo de horror, se contorcendo, gemendo, implorando por misericórdia e agarrando-se com mãos úmidas e gélidas aos calcanhares da desafortunada dançarina.
Quando a poeira baixou, a pobre Carol havia sumido. O rapaz de negro fez um leve cumprimento de cabeça para a multidão e desapareceu logo em seguida.
O diabo havia ido a sua festa e conduziu Carol numa dança satânica rumo ao inferno.