O Mal Possui Olhos Grandes

Haviam começado a se espalhar histórias de discos voadores na pequena comunidade de Olho d'Agua, localizada no interior do nordeste, a maioria duvidava, não parecia coisa que Deus permitisse a existência. Chegava a ser irônico, porque ninguém via nada de errado em Deus permitir a existência de lobisomens. Chico Dorinho comentou ter visto uma luz aproximando-se dele quando voltava de uma pescaria a uma da madrugada, jogou-se no chão e colocou a bicicleta em cima de si, então a coisa se afastou. Disso concluíram que ferro afastava os discos.

Dona Prefácia, a velha vitalina que morava com o irmão, a cunhada e os sobrinhos, como sempre deixou que todos fossem assistir televisão na casa do velho Cícero, localizada a bons quinze minutos a pé, ela não precisava disso, iria comer seu peixe com baião de dois às seis da tarde, rezaria seu terço em devoção à Santissima Virgem e então dormiria como todos os dias.

- Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo .... – Começou a desfiar as contas. – Assim como era no princípio...

As mãos enrugadas dos trabalhos diários passava as contas entre os dedos, enquanto isso a mente divagava. De repente, um forte clarão pareceu surgir sobre o céu da casa, parecia um holofote muito forte, mas Dona Prefácia nunca em sua vida vira um holofote, então aquilo realmente a assustou.

Levantou-se rápido da cadeira, quase tão rápido quanto a velocidade com que a luz foi embora.

- Deve ter sido um raio de lua, sei lá. – Falou para si mesma. – Ave Maria cheia de graça, o sinhô é cunvosco, bendito sois entre as mulheres, bendito o fruto...

Mais um clarão, dessa vez foi mais longo e nítido, parecia que um raio de luz havia percorrido o teto da casa, para se alinhar nos matos localizados na parte de trás. O oração que estava a ser entoada morreu nos lábios da vitalina, sendo tomada por uma mais emergencial.

- Pelo sinal da santa cruz, livra-nos Deus nosso senhor dos nossos inimigos, em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo, Amém. – Rezou apressadamente. – Valei-me minha nossa Senhora das Candeias, Valei-me meu Padim Padre Cícero.

Após as orações ela se dirigiu para a cozinha, cuja porta fechada dava para os matos onde as luzes deviam estar. A porta continha frestas de onde era possível observar a parte de fora, ela acocorou-se diante de uma das aberturas e viu uma luz intensa nos matos por trás da casa, parecia que estava pegando fogo, mas não havia fumaça, nem nada quente, apenas uma luz fortíssima.

Pensou em correr de casa, mas viu que era melhor ficar ali quieta, se saísse, sabia Deus que tipo de coisa poderia encontrar. Do nada, as luzes apagaram, alguns segundos após isso acontecer e Dona Prefácia achava que tudo não passará de uma ilusão, não poderia ter acontecido. Devia estar ficando louca. Mesmo assim, ficou paralisada, de cócoras na cozinha sem se mexer, e apenas a negra escuridão imperava do lado de fora.

Estava prestes a se recuperar do choque e levantar-se quando batem à porta. Teve um sobressalto, logo sendo tomado pelo alívio. Dirigiu-se à sala e perguntou:

- Luis, é tu?

Nenhuma resposta, apenas outra batida.

- Fala Luis, é um de vocês meninos? Ou é tu comadre?

Mais uma batida. Isso deixou ela cada vez nervosa, as mãos suavam, o coração parecia que sairia pela boca.

- Luis, fala diacho. – Falou como quem implorava e ao mesmo tempo sentia raiva.

A porta bateu novamente, nem mais forte nem mais fraco, exatamente na mesma intensidade e dessa vez alguém respondeu:

- Desculpe, a senhora poderia nos dar uma informação e um copo de água?

Era voz de gente, parecia de alguém conhecido, embora ela não conseguisse dizer quem. Hesitou um pouco, de outro mundo não podia ser, e assaltos naquela época e naquela região era algo que simplesmente não passava pela cabeça das pessoas.

Primeiro encheu um copo de água do pote e depois abriu cautelosamente a porta. A visão que tomou seus olhos lhe fez soltar o copo no chão. Não era algo feio, não era desagradável. Era apenas total e absolutamente inesperado.

Haviam dois homens do lado de fora, se é que podia se chamar tais seres de homens. Mediam cerca de dois metros e meio de altura cada um, possuíam um corpo erguio, cabelos loiros berrantes de olhos azuis que tomavam um terço do rosto. Não fosse a altura e o tamanho dos olhos, passariam por pessoas completamente normais.

_ Estamos procurando uma pessoa, a senhora pode nos ajudar a achar? – Falou sorridentemente um deles.

O corpo de Dona Prefácia paralisou, e sua língua enrolou no céu na boca, a visão daqueles belos seres para uma mente que não aceita sua existência era como a do mais vil dos monstros, do mais asqueroso dos seres.

Dona Prefácia sumiu e foi achada três dias depois em uma mata há mais de 8 quilômetros de casa. Estava com a mesma roupa que a deixaram naquela tarde. Mas nem se longe era a mesma pessoa, possuía o olhar distante, e não falava. Recuperou a voz meses depois mas não comentou com ninguém o que ocorreu além de sua cunhada, disse a ela que lembrava das luzes e dos homens loiros e altos com olhos azuis imensos. Não lembrava de nada além deles rindo para ela da porta, e do momento em que simplesmente percebeu que caminhava no meio dos matos. Pediu completo segredo a cunhada, que contou a história em segredo para uma amiga, que contou em segredo para outra e hoje todo mundo sabe, mas ninguém comenta com a Velha Prefácia, que guarda no fundo de seus olhos sofridos uma história fantástica que o mundo se recusa a ouvir.

[b]Fim[/b]

Baseado em um relato real.