RETRATO DE UM ASSASSINO
Não sei o quanto estas palavras poderão traduzir os meus sentimentos, mas o desabafo é necessário. Preciso pôr para fora toda podridão que se apossa da minha alma. Preciso vomitar o mal para que haja a esperança do perdão. O perdão divino!
Concebido sob raízes humildes, instalei-me, desde minha origem, no lúgubre bairro do Pari. Um bairro secular, com construções antigas e ruas mal iluminadas, capaz de causar, em qualquer um, o aspecto fúnebre do terror.
A minha casa ficava na rua Ferreira de Oliveira, muito próxima à Marginal do Tietê. Durante a noite, caminhões tomavam conta das ruas e tudo se tornava muito monótono. Eu, então, muito cedo, comecei a sentir um imenso prazer pelo mal. Lembro-me quando enforquei o gato da vizinha. A língua do bichinho começou a enrolar e os olhos começaram a ficar esbugalhados. Mas depois, além do mal, comecei a sentir prazer pelo sangue. Caçava ratos e depois decepava-lhes a cabeça. Fazia isso com a maior naturalidade possível e eu tinha apenas doze anos!
Num lugar onde o céu cinzento substitui o azul celeste e as construções sórdidas substitue o verde natural, nada mais justificável que uma criança se apegue às diversões apropriadas ao meio. A convivência com marginais, malandros e gente desclassificada tiveram em mim uma influência decisiva no meu comportamento.
Com quinze anos eu pratiquei o meu primeiro crime contra humanos. Andava eu pela Avenida Rangel Pestana, arredores do Brás, quando uma prostituta pegou-me pelo braço. Eu nunca tinha dinheiro, não podia fazer o que ela me pedia e, além do mais, minha aversão por mulheres desse tipo era incomensurável.
Mas ela insistia. Eu, então, tomado pelo desejo de morte, peguei o garfo da minha marmita e enfiei em seu estomago. Ela gemeu e então eu girei o garfo como se estivesse comendo macarrão e puxei. Veio junto as tripas com a carne dilacerada. Ela ainda não estava morta, então, com o mesmo garfo espetei-lhe a bochecha, rasgando todo seu rosto. Depois, com a maior tranquilidade retirei-me sem ser visto por ninguém. Em qualquer ruela do Brás, a noite, você pode matar um elefante sem ser notado. Mesmo se alguém me visse, sairia correndo. Claro que já era bem tarde. Eu trabalhava num açougue da meio-dia às nove da noite e sempre voltava a pé, para economizar o dinheiro da condução.
Aquele assassínio foi considerando nojento e praticado por algum doente mental. Era o que diziam os jornais. Aquilo me enfurecia muito, pois eu nunca fui doente mental, pelo contrário! Na escola eu sempre fui o mais inteligente e no serviço eu era considerado o melhor. Sangue era o que mais me excitava. Isto é doença? Uns tem mania por futebol, outros por música, e eu por sangue, morte, terror.
Foi na semana passada que ocorreu o trágico acidente. Eu, com dezoito anos, já havia matado mais de doze prostitutas, sem que a menor suspeita recaísse sobre mim. Eu agia em intervalos irregulares de um mês, uma semana, ou até mesmo dias. Não havia como prever a minha próxima ação.
Eu estava num bar, tomando uma cerveja com uns colegas. Como não podia deixar de ser o assunto que logo entrou na roda foi o do “Estuprador do Brás”.
- Ele já matou umas dez, não é?
- Doze!
- Ainda bem que ele só age no Brás. Aqui no Pari também tem umas putinhas bem gostosas.
- O quê? – perguntei eu.
- Isso mesmo. Tem umas que ficam ali perto da garagem de ônibus.
- Eu nunca reparei.
- Elas são novas por aqui. Você pode ir lá ver. Tem um casebre que serve de hotel. Uns quartos comuns, mas que dá para aproveitar.
Sabendo que o policiamento no Brás tinha se intensificado, nada melhor do que mudar o ponto. Esperei a Igreja Santa Rita anunciar dez horas e dirigi-me ao local que me falaram. Não tive dificuldades para encontrar, mas vi que as coisas seriam mais difíceis. Era uma casa onde ocorriam as coisas, para ser mais explícito, uma espécie de bordel. Cheguei lá e pedi uma mulher. Pediram para eu escolher uma, mas eu não tinha tempo. Fui até um quarto e fiquei com qualquer uma. Depois de possuí-la peguei uma faca, que já tinha deixado de lado e enfiei-lhe no coração. A morte foi instantânea. Depois, ainda cortei-lhe a cabeça. Só então percebi que aquela prostituta era minha irmã.
Não acreditava no que via. Estava escuro e eu não pude perceber que era minha irmã. Ela também não percebeu que era eu.
Depois do fato consumado, não restava outra coisa a não ser me matar. Mas não tive coragem. Fiquei ali estático, chorando por mim. Gritei. Vieram os “homens da lei” e prenderam-me. Agora eu já estou condenado. Não há mais salvação para mim. O meu futuro é ficar encarcerado numa cela para o resto da vida. Sofrendo pelo mal criado por mim mesmo.
Só agora é que notei o quanto eu estava errado em gostar de sangue. Mas mesmo assim a minha volúpia continua. Talvez eu consiga logo liberdade condicional e possa matar novamente.
He he he he he…