O último sono de Tales
O grito ecoou tão alto que Tales acordou tremendo incontrolavelmente, suando frio e com uma terrível dor de cabeça. Seu corpo todo doía, mas principalmente na região do abdômen e virilha. O grito simplesmente brotava de sua garganta abrindo caminho à força e parecia inesgotável. Ele acordara com seu próprio grito.
Sentado na cama, com a boca aberta produzindo aquele brado anômalo terrível; seus olhos vertiam lágrimas e cada músculo do corpo parecia estar tencionado.
Algo muito ruim tinha acontecido, mas os pensamentos de Tales ainda não estavam totalmente despertos, na verdade ele estava emergindo de um pesadelo que já o assombrava fazia três noites, mas nunca com tamanha intensidade.
O corpo dele relaxou aos poucos, o grito foi diminuindo como um jorro d’água que definha até se tornar apenas um filete; os tremores corporais deram lugar a uma sensação de fraqueza, quase como uma dormência e finalmente o corpo, coberto por lençóis até a altura da cintura, tombou para trás e caiu novamente sobre o colchão e o travesseiro macio.
O peito ardia sobremaneira, e havia uma dificuldade em respirar que era mais causada pela própria fraqueza do que por outro motivo qualquer; nunca se sentira assim. Era bem verdade que na última semana Tales vinha se sentindo cada vez mais fraco aquilo já estava começando a interferir em sua vida; nos últimos dois dias ele não tinha nem ido ao trabalho. Julgava ser fadiga provocada pelo estresse do agitado estilo de vida em que estava inserido e cria que algumas boas horas de sono logo lhe restaurariam as forças físicas e mentais.
Tentou erguer o braço e percebeu que já era possível, mas tinha que se esforçar ainda um pouco para conseguir; limpou as lágrimas que molhavam os olhos e as faces com a mão e respirou fundo sentindo a dor nos pulmões.
O peito ainda ardia e o coração, que batia tão acelerado como uma locomotiva quando ele acordou, agora estava amainando sua fúria. Aos poucos a situação estava voltando ao normal e o sono retornava como um grande cefalópode obscuro envolvendo o homem com seus tentáculos.
Sentiu uma fisgada na virilha.
Tales piscou um pouco tentando afastar o sono para se ater aos seus sonhos perturbadores. Levou a mão ao pescoço e tomou a temperatura de forma amadora com as costas da mão. Estava suando frio e sua pele estava úmida, quase pegajosa por causa do suor.
Ele tentou estabelecer uma linha de raciocínio que explicasse aquela reação noturna estranha; ainda estava no escuro, mas podia ver claramente tudo o que havia em seu quarto; os olhos estavam perfeitamente adaptados à escuridão.
Finalmente as memórias vieram e eram doces. Já a cerca de duas semanas Tales vinha tendo o mesmo sonho; na verdade, não era o mesmo sonho, mas havia um ponto em comum em todos eles.
Todas as noites nos últimos quinze dias ele sonhava que estava exatamente em seu quarto deitado na cama, mas com aquela sensação arrebatadora e intensa que mistura ansiedade e desejo físico. O lugar estava aceso e, caminhando em sua direção a partir da porta estava a mais bela mulher que ele jamais tinha visto; ela era perfeita, pele bronzeada; busto farto, rígido e marcado pela peça de roupa de banho que ela provavelmente usou para tomar sol; quadril largo, cintura fina e as coxas mais bem desenhadas que uma mulher pode ter.
No sonho, esta “deusa” em forma humana era sua namorada, noiva ou esposa; Tales não sabia precisar, mas sabia que ela e ele tinham algum laço afetivo extremamente forte ligando-os. Ela caminhava com a leveza de uma pluma; o corpo balançando de um lado para o outro de modo insinuante.
A mulher trajava uma roupa de dormir feita com um tecido fino, vermelho e brilhante constituído por duas peças pequenas, uma superior para o busto e outra inferior para o quadril, tal roupa era enfeitada com renda na mesma cor, e muito justas sobre o corpo perfeito da beldade de modo que ajudava ainda mais a delinear as curvas já acentuadas que a natureza a tinha dado.
Tales olhava atentamente para ela, o desejo crescendo dentro dele e a excitação tomando-o por completo; ela sorria encantadoramente e deixava transparecer parte de suas intenções. Aliás, o rosto da mulher era o que mais chamava a atenção de Tales. O rosto dela possuía uma simetria incrível, os cabelos longos até a cintura pareciam um véu negro que cobriam parte das costas, eram cheios e cortados na frente com uma franja na altura dos olhos que por sinal eram claros, Tales não conseguia precisar a cor, mas no fundo sabia que eram verdes, afinal tratava-se de uma mulher que era dele, ele a conhecia. No sonho.
Ela finalmente se chegou até ele e Tales se ergueu para recebê-la na cama; foi então que ele mesmo disse o nome da mulher.
_ Você está perfeita Celeste._ disse ele.
Ela sorriu e perguntou:
_ Você está pronto?
Tales balançou a cabeça afirmativamente enquanto verificava a textura da pele de Celeste que era como um pêssego. Aquela cútis tinha um “quê” de maciez acima do normal; era quente, sedosa e convidativa.
Tales estava pronto para amá-la e ela também a ele; vagarosamente a mulher se desvencilhou dos pequenos trajes que usava e foi-se para junto dele sob os lençóis.
A experiência do sonho era tão viva e tão intensa que Tales não tinha a menor vontade de acordar, Celeste e ele se completavam perfeitamente e transmitiam prazeres intensos um ao outro várias vezes; era como se os sentidos deles estivessem ampliados por algo sublime que Tales não conseguia compreender, mas isso não importava, só o que importava era Celeste e o prazer de estar com ela durante toda a noite; era indescritível. Ela fazia jus ao nome que tinha, era como se ele estivesse possuindo um ser celestial.
Nesse ponto do sonho Tales sempre acordava e uma grande frustração tomava conta dele, mas não antes de perceber que havia sido levado ao êxtase pelo sonho ou por Celeste. Durante todo o dia ele pensava no sonho e naquela mulher até que durante a noite tinha outros sonhos, mas ela sempre estava lá. Celeste variava o figurino, o penteado e a forma de amá-lo; fazia com que Tales desejasse permanecer dormindo para sempre, mas quando chegava ao êxtase ele sempre acordava sempre no meio da madrugada. Porém ao dormir novamente era atormentado por pesadelos dos quais ele não se lembrava na manhã seguinte.
Depois de alguns dias Tales já estava mais fraco, não imaginava que pudesse haver alguma ligação profana entre seus sonhos, pesadelos e seu estado físico, e não deu importância ao fato.
Enquanto ele recordava aquilo, seu peito ainda doía, sua virilha também, os olhos pesavam, a respiração estava cada vez mais fraca e o corpo mais e mais frio.
Naquela noite em especial, o sonho com celeste havia se estendido e Tales tinha finalmente tomado consciência do pesadelo subseqüente que na verdade era o mesmo sonho.
Como de costume ela tinha surgido em seu quarto com aquela beleza fora do comum; a cada noite que sonhava com aquela mulher ela parecia estar mais e mais perfeita; busto, quadril, coxas; de fato, ela parecia estar mais jovem, mais bonita, mais viva. Celeste se entregou à ele e ambos se amaram várias vezes. Ela o guiou ao ponto mais alto de sua excitação; Tales fechou os olhos para aproveitar mais as sensações, ela se movia sobre ele incansavelmente; porém, quando voltou a abrir os olhos o terror se irradiou na mente do homem como um vírus.
Celeste ainda estava lá movendo-se voluptuosamente, mas não era mais aquela mulher perfeita, na verdade era uma mistura hedionda de uma mulher e outra coisa, uma coisa maligna. As características físicas estavam preservadas, busto arredondado, farto e rígido, cintura, coxas e tudo o mais; porém ela também possuía um par de grandes asas como as de morcego e um par de cornos, chifres, salientes que surgiam da testa dela em meio ao cabelo da franja. Os chifres eram grandes e recurvados para trás e aquele conjunto agoniante dava à Celeste uma aparência demoníaca.
Ela olhava para ele intensamente e demonstrava uma felicidade aterradora; Tales sentiu uma pontada de dor no peito; estava cansado, tinha sido levado ao êxtase tantas vezes quando ela ainda era apenas uma mulher bela e normal que suas forças já estavam faltando no corpo. Tentou gritar, mas o pânico de estar possuindo um monstro o impediu; a voz faltou, mas ele tentava com mais força, sem obter sucesso.
As asas da criatura ora farfalhavam freneticamente sacudindo-se no ar; ora batiam fortemente acompanhando o grau de excitação do monstro, fazendo vento sobre o corpo de Tales já quase totalmente exaurido.
Apesar de toda a cena grotesca, ele ainda podia sentir o prazer que ela estava lhe proporcionando, e isso era o que mais dava medo; tinha a sensação de que estava morrendo gradativamente, mas estava preso ao desejo e ao prazer luxurioso daquilo. A mente dele queria acordar, mas o corpo queria ficar dormindo para sempre.
A mulher-demônio finalmente chegou ao seu limite de luxúria e gritou medonhamente; as asas bateram com tanta força e tão rápido que a ergueram de sobre o corpo de Tales. Ele Sentiu o restante das forças que ainda tinha no corpo se esvaindo como se tivessem sido roubadas juntamente com sua libido. A vontade de gritar era incontrolável, mas o som não vinha; a respiração ficou difícil, o coração disparou, a cabeça explodindo de dor até que finalmente num berro gutural Tales emergiu das profundezas do pesadelo.
Agora, ali deitado após recordar todo o processo que o levara àquela situação; ele já muito fraco e com frio, via uma silhueta no canto do quarto, uma silhueta que ele conhecia muito bem. Era ela coberta por uma cortina de sombras, olhando para ele; deleitando-se ao velo sucumbir definitivamente ao cansaço e a falta de força.
Celeste estava ali, não era mais um sonho, ela saltou do sonho para a realidade; nua, com as asas recolhidas, encostada num canto do quarto e esperando sua presa morrer.