Guilhotinado

Foram os mais longos quarenta segundos da minha vida, talvez tinha sido os mais longos de muitas vidas. Um tempo enorme dedicado a reflexão, um tempo suficiente para repassar uma vida, com seus erros e acertos. Depois dos longos segundos, meu cérebro adormeceu e eu junto com ele. O carrasco se exibia, a multidão celebrava e eu deixava esse plano sem conseguir desfrutar do meu amor.

Alisandra, formosa dama, filha do senhor feudal, imaculada, destinada aos reis, algo fora de alcance, um pobre camponês como eu não teria a mínima chance, só podíamos a observar quando ela passava pelos campos, aquelas longas madeixas caindo em cachos, brilhando com o sol. Sentia uma falta de ar, a cor fugia das minhas faces, meu coração pulava, palpitando, fortes batidas no peito. Ela montava um exuberante cavalo branco, montava como uma amazona experiente. Outro dia o seu lenço caiu e com um movimento ágil e gracioso, o apanhou antes que tocasse o chão, uma princesa literalmente, estava apaixonado.

A desgraça ocorreu no paiol do feudo. Como era de costume, pela manhã fui buscar palha para os animais, enquanto estava ali recolhendo, ela apareceu como um demônio, fogosa, se atirando em meus braços, arrancando minhas roupas e fazendo sexo comigo ali mesmo, sem se importar com o que iria acontecer depois. Obviamente eu estava muito feliz, realizando um sonho, ainda não conseguia acreditar que ela estava comigo, um golpe de sorte? Bem, uma sorte bastante passageira, durou apenas alguns minutos.

Ela estava descansando em meus braços quando escutei um alvoroço do lado de fora. Cavaleiros armados do senhor adentraram o recinto, apontaram o dedo pra mim, assustado tentei argumentar que era um engano, que poderiam perguntar para ela que era tudo um engano e que eu era inocente. Mas ela não se movia, estava morta, nenhuma marca visível, mas estava morta e nua nos meus braços, era uma causa perdida e indefensável.

Fui levado a presença do senhor feudal. Com muita raiva ele cuspiu em meu rosto, me insultou e espancou, mandado à prisão, esperei o resultado do meu julgamento. Uma semana depois, nenhuma surpresa, fui condenado a guilhotina, não gritei e nem me desesperei, era o julgamento óbvio, já estava conformado. Agarraram o meu braço e fui levado para a praça pública, uma multidão me esperava, faziam muito barulho, alucinados, queriam ver sangue. O carrasco apareceu, rosto coberto por uma máscara. Dois homens me encaixaram no suporte de madeira, braços e cabeça no lugar, sem volta. Não fechei os olhos quando o carrasco cortou a corda e a lâmina desceu.

Pensei que a morte chegasse instantaneamente, como num piscar de olhos, mas não é bem assim, o carrasco me agarrou pelos cabelos e mostrou para a multidão, por durante quarentas segundos olhava aquelas pessoas, ainda sentia o meu corpo, o carrasco me mostrou ele agora no chão, dando espasmos, pingava um pouco de sangue da minha cabeça. Depois disso fui lançado em uma cesta de vime, foi quando minha consciência apagou.

Aqui do outro lado, horas após a minha morte ela apareceu, mais linda do que nunca, me estendeu a mão, peguei prontamente. Ela disse que teve que morrer pois era o único jeito de ficarmos juntos, em outro plano, em outro tempo.