Maldito Dinheiro! - Final
Mais uma vez, estavam apenas ela e a filha em casa. Pegou a criança, deu-lhe banho e seu café da manhã. Deixou-a brincando num canto da sala e logo escutou as risadas e tagarelices de sempre. Sentiu um leve arrepio. Decidiu que o melhor a fazer era cuidar de suas tarefas domésticas. A todo tempo, pensava no sonho que tivera.
Estava no quintal, estendendo a roupa. Foi quando avistou as crianças dos vizinhos rindo muito e brincando com um belo cão. O bicho era enorme. Corria animado atrás de um graveto que os meninos atiravam.
- Bom menino, Sunny. – o menino dizia, afagando o cão.
Sunny era um legítimo golden retriever.
À tarde, quando Maneco estava em casa, sentando em sua poltrona na varanda, Joana foi ao seu encontro. Começou a conversar. Queria saber mais a respeito do antigo dono da casa, Tibério.
- Eu era garoto quando meu irmão comprou essa casa. Foi uma surpresa e tanto! Tibério era filho do primeiro casamento do meu pai. Era quase vinte anos mais velho que eu. Eu era muito apegado a ele. Ele era divertido. Não tinha dinheiro, mas era muito mão-de-vaca com as migalhas que tinha. Andava com sua trupe de vedetes, malabaristas e até palhaços! Vivia tipo cigano, viajando o país inteiro. – o velho ria. Então, pôs-se sério e, com um tom de quem está contando um segredo, prosseguiu – Aí um dia, o danado comprou esse casarão. Com que dinheiro? Ninguém nunca soube. Um mistério, pois essa casa valia uma dinheirama! E que agente saiba, Tibério não era muito chegado a trabalho não.
O velho fez uma pausa. Com mais mistério na voz, continuou:
- De uma hora pra outra, meu irmão tornou-se um homem muito rico! Não trabalhava, mas era muito rico! Eu sempre vinha aqui, via o luxo da mobília e tudo o mais. Tinha até o cachorro, Boris. Era um Rotweiller enorme, todo preto, mas manso feito um gatinho. Ele me adorava! Aí, fiquei um tempo sem vir. Quando eu era rapaz, retornei pra uma visita. Fiquei surpreso com o que vi: toda a mobília havia sumido e Tibério estava sozinho, perturbado, louco! Vivia na escuridão, falando com as sombras. Até o Boris tava estranho, meio agressivo. Não tive coragem de falar com meu tio. Voltei no outro dia e tomei um susto ao ver meu irmão no quintal, perto das árvores, rezando diante de uma vela, com a cara toda borrada de pó de arroz e batom, ou sei lá que diabos era aquilo! Boris estava caído no chão, e o Tibério segurava aquela vela, olhando pro cão e sussurrando sabe-se deus o quê. Aí ele me notou. Olhou-me com um ódio danado! Vi a faca ensanguentada que ele segurava na outra mão. O susto foi tão grande que sujei as ceroulas todas, saí correndo e chorando feito uma rapariga, e nunca mais tive coragem de voltar aqui!
Joana gelou nessa hora. Sentiu todos os pêlos de seu corpo se eriçarem, e aquele frio que surgia na barriga e subia até a garganta. Ainda teve forças para perguntar:
- O que aconteceu com ele?
- Morreu. Tomou comprimidos demais e bateu as botas. Acho que tinha insônia e exagerou na dose. Encontraram ele duro na cama. E digo duro nos dois sentidos, pois ele não deixou um vintém sequer, só essa casa. A família teve que fazer uma vaquinha pro velório. Como pode um homem que era tão rico ficar sem um simples níquel, de uma hora pra outra?
Após essa conversa, Joana sentiu um terrível mal-estar. Foi para a cama. Pensou, pensou, acabou adormecendo. Novamente, sonhou vagamente com aquele rosto burlesco. Sua noite foi agitada. Não conseguiu pregar o olho.
Aflita, no dia seguinte, decidiu contar tudo ao marido. No início, Alexandre não acreditou muito. Porém, Joana estava tão convicta, falando das coincidências, que o homem acabou acreditando.
Em seu quarto, Mariana brincava com suas bonecas.
Prontamente, o casal se dirigiu ao quarto da filha. Ficaram de pé, observando a pequena brincar. Joana chegou perto da filha e, ansiosa, perguntou:
- Bebê, seu amigo alguma vez te falou sobre algum dinheiro enterrado nessa casa?
Sem parar de brincar, a menina balançou a cabecinha num gesto negativo. Agora foi a vez de Alexandre perguntar:
- Filha, pergunte ao seu amigo se tem dinheiro enterrado nessa casa.
A pequena fica olhando para o pai. Balbucia então:
- Palhaço bravo. Foi embora. Não brinca mais com Mariana.
Joana interfere:
- Amor, ela é muito pequena. Deixa pra lá...
Os dois saem do quarto, decepcionados. Contudo, não desistem. Vão até o quintal.
- Aqui, foi aqui que ele apareceu! Foi aqui que o vovô o viu da última vez, com o cão – diz Joana, pondo-se embaixo de uma grande macieira. – só pode estar enterrado aqui. É muita coincidência!
- Espere. Vou buscar uma pá! – e Alexandre sai correndo, ansioso.
O homem logo volta ofegante e sorridente, mostrando a pá. Joana vibra. Seu marido começa a cavar.
Todavia, quando o pobre coitado começa a escavar, algo terrível acontece: ele é atacado violentamente por um ser invisível. O homem sentia as mordidas e arranhões. Joana gritava desesperada. Dalva, Maneco e Carlos, que chegavam a essa hora, foram acudí-los. Ao chegarem ao local, viram apenas Alexandre no chão, agonizando, com as roupas em farrapos, todo ensanguentado. Os três olharam assustados a confusa e aflita Joana, de pé diante do marido ferido.
Os ferimentos de Alexandre foram tratados pela mãe e pela esposa. Tesouro que é bom, nada.
Joana havia se esquecido do aviso do morto, que lhe avisou para que não contasse nada a ninguém. É isso o que dá não respeitar os pedidos dos desencarnados!
Depois daquele dia, o inferno começou. Luzes misteriosas nas janelas. Vultos nos corredores. Sussurros, choros, gemidos de sofrimento. Risadas na madrugada.
Na cama, o pobre Alexandre levou uma ardida bofetada bem no meio da cara. Acordou assombrado, procurando o autor da agressão. A mulher estava no banho.
O casal não contou o porquê de estarem cavando no quintal, nem o que aconteceu com Alexandre. Na verdade, acreditavam que ali havia acontecido uma briga entre marido e mulher.
- É tudo minha culpa! – Joana choramingava para o marido – Se eu não tivesse dado com a língua nos dentes e contado pra você, isso não teria acontecido! Ele me avisou pra não contar a ninguém!
As manifestações não paravam.
Um dia, ao acordarem cedo, viram um movimento no quintal. Maneco, Dalva e Carlos olhavam algo embaixo da macieira. Joana e Alexandre foram olhar.
Carlos, com cara de bobo, olhava confuso uma ossada carcomida dentro de uma cova. O curioso rapaz foi espionar o que tanto seu irmão queria cavar ali.
- Sinistro! – exclamava o rapaz.
- Que horror! Parece um animal. – concluía Dalva.
- Parece não – corrigiu Maneco – É um animal. É Boris. Tibério deve ter enterrado-o aí – riu-se – Velho maluco! Matou o cão de guarda dele pra isso!
- Vai ver que ele queria que o cachorro fosse o guardião das maçãs... – ria o malandro Carlos. Maneco acabou rindo também.
- É melhor deixar isso aí menino. Deixa o coitado do Boris descansar em paz – e o velho Maneco saía, indo em direção jogar seu joguinho de damas com os amigos.
- Pobre criatura... – Dalva fazia o sinal da cruz e ia embora, fazer seus exercícios matinais.
Carlos fez uma cara feia, mas obedeceu ao avô. Pegou a pá, jogou os restos mortais de Boris de volta na cova e voltou a cobri-lo com seu lençol de terra.
Naquela semana, o casal foi embora, levando sua filha. O tal amigo imaginário nunca mais “deu as caras” e a família passou a viver tranquilamente. Com pouca grana, mas tranquilos. Apesar de saberem da existência de algum grandioso tesouro, achavam que era melhor deixar as coisas do jeito que estavam. Não contaram nada aos outros. Era melhor assim. Aquele tesouro só podia ser amaldiçoado. Não ia trazer felicidades a quem o possuísse. Sabe-se lá o que o velho e louco Tibério fez pra consegui-lo. Pra todos os efeitos, aquele chão aos pés da grande macieira era apenas a tumba de um cão chamado Boris, o guardião eterno das botijas secretas do velho Tibério.