Maldito Dinheiro!

Luzes misteriosas nas janelas. Vultos nos corredores. Sussurros, choros, gemidos de sofrimento. Risadas na madrugada.

A pobre mulher não agüentava mais aquela situação. Arrependia-se amargamente de sua desobediência.

Joana, o marido Alexandre e a filha Mariana, de três anos, moravam num modesto apartamento. Quando a criança nasceu, Joana largou o emprego que tinha para se dedicar melhor a família. Só que agora, Alexandre foi demitido de seu emprego. Como pagariam suas contas? Como pagariam o aluguel.

Não pagariam. Já estavam com dois aluguéis atrasados. O dono do imóvel reclamava, ameaçava despejá-los. Alexandre estava estressado, Joana, desesperada.

A salvação veio quando a generosa Dalva, mãe de Alexandre, convidou o casal para morarem em sua casa até as coisas se ajeitarem. Sua casa era espaçosa e eles poderiam dispor dela quando bem quisessem.

Como não havia outra saída, Alexandre aceitou o convite da mãe. Para ele, era humilhante um homem de vinte e oito anos, depois de tanto tempo ter que voltar pra debaixo da asa da mãe, mas não havia outra saída.

Dalva era uma ótima sogra. Naquela antiga casa também viviam Carlos, o irmão mais novo de Alexandre, e Maneco, pai de Dalva. Era um velhinho simpático que gostava muito de conversar.

A casa era realmente espaçosa. Tinha dois andares, cinco quartos e um grande quintal com árvores frutíferas. A família foi muito bem recebida.

- A senhora tem uma bonita casa, dona Dalva – elogiou Joana.

- Obrigada, minha filha. Espero que se sintam bem aqui.

No jantar, os cinco integrantes conversaram bastante. O falante vô Maneco começou a soltar o verbo e contar a história da casa que tanto se orgulhava:

- Essa casa aqui é muito antiga. Pertenceu ao meu irmão mais velho, Tibério. Como ele era muito apegado a mim, me deixou-a em testamento.

Durante sua estadia no novo lar, Joana e o marido não hesitaram em procurar emprego, para assim poderem ajudar nas despesas. Eram muito bem tratados. Mas quem estava mesmo feliz ali era a pequena Mariana. Sozinha em seu novo quarto, a criança ria e brincava muito. Falava alegremente suas frases soltas, brincava e batia palmas.

Um dia, vendo o curioso comportamento da filha tagarela, Joana sentou-se com ela e começou a brincar também. Por fim, perguntou:

- Com quem você tanto fala, hein bebê?

A criança, sorridente e olhando para uma direção fixa, apenas responde alegremente:

- Palhaço!

Joana, levada pela alegria e inocência da filha, pergunta despreocupadamente:

- Onde viu o palhaço, filha? Na rua? Passou por aqui?

Prontamente, a pequena Mariana aponta para o quarto.

A mãe, intrigada, comenta a fato com o marido. Eles continuam percebendo que a menina fala com alguém, mas não se preocupam. Provavelmente, a mente imaginativa de Mariana criou um amigo imaginário. Desde que a criança estivesse entretida e feliz, não havia motivo para preocupação.

O tempo foi passando e os pais da criança não estavam nem um pouco preocupados ou curiosos com essa nova “amizade” da filha. Estavam mesmo preocupados em arranjar emprego. Alexandre logo encontrou trabalho, mas Joana ainda batalhava. Entregava currículos, mas nada.

Aquela casa enorme lhe causava certo arrepio. Na maioria das vezes, a moça ficava sozinha com a filha. Carlos era um rapazola moleirão e namorador que vivia vagabundeando. Sua única ocupação era passar toneladas de gel em seu cabelo espetado e ir às ruas paquerar ou sair com sua corja. O bom e velho vô Maneco ia sempre a uma pracinha ali perto encontrar seus amigos do tempo da brilhantina, para jogar conversa fora ou jogar um pouco de damas. Dalva era uma cinquentona enxuta, fanática por bailes de dança de salão. Ativa, sempre ia fazer suas caminhadas e corridas com as amigas.

Apesar da solidão, Joana sentia que não estava sozinha. Alguém a observava. Um dia, quase desmaiou com o susto que levou ao ouvir as panelas na cozinha caírem num estrondo louco. Quando chegou lá, não havia uma panela no chão.

O pior foi o susto que teve ao ver aquele cachorrão imenso bem no meio da cozinha. Era um belo cão negro, sentado tranquilamente ali, na sua frente. Joana tentava espantá-lo, mas ele apenas olhava pra ela, com indiferença. Correu para pegar a vassoura e dar uma lição naquele invasor atrevido, mas qual sua surpresa ao voltar ali e não encontrá-lo mais.

Quando a sogra voltou de seus exercícios, falou sobre o animal.

- Olha, tomei um susto ao ver aquele bicho enorme aqui dentro! Será que é de algum vizinho?

- Ah, pode ser. Os vizinhos aqui do lado têm um belo cachorro. Mas ele é muito manso.

Joana sentiu-se mais aliviada. Logo, nem lembrava mais do incidente.

À noite, a moça foi ao quarto da filha. Ao entrar, percebeu a pequena num sono profundo. Foi então que sentiu o frio intenso naquele quarto. Sentiu um arrepio invadir-lhe o corpo. Viu uma janela aberta, fechou. Cobriu bem a filha e deu-lhe um beijo de boa noite.

Quando chegou ao seu quarto, Alexandre já dormia. Tivera um dia cansativo no novo emprego. Período de experiência era assim mesmo. Contudo, assim que as coisas estivessem mais firmes, poderiam procurar cantinho só deles.

Não demorou e Joana estava imersa no reino dos sonhos. Teve um sonho estranho. Sonhou que estava escuro e que ela ia ao quintal de casa. Debaixo de uma grande macieira, avistou um homem de meia idade, baixinho e esquelético, vestido de preto, ajoelhado diante de uma vela. Dava pra ver a expressão de aflição em seu rosto. Ele parecia estar rezando, muito aflito. Esfregava sofregamente os ralos cabelos. Sua face estava contorcida, como numa dor profunda. Contudo, o que mais impressionava naquele conjunto insólito, era a maquiagem esdrúxula em seu rosto. Uma cara toda branca, os olhos borrados de preto e uma boca horrenda desenhada em carmim. O homem mais parecia personagem de algum circo de horrores.

Joana estava de pé, olhando aquela figura pitoresca. O homem então saía de suas preces, desviava o olhar da vela e se concentrava em Joana. Com um olhar cheio de loucura, apontava pra ela e dizia, com uma voz fanhosa e desesperada:

- Pode ficar! Eu não quero! Pode ficar! Pode ficar com esse dinheiro maldito! Essa maldição que me atormenta, não me deixa descansar! – e se contorcia todo, choramingando.

Joana estava atordoada com aquela revelação. O homem então olhou mais uma vez para a vela e depois para Joana. Concluiu:

- Só te aviso uma coisa: fique com ele, mas não conte nada a ninguém! – e com uma voz esganiçada, bradou, louco: TÁ ME OUVINDO?!?

Joana acordou num sobressalto. Olhou para o marido. Estava dormindo profundamente.

A mulher ficou quase a noite inteira sem pregar o olho, só pensando naquele sonho. Conseguiu dormir de novo às seis da manhã, mas logo teve que acordar.

CONTINUA NO CAPÍTULO FINAL...

NÃO PERCAM!!!

Dama dos Mistérios
Enviado por Dama dos Mistérios em 16/12/2009
Código do texto: T1981047
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