A Colecionadora de Cores

Aconteceu á muito tempo, eu tinha apenas dez anos quando ela veio meio visitar pela primeira vez, mas nesse dia eu não a vi, ela apenas veio e carregou uma, levou para longe, outras terras, outro mundo que não conheço e não tenho medo de conhecer, até então não conhecia seu rosto, não conhecia seu cinismo, mas hoje eu conheço, hoje sei como ela é, apenas um sorriso e ela é capaz de carregar qualquer alma pelo que me disse. E ela me disse também que cada alma possui uma cor, cada ser vivo possui uma cor diferente em seu espírito, mais cores do que os seres humanos conhecem, mais de um milhão de cores, misturas e tons.

Ela veio me visitar pela segunda vez há dois anos, eu estava no meu quarto lendo, era um livro com contos, estava lendo A Máscara da Morte Rubra de Edgar Allan Poe quando eu ouvi o barulho de manto se arrastando, morando sozinho é fácil de se assustar com uma barulho leve e fraco como esses, mas reconheci o som, mesmo tendo passado vinte anos, eu ainda era capaz de reconhecer o farfalhar do manto da Dona das Almas, da Colecionadora de Cores. Ela chegou à porta, não bateu e nem pediu licença, simplesmente foi abrindo a porta e entrando, o manto negro cobrindo seu corpo desconhecido, o capuz cobrindo as faces que todos desconhecem, as únicas coisas que eu podia ver era seu sorriso malicioso e seus olhos vermelhos e injetados como sangue, ela sorria de um jeito doce, meigo e puro, mas não se engane, é apenas para facilitar o roubo das almas coloridas.

Coloquei o livro de lado e esperei, vi quando ela leu o titulo de Historias Extraodinárias de Poe, ela não sorriu, apenas colocou sua foice de lado, a lamina fina e prateada como uma lua em faze minguante, ela brilhava, limpa e com sede, era como um sorriso enviesado, não tinha porque temer, eu sabia que o dia chegaria, eu sabia que era certo ela vir me buscar, tinha feito tudo, não havia nada que me faltasse, tinha vivido o que queria. Ela me olhou novamente, sorriu e estendeu a mão para mim, não a segurei, não havia necessidade de fazer isso, apenas fiquei encarando aqueles olhos vermelhos e perguntei:

- Chegou minha vez? Veio buscar mais uma cor para sua coleção?

- O Que você acha? – Ela perguntou ainda com a mão estendida, seu sorriso era lindo, como ela tinha a perfeição para enganar pobres almas vivas. – Eu lhe disse que um dia viria não foi?

- Sim, disse, mas não achei que fosse tão logo, faz tanto tempo...

- Achou que eu tinha me esquecido de você? Nunca me esqueço de uma alma sequer meu caro.

- Não achei isso, achei que você viria mais tarde, mas tem problema, vivi tudo que queria e estou pronto, mas antes eu queria saber de uma coisa, apenas um coisa, se você puder me responder.

- Meu caro, eu posso lhe dar todas as respostas do mundo, só não me pergunte o significado da vida pois essa jamais saberei responder, a vida possui um significado diferente para cada ser vivo. Mas vamos lá, pergunte!

- Eu gostaria de saber a cor da minha alma antes, só isso, pode me dizer?

- Claro, claro que posso. – A Morte levantou-se de minha cama, olhou o céu lá fora pela janela, a lua estava cheia e tão perto, nunca tinha visto a lua daquela forma. – Sua alma é vermelha como sangue, amarela como o sol, branca como as nuvens, verde como a natureza e transparente como o ar. Você é dono de todas as cores, e sabe por quê? Tudo porque você aceitou a vida como foi dada, porque você aceitou a morte há anos atrás, porque você sempre soube que eu viria. Você é um arco-íris de cores, o mais completo e o mais belo, a alma mais colorida que já vi e a que mais cobicei... Agora, partiremos.

A Morte me estendeu a mão mais uma vez, pegou sua foice, sorriu para mim e quando olhei para a cama me vi ali, deitado com o livro no peito e sorrindo, vi em mim o sorriso mais lindo do mundo, o mesmo de uma criança de cinco anos, voltei a olhar a Morte e dali partimos como amigos fiéis.

Markos Queiroz
Enviado por Markos Queiroz em 13/12/2009
Código do texto: T1976305
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