Amizade além da vida

Se conheciam há tempos pela internet.

Se falavam por e-mail, msn e fone.

A amizade cresceu, se tornaram quase irmãos.

Quando vieram os problemas de saúde, ele acompanhou cada passo.

Deu força e foi a fortaleza.

Uma, duas, três cirurgias.

O cêncer indo e vindo no cérebro.

A visão perdida. A superação.

Eram manos. Almas gêmeas de amizade.

Um acidente grave.

UTI. Ossos quebrados. Fraturas expostas.

Dor. Medo. E a distância.

Uma ligação. Era a mãe.

Um aviso de falecimento.

O chão sumindo. O mundo desabando.

Desespero. Dor. Nada a fazer.

Ninguém para dividir a dor.

A mana se fora.

Cada dia se torna cinza, escuro e triste.

As ligações da mãe para saber como ele está.

O tempo passando. A dor e a saudade aumenta.

Dias, semanas, um mês.

Um dia pela manhã um telefonema muda tudo.

Era a mãe. Ansiosa, precisa falar algo.

A filha não faleceu, não se foi.

No acidente o pai falecera, ela se culpava.

Havia ligado ao mano, dizendo que era a mãe.

E comunicou sua morte.

A confusão na sua cabeça era grande.

A perda do pai. A culpa martelando.

Felicidade voltou.

Ligações. Risos. Alegria.

Matando a saudade.

Dias, semanas, um mês.

Ela sempre pedia para ele não ligar, ela ligava.

Tudo bem, na boa.

Um dia ele liga.

A mãe atende. Ele pergunta pela mana.

A mãe fica surpresa. Afinal ele sabia do falecimento.

Ela confirma, ele fica sem voz, branco, perdeu novamente o chão.

Depois de uma pausa que pareceu durar horas ele diz para a mãe.

- Não. Não pode ser. E começou a rir desconexamente.

- Não. Não.

- Ela me ligou muitas vezes durante esse mês todo.

A mãe nem sabe o que dizer.

A distãncia física é bem longa.

- Ela faleceu, ela e o pai. No acidente.

O silêncio é total. O som do telefone desligando.

O celular é seu amigo constante.

Sempre com ele nas mãos.

Fica circulando pelo pátio junto com outros pacientes.

Nunca mais falou com ninguém.

Apenas fala ao celular. Um celular desacarregado e sem bateria.

E quando "recebe" as chamadas fica muito, muito feliz.

A morte não conseguiu terminar uma amizade.

Uns chamam de insanidade.

Prefiro chamar de amizade eterna.

Mas você pode chamar isso do que você achar melhor.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 17/11/2009
Código do texto: T1929268
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