MALIGNO
Sempre na merda! Todo mundo ria dele ( pais, irmãos, qualquer um na rua, amigos, parentes).Achavam-no engraçado, gauche, um zero à esquerda. Mas continuava firme na sua arte: sua música. E tocava de tudo um pouco. Tinha um estúdio em casa ( se é que podia ser chamada de casa um quarto alugado numa cabeça de porco, na beira do morro, num subúrbio carioca) que lhe rendia algumas merrecas. Devendo um ano de aluguel, estava prestes a ser despejado. Desesperado, procurou uma mãe de santo no alto do morro. Ela lhe disse: Meu filho, Exu quer que entregue sua alma a ele. Esta noite ele aparecerá no seu sonho, marcará data. lugar e hora para se encontrarem e pedirá que leve algo a ele.
Voltou para casa e, que medo! Não queria nem dormir angustiado. Não entendia nada de entidades, nada de Umbanda, nem Candomblé. Só foi procurar a mulher porque disseram que era uma vidente maravilhosa. Fez de tudo para não dormir, mas foi vencido pelo sono. Viu-se num lugar lindo, uma reserva florestal coberta por uma densa neblina baixa e branca, havia uma árvore frondosa, por detrás dela saiu um vulto se aproximando. Era um homem jovem, bonito, calmo e sorridente, transmitindo confiança:
- Sei o que você quer: dinheiro e o respeito das pessoas, não? Posso dar tudo isso a você, posso fazer com que sua vida seja sucesso. Mas antes, preciso me garantir que você vai fazer o que eu pedir, não é matar ninguém, nem roubar( já tenho muitos fazendo isto para mim, pensou.) é ter devoção a mim e construir um altar, neste local. É um altar simbólico: enterre aqui esta corda com um nó bem apertado. E tudo mudará.
Assim o fez, no sonho.
No dia seguinte, um produtor musical de uma grande gravadora o convidou para um trabalho e a partir dali só conheceu as glórias do mundo, notoriedade, amores e um amor. Finalmente podia vingar-se de quem o desdenhava simplesmente com sua presença.
Casou-se com o grande amor e conheceu a felicidade. Pouco a pouco os afazeres tomaram todo o seu tempo e a promessa que fez, seu pacto, foi posta de lado. Então, o coisa ruim se materializou num dia escuro de tempestade e cobrou a dívida. O músico disse a ele que não queria mais ficar preso a um contrato.
- O quê? Não pode me fazer de bobo. Se fizer isso, tiro tudo o que lhe dei!
E sumiu!
Resolveu, então, procurar o local onde a corda estava enterrada, talvez se destruísse a corda pudesse quebrar o acordo. Sabia que era na Floresta da Tijuca, perto de um riacho. Foi até lá, cavou bem fundo e conseguiu queimá-la.
Pronto. Estava livre.
A entidade nunca mais apareceu, mas, ao longo de um ano percebeu que em sua vida novamente nada estava dando certo. E notou na mulher um caroço roxo, perto do seio esquerdo. Levou-a ao médico e era um tumor maligno, que foi-se alastrando por seu corpo, virou metástase, gastou todo o seu dinheiro com o tratamento. Estava perdendo quem mais amava. Voltou ao local onde encontrou a entidade e esbravejou:
- Apareça, leve a mim, não a leve, por favor!
Mas nada aconteceu. Quando chegou em casa, presenciou o último suspiro da esposa.
Depois disso perdeu a sanidade, virou mendigo dizendo ininterruptamente que o tumor da amada era o demônio e passou a perambular pelas ruas, enchendo a cara de cachaça.