A CASA

Havia uma obra numa cidade, mas a empresa de engenharia que ganhou a concorrência era de outro lugar, assim sendo, enviaram os funcionários de campo dessa firma. Chegando lá, foram para o local da obra que ficava um pouco afastado do centro da cidade. Era em um bairro antigo, calmo, de atmosfera bucólica. Casas antigas compunham o conjunto arquitetônico, que era mais parecido com uma cidade do interior.

A obra era numa subestação da concessionária local, foi selecionado um engenheiro, um projetista, um desenhista e mais três peões para dar início ao serviço, que já deveria ter começado. Terminada a apresentação e resolvido alguns detalhes, a equipe saiu da subestação e foi procurar algum lugar para se estabelecer, pois a obra duraria meses. Estavam à procura de uma casa maior para alugar. Sem conhecer ninguém e nem a região, eles pararam numa padaria e perguntaram sobre algum imóvel de aluguel. O dono da padaria indicou uma senhora que alugava suas casas e apontou a direção onde esta morava. O engenheiro pediu à equipe que aguardasse enquanto falaria com a senhoria. Fechou o negócio do aluguel de uma casa situada perto da padaria. O engenheiro chegou e conversou com o pessoal sobre o aluguel, iriam para a casa neste exato momento. O dono da padaria, curioso, perguntou ao engenheiro qual casa haviam alugado. Este respondeu apontando para o imóvel, que ficava a alguns metros da padaria.

Enquanto isso, os peões ficaram prestando atenção em tudo que se passava. A ponto de perceberem a expressão facial do padeiro quando o engenheiro apontou a casa que iriam alugar. Foi como se não concordasse com que acontecia. Ao saírem da padaria para a casa, um dos peões perguntou ao padeiro porque ele tinha feito cara feia quando o engenheiro apontou o imóvel e este respondera que era uma casa mal assombrada. O peão foi embora juntar-se aos demais com a “pulga atrás da orelha”.

Chegaram na casa. Era grande, antiga e não estava em condições muito boas. Via-se que fora residência de pessoas de alguma posse, outrora. Tinha quintal, vários quartos e duas cozinhas. Servia muito bem para a equipe de trabalhadores. Depois de darem uma volta pela casa, resolveram assentar cada um com seus pertences. O engenheiro ficou com um quarto, o projetista escolheu o dele e assim foi com o desenhista e com os peões. Havia muitos quartos e como a equipe era pequena, sobravam cômodos. Mas, entre os peões, dois deles eram muito supersticiosos. Eles eram parentes. Acabaram ficando os três em um mesmo quarto. Isto era no horário de dezesseis horas.

Lá pelas dezenove horas, eles saíram para jantar e comprar mantimentos para casa, faltava de detergente a papel higiênico. Tudo resolvido voltaram para descansar.

Naquela noite, por volta das três horas da madrugada, quando todos já se encontravam dormindo, o silêncio da casa foi rompido por ruídos de pancada na parede. Parecia ser um som surdo, de alguém batendo em alvenaria. Todos acordaram e saíram dos quartos, menos o projetista, pois o barulho vinha do quarto dele. Entraram no aposento e o viram em convulsão, dizendo coisas ininteligíveis, com voz gutural e os olhos virados. Os três peões ficaram horrorizados com o que viram e os outros foram acudir o projetista. Depois de algum tempo, ele acordou e mais calmo, perguntou o que estava acontecendo. O desenhista explicou o motivo de todos estarem ali no quarto dele. Ele, então, lembrou-se do que havia ocorrido. Tivera um pesadelo, sonhara que uma pessoa muito estranha, de feições cadavéricas, careca e com dentes de rato estava em cima dele tentando tampar sua respiração. Foi aí que ele começou a lutar com a criatura e a briga desencadeou em todo o barulho que os seus companheiros ouviram.

O engenheiro levantou-se e disse que já era tarde e que o dia seguinte prometia muito trabalho. Era para todos descansarem por que o dia ia começar cedo. Naquela noite o projetista foi dormir no mesmo quarto do engenheiro, pois estava com medo. Amanheceu e todos foram para o trabalho. Serviço pesado, nem deu tempo de alguém lembrar da noite passada. Só na hora do almoço que os três peões comentaram o acontecido. O dia passou e o final do expediente chegou. Nem todos foram embora. Ficaram na obra o engenheiro, o projetista, o desenhista e mais um dos peões, mas os outros dois voltaram para casa. Lá chegando, foram para o quarto se ajeitarem. Um deles disse que iria à padaria, o outro ficou arrumando suas coisas. Em dado momento, João, o peão que ficara, resolveu tomar banho. Quando tentou abrir a porta do banheiro, esta continuou trancada. Julgou ser o seu companheiro que foi usar o banheiro antes de ir à padaria e perguntou se ele iria demorar no recinto. Uma voz respondeu de forma ininteligível, gutural, algo como um “vou”. João vai ao quarto e pega umas moedas e resolve ir à padaria, pois seu colega estava no banheiro e ao sair da casa vê o colega que acabara de responder a ele chegando.

Assustado, ele aborda o amigo dizendo: “Como você está aí se você está no chuveiro?”. Sem entender o que João falava e sem dar muita importância, ele já ia entrando na casa quando o colega interveio de novo: “Mas, você estava no banheiro agora mesmo, perguntei-te se iria demorar no banho e você disse sim.”. “Eu não, sô”, respondeu o outro. “Fui à padaria e estou chegando agora. Você deve estar ficando doido.”. Completamente amendrontado, João começou a chorar compulsivamente, o que deixou mais preocupado o seu colega. Este pediu calma ao amigo, que sentou no meio fio. Ambos ficaram um tempo ali, sentados em frente a casa. Pessoas passavam e não entendiam o que estava acontecendo. Até que chegou o restante da turma. Vendo os dois naquele estado, indagaram o ocorrido. O amigo de João contou-lhes a experiência que ele teve. Já dentro de casa, foram revistar o banheiro. Estava destrancada a porta, depois fizeram uma revista geral na casa. Nada. Então o engenheiro responsável alertou para que parassem com essas bobagens, que tudo não passava de fruto da imaginação.

Inconsolado, o rapaz mais os outros dois peões primos foram para o quarto. A casa ficou em silêncio. Apenas o som da televisão vinha da sala, onde estava o projetista. Passaram-se as horas e o desenhista chama o pessoal para ir jantar no restaurante. Todos foram menos o projetista. Por volta das vinte e uma horas, o pessoal havia retornado. Foram direto para os seus respectivos quartos, no entanto, o projetista continuava vendo televisão. O relógio avisava que já era meia-noite, todos já haviam dormido. Apenas o projetista continuava a ver a televisão quando a programação saiu do ar. Ele ficou observando a tela com chuvisco, sem sinal e de repente a imagem volta. Mas quando a imagem retorna na tela da TV, ele reconhece a paisagem. Era do quintal da casa, nos fundos. Intrigado com aquilo, ajeitou-se no sofá para ver melhor o que estava acontecendo. Incrível, pensou. A imagem na TV é do fundo dessa casa, que loucura. E na tela da TV a imagem se dirigia em direção ao barracão. O projetista apavorado fitava a cena que se desenrolava num clima de tensão, pois, como poderia a TV estar transmitindo imagens de sua própria casa? À medida que, na cena, a imagem ia aproximando do barracão, a porta deste se abria lentamente. Os pêlos do corpo do projetista já estavam todos arrepiados, sozinho na sala, hipnotizado pelo acontecimento, nenhum ruído se ouvia. Na televisão, a porta do barracão abre completamente. O interior do cômodo se fez aparecer na tela da TV. Era uma despensa da casa, uma espécie de lugar para guardar coisas de jardim, um depósito. A iluminação era fraca e pobre, porém dava para ver alguma coisa. Prateleiras cheias de ferramentas, pás, enxadas, machados, carrinho de mão, mangueira de água, tudo mais estava naquela bagunça. Parecia que não se entrava ali há muito tempo. A imagem mostrava o piso do cômodo que era de chão.

Completamente vidrado na tela da TV, o projetista assiste, imóvel, o desfecho do filme. A imagem mostra a cena entrando no cômodo e algo no chão começa a se mover de dentro para fora. De repente a TV fica fora do ar, o sinal vai embora e o chuvisco aparece. Por alguns momentos, o projetista fica como uma estátua, imóvel, abismado com tudo que vira na TV. Ele senta novamente no sofá, olha o relógio e lê uma hora da madrugada. A casa era silencio total. Ele corre os olhos ao redor da sala, e vê o corredor que leva para a porta da cozinha que dá para os fundos no quintal. Levanta e vagarosamente caminha em direção à porta. Abre a porta da cozinha e desce o degrau que lhe permite estar no quintal. Agora toda a cena parecia o mesmo filme que vira minutos atrás. Seus olhos passam a ser a lente da câmera que filmava o terreiro enquanto assistia pela TV. Ele ia fazendo o mesmo percurso da câmera, foi se aproximando do barracão e para sua surpresa a porta foi se abrindo. Nisso subiu um calafrio em sua medula, pois tudo que vira na TV estava acontecendo com ele. A porta se abriu totalmente e ele entrou. A cena era a mesma. Fitando o chão ele viu a terra se mover. Vai se movendo até que uma mão aparece saindo de dentro da terra. A reação do projetista foi derradeira, a primeira coisa que lhe veio à mão ele pegou e atirou contra aquela coisa. Completamente cego de terror e medo, ele virou para sair correndo e tropeçou em algo que fez com que caísse e ao cair esbarrou numa estante e tudo veio ao chão, fez um estrondo enorme que acabou acordando o pessoal dentro da casa. Todos abriram as portas dos quartos, e correram para sala. Viram a TV ligada, mas fora do ar. Todos estavam na sala, menos o projetista. Então viram a porta da cozinha aberta e foram ver o que tinha acontecido. A porta do barracão estava aberta, e uma bagunça tremenda foi feita. Com a lanterna, o engenheiro vasculhou o cômodo e não viu o projetista. Olhou para trás e percebeu que estava sozinho. O resto da turma ficou observando de longe. Ele grita dos fundos para o pessoal na cozinha que o projetista não estava ali, e que o quarto estava uma bagunça. Mas um dos peões alertou para o barulho que fizera com que acordassem. De onde viria? Lógico que foi daquele barracão, respondeu o outro. A coisa estava ficando muito estranha. Faziam quatro horas da madrugada e eles ali sem saber o que estava acontecendo. Pior, não acharam o projetista. O engenheiro tratou logo de dar uma explicação lógica para o fato. Ele disse que o projetista saiu para a farra e deixou a TV ligada. E o barulho dentro do barracão poderia ser um animal qualquer que entrou lá dentro e fez toda a desordem. Com isto achou que acalmaria os nervos e a imaginação do pessoal que estava tenso. Mas ele mesmo estava com a sensação de desconforto. Sabia que algo estava acontecendo. Algo muito estranho. Fez o pessoal voltar para o quarto e ele também.

No dia seguinte, não viram o projetista. Pensaram que iria direto para o trabalho. Mas ao adentrar pela cozinha, viram um rastro de sangue. Todos pararam espantados e foram seguir o rastro. Este dava no barraco que ficava no fundo do quintal. Os peões ficaram na porta da cozinha e foi o desenhista e o engenheiro ao barracão. De repente, na luz da manhã, o céu escurece e começa a trovejar e um barulho horripilante se fez dentro do barracão. A chuva desceu tão forte que não se via um metro à frente. A cortina de água que a chuva fez dissipou a visão dos peões, que entraram para a cozinha. De lá ficaram tentando enxergar se viam um dos colegas que foram para o barracão. Nada. A chuva piorou. Morrendo de medo, os três estavam agarrados uns aos outros, como se fossem um só. Tudo eles especulavam. O dia virou noite, o vento, a chuva e as trovoadas arrepiavam os pêlos dos peões.

O telefone toca no escritório da empresa. Uma noticia veio ser dada aos colegas da firma. Um grave acidente ocorrera a caminho da obra matando todos os funcionários, menos três, que sobreviveram. Mas, eles estavam em estado de choque, pareciam ter visto algo sobrenatural. A empresa internou esses funcionários em uma casa de recuperação mental, porque todos vieram dizendo a mesma coisa. Loucura.

FIM

Jackro
Enviado por Jackro em 13/11/2009
Reeditado em 17/12/2009
Código do texto: T1921441
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