O ÔNIBUS FANTASMA
Geraldo acabara de se mudar para uma casa num bairro antigo da sua cidade. Ele era trabalhador de obra civil. Sua rotina era levantar bem cedo para ir ao trabalho. No final do expediente, ia para a escola estudar. Seus planos eram terminar o segundo grau e depois fazer curso superior. Era pobre, morava só com a mãe e sustentava a casa. Estudava até tarde, numa escola não muito perto da sua residência.
Sua vizinhança era de pouca gente, apesar do bairro ser antigo, era região de chácaras e sítios e poucas residências comuns. Recém-chegado, ainda não conhecia os seus vizinhos.
Assim vivia Geraldo, acordava cinco horas da manhã e voltava para casa depois da meia noite. Seu acesso, do ponto do ônibus até sua casa, inevitavelmente, obrigava-o a passar por dentro de dois lotes vagos. Não havia outro caminho para ele percorrer.
No segundo dia em que estava morando no seu novo endereço, ao voltar da escola, entrando pela trilha que cortava os lotes vagos, por volta de meia noite, na escuridão, ele avista um vulto mais adiante vindo em sua direção. Como a trilha era estreita, ele resolveu parar para dar passagem à pessoa que vinha em sentido contrário. Ao aproximar, o vulto desenhou uma mulher e uma brisa mais forte começou a soprar. Geraldo sentiu um arrepio subindo a coluna assim que a mulher aproximou-se dele. Ao passar ao seu lado, ele cumprimentou-a, mas ela não respondeu, aliás, nem percebeu que ele estava ali aguardando sua travessia. Pior, ele não viu os pés dela tocarem o chão. Parecia estar flutuando. Achou muito esquisito e com medo saiu correndo, foi embora para casa com aquilo na cabeça. Chegou assustado em casa, mal tomou um banho e foi deitar-se.
Na hora de ir para o trabalho, ele refez todo trajeto, passando pelos lotes, ao passar pelo ponto da cena de ontem, ele lembrou da mulher estranha e arrepiou todo de medo. Chegou até o ponto de ônibus e ficou aguardando o carro passar. Ele reparou que ninguém cruzara com ele pelo caminho. Percebeu que não havia visto ninguém no ponto do ônibus. Perguntava-se; nunca vi ninguém neste lugar, saio muito cedo e volto muito tarde e a única pessoa que vi neste trajeto foi aquela mulher esquisita. Cinco e meia o ônibus veio, Geraldo deu sinal e ele parou. Ainda era escuro. Adentrou no carro. Sonolento. Geraldo normalmente ia para o serviço ainda com muito sono. Dentro do ônibus, ele pagou a passagem, passou pela roleta e pedindo licença aqui, outra ali, viu um lugar vago e sentou-se. Observou, ainda com sono, que a luminosidade era fraca dentro do carro, tudo parecia vir de longe. Cochilava durante a viagem e enquanto permanecia naquele estado de transe, via apenas vultos transitando no corredor do carro.
Algumas vozes e aqueles ruídos embalavam mais ainda o seu sono. Dessa forma ele seguiu a viagem. Num momento o ônibus deu uma sacudida mais forte e Geraldo abriu os olhos... O carro estava completamente vazio. Esfregou o rosto para ter certeza de que não estava sonhando. Sim, ele olhou ao redor e não viu ninguém, nenhum passageiro e para aumentar mais a sua agonia, nem o trocador estava mais no carro. Levantou-se e dirigiu-se ao motorista e mais outro susto. O motorista também não estava ninguém dirigia o ônibus. Apavorado, tentou pular a roleta para pegar a direção do carro que começava a se desgovernar. Ao tentar saltar a roleta, outro movimento brusco do ônibus fez com que ele caísse e batesse a cabeça num cano e desmaiasse.
Passado algum tempo, Geraldo abre os olhos e vê que o ônibus já chegara ao centro da cidade, e tudo parecia normal. Passageiros, trocador e motorista, todos ali e olhando para ele. Sem entender bem o que se passava, ele desceu do carro, caminhou alguns metros e resolveu olhar para o ponto onde descera. O carro já não estava mais lá.
Achando tudo muito esquisito, foi trabalhar se sentindo mal com o que ocorrera. Toda a situação era muito estranha. No trabalho se lembrou de um dos rostos no meio dos passageiros que era exatamente o da mulher com quem ele cruzara na trilha noite passada. Ao lembrar-se disto, suas pernas tremeram e perderam a força e ele sentou e suou frio. Estaria enlouquecendo?
Um colega de trabalho viu o estado de Geraldo e perguntou se precisava de ajuda. Ele acalmou e contou tudo, este achou que Geraldo tinha tomado umas pingas antes de começar o batente. Não se sentiu bem naquele dia e pediu para voltar para casa.
Liberado do serviço, ele foi embora. Não era meio dia quando ele resolve passar no escritório da empresa do ônibus que ele usava e pegar o quadro de horários da linha.
Ao chegar a sua casa ele analisa os horários, e sua maior surpresa: Não havia carro naquele horário que ele pegava. Impossível, pensou. Já é o terceiro dia que tomo este ônibus e ele não existe? Como vou para o serviço então?! Em que estou andando para ir trabalhar? Um sentimento de pavor tomou-lhe a mente. O medo mais a exaustão fizeram com que Geraldo acabasse por dormir. Ao acordar, conta tudo para sua mãe que achou realmente muito estranho, mas não tinha como ajudar o filho.
Apenas pediu a ele que rezasse para as almas, para que nada de mal lhe acontecesse. Geraldo resolveu mudar o seu horário, sair quinze ou vinte minutos mais tarde, no horário descrito no quadro de horários, e o dia estaria clareando e poderia haver movimento nas ruas.
No dia seguinte, conforme ele havia combinado consigo mesmo, saiu mais tarde e o sol já estava alto e quando veio o ônibus ele deu o sinal. O carro parou. Ele, por alguns segundos, olhou para o motorista, entrou e observou bem o interior do ônibus. Pagou a passagem, rodou a roleta e foi para a traseira do veículo. Fitou bem toda a cena do carro e quando um passageiro cutucou-o e pediu licença para passar, ele se virou e viu um rosto familiar, era a mulher com que ele estivera na trilha do lote aquele dia. Num movimento rápido, Geraldo cerrou os punhos e desferiu um golpe contra aquele rosto maldito. A criatura o segurou pelo braço, deixando-o retesado o bastante a ponto de ficar petrificado ante a situação que ocorria, onde todos os passageiros do ônibus se levantaram e o encararam com expressões fúnebres.
Geraldo não podia acreditar no que estava acontecendo, e, antes mesmo de sua humilde mente começasse a pensar numa nova situação de defesa, todas as criaturas horrendas fizeram um círculo ao seu redor. Foi quando Geraldo viu que, olhando dentro dos olhos da criatura, ele podia ver um filme que passava como aqueles em que vira na infância. Tal filme era uma narrativa calma e pura, sem imagens fortes ou qualquer som que o fizesse arrepiar naquela situação em que se encontrava. O que ele viu na verdade foi o filme da sua vida, suas alegrias, seus medos, seus erros, vitórias e derrotas por que ele passara até então.
Para Geraldo, parecia que o tempo tinha congelado que ali agora só existiam ele e os olhos da criatura, cujo corpo havia desaparecido como um passe de mágica. Geraldo fitava o estranho filme sem piscar, tomado agora não por um torpor, mas por uma sensação de aconchego.
O filme passava cada vez mais rápido, e seu ilustre espectador-protagonista mal podia acompanhar a narrativa imagética. Então, o filme parou. Parou numa cena em que Geraldo se via preso a correntes e havia fogo em todos os cantos. Lembrou-se das orações e pôs-se a rezar firmemente.
De repente a porta do quarto de Geraldo é forçada. Um vizinho arrebenta até abri-la, estilhaçando-a em lascas. Atendendo ao pedido da mãe e do patrão, preocupados com o fato do filho e empregado ter se trancado no recinto há dois dias sem manifestar qualquer ruído, agora puderam constatar o ocorrido: seu corpo jazia na cama, com os olhos abertos. Geraldo estava morto.
FIM