Embaixo da Cama

Começou como um medo infantil qualquer. Ele tinha três anos e não dormia sem que antes os pais olhassem debaixo da cama. Posteriormente, passou a não querer mais adormecer com as luzes apagadas, o que deixava o pai, um economista, muito enfurecido ao ver as contas de luz no fim do mês. A mãe intervinha, a favor do filho: "deixe estar, é só uma fase".

Mas os anos se passaram.

O menino já tinha sete anos, porém sua fobia do escuro e de algo incompreensível que alegava existir debaixo da cama continuava.

Os pais levaram o menino a muitos psicólogos - nenhum conseguiu descobrir de que ele sofria - assim, as luzes continuavam acesas à noite, e o fundo da cama continuava a ser inspecionado minuciosamente.

Mudaram a cama de lugar, mudaram o menino de quarto, mas o medo continuava, cada vez mais forte.

Um dia, o pai teve uma idéia - tratamento de choque - ele dissera.

Às nove horas, o pai saiu e desligou a energia da casa, simulando um blackout.

A mãe fingiu não encontrar velas ou fósforos, e foi com dor no coração que conduziu o choroso filho ao quarto. Colocou a criança na cama - ele estava apavorado e pedia desesperadamente à mãe que ficasse por ali. A mãe endureceu o coração e disse que não, saindo, com pena e fechando a porta.

O menino ficou ali, sozinho, com seu maior medo. Ele estava paralisado, gelado de pavor. Não tinha força sequer para se levantar e sair correndo.

Ele continuou parado, alerta, olhos arregalados, adrenalina fluindo.

O relógio da sala deu dez badaladas. O menino continuava atento - ouvia os pais conversando na sala.

O relógio da sala deu onze badaladas. Agora ouvia apenas os sons noturnos: uma sinfonia de grilos e o silêncio mórbido que a noite trazia.

O relógio da sala deu doze badaladas. Afinal, o menino foi se acostumando ao silêncio e à escuridão e foi entregando-se ao cansaço. Suas pálpebras iam se fechando quando ele ouviu um barulho - vindo de debaixo da cama. Despertou sobressaltado. Uma mão de unhas longas e pele áspera agarrou-lhe o tornozelo.

tentou gritar, sem sucesso. A voz não lhe saía. Não tinha forças para se livrar daquela criatura ressequida e horrenda que tentava arrastá-lo para debaixo da cama. Tentou ainda agarrar-se ao tapete - em vão.

Olhou para trás e divisou o rosto grotesco de olhos brilhantes e presas pontiagudas que sorria para ele. Foi arrastado e mergulhou na escuridão, chorando...

...

Ele não entendia o que havia acontecido - acordou no escuro, embaixo da cama. Tentou sair e percebeu que aquele não era o seu quarto - viu que neste as paredes eram cor de rosa e havia ursinhos de pelúcia.

Colocou a mão para fora, tateando na escuridão e encontrou um tornozelo fino.

Olhou em cima da cama e viu uma menina de cabelos negros, que o fitava com os olhos enormes cheios de terror.

Só então reparou nas suas mãos: outrora infantis e claras, elas agora pareciam ressequidas e cobertas de veias salientes, com enormes unhas negras.

Tentou dizer à assustada garotinha que precisava de ajuda, mas descobriu que não tinha mais voz. O máximo que conseguia fazer era sorrir, grunhir e assoviar com sua lingua bifurcada e seus dentes pontiagudos. Nesse momento, a garotinha começou a gritar...

Sem escolha, para fazê-la calar-se, ele a puxou, arrastando-a para a escuridão.

Horrorizado, percebeu que encontrou conforto e prazer em arrastar outra criança para a mesma situação que vivera.

Um ricto horrível tomou conta de sua face disforme, e rastejando na escuridão, o antigo menino que tinha medo do desconhecido pensou: "nada mal para o meu primeiro dia como o monstro debaixo da cama".

[fim]

Renata Xavier
Enviado por Renata Xavier em 10/11/2009
Código do texto: T1914974
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