A morte errou a hora

Fim de tarde. Quarta feira.

Saí do trabalho e me dirigi até a igreja onde congrego, toda quarta temos uma reunião de integração.

Sempre chego bem cedo, pois fica complicado ir para minha casa e voltar depois em função da distância.

Me sentei na calçada esperando até que o responsável aparecesse com as chaves.

Aproximadamente uns 10 ou quinze minutos depois ele chegou, abriu o portão.

Trocamos algumas palavras, ele foi para a secretaria, e outras pessoas haviam chegado também.

Fazia muito calor, ao extremo.

Entrei no salão principal, abri as cortinas e vidros. Liguei todos os ventiladores, deixando assim o ambiente um pouco mais agradável.

Escolhi um banco que ficasse bem embaixo de um dos ventiladores e me acomodei, como estava sozinho e um tanto cansado, acabei me deitando.

Notei que o ventilador girava exatamente sobre minha cabeça numa velocidade que mal dava para definir suas hélices.

Fiquei olhando fixamente para ele. hipnótico. Veloz.

Sempre tive uma visão em minha mente quando via ventiladores de teto, sempre achei que pudesse se soltar e causar estragos. Coisa de minha cabeça.

Mas ali, quase que se entregando ao cochilo, me veio na mente essa visão. Eu estava meio que em transe, as hélices girando violentamente, o zumbido suave mas contínuo.

O sono vindo, indo, a hélice, o barulho.

Silêncio. Silêncio quebrado pelo som de algo se quebrando. Som alto. Seco.

O coração disparando. Abro os olhos num sobressalto.

A visão das hélices se aproximando muito rapidamente.

Direto em queda livre. As hélices violentas vindo. O zumbido doce se tornou em rugido mortal.

A dor insuportável. As hélices se tornaram em lâminas mal afiadas que dilaceravam e não cortavam.

O som de ossos quebrando, o liquido quente escorrendo pela rosto esfacelado. Medo. Desespero. Dor.

Vozes apavoradas. Homens, mulheres e crianças.

Escuridão total. Choro. Gritos de pavor.

Nada mais parecia existir. Nem dor. Nem nada. As vozes ficando longe. Sumindo.

Médicos? Chamem........Não adianta mais. Sem pulso, olhem a situação.

Infelizmente.

Uma falta de ar, um sufoco, a sensação de alguém te sufocando.

Vontade de gritar e a voz não sai.

De repente, um pulo. O ar entra em meus pulmões. Busco o ar desesperadamente. Estou sozinho.

Algumas pessoas que estavam fora entram assustadas com meu desespero em busca de ar.

A primeira coisa que fiz após retornar de meu transe foi olhar para cima. Ele estava lá. Me encarando.

Rugindo baixinho, suave, zumbido aos meus ouvidos.

Acalmei as pessoas, disse que foi só um pesadelo.

Algumas riram, outras se preocuparam.

Estava ainda zonzo com as sensações tão reais. Aquela dor. O medo. Ainda tremia.

Olhando para as pessoas presentes, uma delas, uma senhora extremamente branca, de uma palidez assustadora e com um manto preto com capuz, circulava no salão.

Me olhou fixamente em meus olhos e veio em minha direção.

Achei que ela fosse se chocar contra mim.

Veio se aproximando e consegui ler em seus lábios uma frase que me arrepiou inteiro:

Não vou te levar dessa vez, mas cuidado com ventiladores.

Num salto sai de onde eu estava, embaixo do ventilador.

Até hoje não sei se foi um sonho, ou se morri e ela percebeu que não era minha hora.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 05/11/2009
Código do texto: T1906372
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