Voodoo

Choveu o dia todo.

Na escola, as brincadeiras de sempre, ofensivas, de mal gosto.

O sentimento de ódio engolido como sempre.

A vontade de vingança sufocada no interior do peito. Doia.

Mas tinha de ser assim.

Não podia, não ainda.

Voltava pra casa. Sempre vazia.

Pai no trabalho, mãe também.

Entra. Tranca a porta. Liga a TV.

Só por ligar, não iria assistir mesmo.

Fuça nos armários. Come algo.

Sai. A casa da avó é o destino.

Avó é seu refúgio. Idade bem avançada, sempre calada, mas muito inteligente. As pessoas da vila a temem.

Acham que ela é bruxa ou coisa parecida.

Entra sempre sem bater. A avó sempre está lá, calada.

Abraço. Amor. Se sente bem lá.

Falam pouco. Mas a avó a ensina muito.

Ela confabula sobre a escola. Uma lágrima escorre pela face,

Sente uma dor cortar o peito.

A avó a consola. A avó sabe o que ela sente.

A avó sente o que ela sente.

O medo. A dor. A raiva. A vontade de vingança.

Olha nos olhos dela.

Pergunta quantos são os que a ofendem.

Pergunta como são.

Quem são.

Ela relata detalhes de cada um.

A avó olha para o infinito.

Olha para ela nos olhos.

Ainda não é hora.

O dia chega ao fim. Hora de voltar para casa.

Aliviada, abraça a avó. E sai.

Olha para trás. A avó em pé na porta. Um aceno.

Em casa, nada de novo. Pai, mãe. Todos em casa.

jantam, conversam como sempre.

Assistem TV. Todos vão dormir.

Sono. Sonhos agitados.

Sonha com seus agressores, as ofensas. Acorda chorando.

Dorme. Pesadelos. Mais choro.

Mais pesadelos. Seus agressores chorando muito.

Desespero. Medo nos olhos.

Agulhas. Bonecos. Dor.

Sono. Pesadelos.

Acorda como se não tivesse dormido. Cansada, pesada, cabeça doendo.

Lembra dos sonhos.

Fragmentos dos sonhos.

A avó sentada na cadeira costurando algo.

Agulhas. Bonecos.

Vai para escola. Os pais para o trabalho.

Na escola algo está diferente. Seus agressores faltaram.

Estranho. Faltaram.

Motivo: acordaram desesperados pelos pesadelos que tiveram.

Nos pesadelos viam a menina que perturbavam brincando.

Brincando com bonecos. Não bonecos normais. bonecos de vudu.

Seus bonecos de vudu.

E acordaram com picadas pelo corpo.

Medo. Desespero.

Volta pra casa. Tudo normal.

Vai para casa da avó. Entra.

A avó sentada. Olhando para o vazio.

Ela se aproxima. A avó a entrega uma caixinha.

Abre. No interior três bonecos. Algumas agulhas.

Ela sabia o que era.

A avó segura sua mão e diz:

- Fiz ontem e já testei.

Acho que nem vai precisar usar por uns tempos.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 30/10/2009
Reeditado em 17/05/2014
Código do texto: T1896586
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