O boneco que sangra
Aquela pequena cidade do interior, era apenas reconhecida no país por causa da sua fábrica de brinquedos, mas não era uma fábrica de brinquedos qualquer, era a melhor e maior do país, tinha prestígio internacional, certos brinquedos eram tidos como verdadeiras obras de arte. Mas essa história não é sobre essa fábrica, ela é apenas o pontapé inicial dos acontecimentos.
O céu já tinha uma tonalidade avermelhada, o pôr do sol já estava quase finalizado, quatro garotos voltavam de uma partida de futebol no campinho. Milhopan, reconhecido como o líder do grupo, carregava a bola embaixo do braço:
- Foi um bom jogo, mas quero chegar logo em casa para assistir Naruto.
Todos os outros concordaram, era o desenho preferido dos meninos. Eles caminhavam apressados quando uma visão chamou a atenção de um deles.
- Vejam ali perto da fábrica, um corpo caído!
Os meninos correram para ver, ao chegarem no corpo, notaram que não tinha pulso, respiração, mas notaram também que não estava frio e nem duro. Tinha a aparência de um homem na casa dos sessenta anos. Intrigados, os garotos continuaram examinando o corpo até que Milhopan chegou a uma conclusão:
- Isso é um boneco, deve ter caído de algum caminhão de entregas da fábrica.
Bruno, o menino que tinha achado o corpo não concordava, achava que era uma pessoa e que deveriam chamar a polícia, mas seus argumentos se perderam no vazio, seus amigos concordavam com Milhopan.
- Vamos levar o boneco para a velha casa abandonada. Depois pensaremos o que fazer com ele. – Finalizou o líder.
Os quarto, com muita dificuldade, conseguiram arrastar o boneco até a velha casa abandonada. Por sorte ela não ficava muito distante de onde o boneco foi encontrado, mas mesmo assim aqueles quatro garotos tiveram um grande trabalho. Logo após deixarem o boneco no segundo andar da casa, correram, queriam chegar a tempo de ver pelo menos o final do desenho.
Dois dias se passaram, os meninos voltavam da escola.
- Vamos voltar lá para ver o boneco como prometido. – Disse Thiago.
- Verdade. Ontem jogamos futebol e não lembramos de ir lá. – Falou Millhopan, que já tinha armado sua mochila para a ocasião, levava: lanterna, faca e algumas rosquinhas que petiscava durante o dia.
Os garotos seguiram em direção a casa, Bruno sentia que tinha algo errado, não queria ir até lá, mas ao mesmo tempo não queria demonstrar fraqueza perto dos amigos, os acompanhou.
Era uma casa velha, com muitas tábuas soltas. Em noites frias, elas rangiam bastante, fazendo um barulho ensurdecedor. Subiram as escadas e encontraram o boneco na mesma posição em que tinham deixado antes, sentado em uma velha cadeira, a única mobília da casa. Bruno sentia calafrios toda vez que via o boneco, mesmo essa sendo apenas a segunda vez.
Milhopan sacou uma faca da mochila, o que assustou seus amigos:
- O que você vai fazer, cara? Indagou Joel.
- Quero descobrir do que o boneco é feito, nada demais.
Os meninos se afastaram um pouco, Milhopan esticou o braço do boneco e fez um pequeno corte. Um grito! Bruno gritou e se afastou rapidamente, queria sair dali correndo, os demais olhavam assustados, o boneco sangrava! Milhopan deixou a faca cair no chão, deu dois passos para trás tentando ordenar os pensamentos.
- Calma, é apenas um boneco muito bem feito, ele não respira, não tem batimentos cardíacos, não pode ser uma pessoa, é apenas um...
Não conseguiu terminar a frase, o boneco gemeu, aqueles quatro garotos ouviram ao mesmo tempo, correram ao mesmo tempo, desceram as escadas em um pulo e chegaram arfando ao outro lado da rua.
- Vamos chamar a polícia. – Disse Joel.
- Não podemos, eles vão rir da gente, acredito que tenha sido apenas imaginação nossa, é apenas um boneco. – Continuava afirmando Milhopan.
Os meninos debatiam, com o passar dos minutos, Bruno foi se convencendo um pouco, os outros queriam voltar para ver o boneco, mas como a noite tinha acabado de chegar, trazia com ela um receio a mais. Os meninos debatiam quem iria entrar primeiro, quando ouviram uma voz conhecida:
- O que estão fazendo aí?
Era Barreto, ele era conhecido como o valente dos meninos da rua, sempre encarava os meninos mais velhos.
Milhopan por um segundo pensou em responder: “nada”, mas pensou melhor, queria testar o menino valente e ao mesmo tempo se certificar que é realmente um boneco. Desafiou Barreto a entrar na casa e ver o que ele encontrava no quarto do segundo andar. Entregou sua lanterna e lá se foi o valente garoto.
O telefone acabou de ser desligado, o mesmo semblante de preocupação, ela se senta na cadeira, suspira. Quando perguntada sobre o paradeiro dele, ela só sacode a cabeça em negação. A polícia ainda não o encontrou. A última vez em que foi visto, ele estava assinando o cartão de ponto na fábrica de brinquedos. Dois dias tinham se passado e nada ainda.
Sentiu um calafrio e teve uma sensação ruim, deu uma pequena olhada para trás, três dos meninos o incentivavam a entrar: “não tenha medo”, “vai nessa”, “força”. Entrou pela porta dos fundos, estava muito escuro. Muita sujeira, teias de aranha, pedras, pedaços de madeira, casa abandonada fornecia um arsenal de armas.
Um pequeno sacudir de cabeça, um esfregar de olhos, garganta seca, uma fraqueza imensa:
- Onde estou? O velho se perguntava.
Não consegue ver nada ao redor, levanta da cadeira, se sente muito fraco para caminhar, senta no chão, agora engatinha, acha uma faca, se agarra naquilo, pode ser sua salvação. Conforme sua confusão diminui, tem a certeza que foi seqüestrado, sabe que não é rico ou celebridade, mas detém informações privilegiadas sobre os novos lançamentos da fábrica de brinquedos, era isso! Espionagem industrial, me seqüestraram para que contasse tudo. – Ele pensava.
Seus olhos começaram a se acostumar com a pouquíssima luz que entrava pelas frestas da janela fechada com tábuas de madeira, ele enxerga algo semelhante a uma porta, decide ir até lá, se levanta devagar e agora consegue caminhar lentamente. Enquanto caminhava até a porta, escutou um barulho próximo, se assustou, era o seqüestrador, se agarrou ainda mais a faca.
Barreto agora subia as escadas, lanterna na mão, clareando cada degrau, a porta que deveria ser a do quarto citado, caminha até ela, mão na maçaneta, abre, cinco segundos para um grito de dor, o velho enfiou a faca em seu pescoço, sangue jorrando, o velho enlouquecido continua esfaqueando o pobre menino. Pega a lanterna e ilumina o rosto da sua vítima, para sua surpresa era apenas uma criança e não um bandido, tinha usado todas as suas forças naquele súbito ataque. O último gesto que fez foi de colocar as mãos na cabeça, pois logo após foi acertado por um pedaço de madeira. As outras crianças ouvindo um grito, resolveram correr para ajudar, numa loucura coletiva acharam que o boneco tinha ganho vida e o mataram com paus e pedras.