Timekiller

Bato com a palma da mão na mesa, isso após arrancar tufos de cabelo, olhos ensandecidos, não consigo acabar o maldito texto, o que aquele menino vai fazer? Se subiu tem que descer, essa é a lei, mas como finalizar isso? Se não finalizar agora, quando a vontade de matar chegar, não terei como terminar após o regresso, espero que a vontade não venha cedo, o velho sufocar já conhecido. Mais uma bolinha de papel no chão, errei a lixeira várias vezes. Bato nas teclas de uma velha máquina de escrever bege,”old style”, essa é a minha inspiração, tenho que levantar e esvaziar essa lata de lixo, por isso que tenho errado os arremessos, mas não irei. Chove, não uma chuva muito forte, apenas o suficiente para arrepiar meus cabelos, sorrio mostrando os caninos para o espelho, velho de guerra da minha ira, rachado, sobrevivente de muitas pancadas, coloro mais uma folha na máquina, olho para o teto, que luz miserável, tenho que consertar isso, fios espalhados, desencapados, fuligem de explosão anterior, descascando, uma pintura ia bem. Sinto que a loucura chegará essa noite.

Ventilador a toda velocidade, começou a parar lentamente, parou, que porcaria, começou a esquentar o ambiente, suando, delirando, um pequeno tapa, um grandioso chute, voltou a funcionar, a chuva começou a apertar, mas o calor continua o mesmo. Uma abelha voando por sobre as rosas caídas no chão, uma goteira molhando uma folha de jornal velho caída no canto da minha sala. Estou com uma dificuldade tremenda de teclar o “r”, a tecla da velha máquina fica agarrando. O menino conseguiu pegar a maçã no alto da árvore, apalpou, olhou para baixo e viu uma vaquinha, esta olhava para cima esperando o que aquele menino iria fazer, mas o que ele vai fazer? Não sei, não tenho idéia de como terminar. Soco a mesa, bato com o pé no chão, mordo a mão, arranco a folha da máquina e jogo no chão.

Uma lagarta amarela andando no fio do telefone, a vontade de matar ainda não chegou, mas minha insanidade começou a despertar, meu rosto começa a apodrecer, arranco metade com as unhas, mostrando uma face amarela e gosmenta. Um besouro curioso lendo as páginas do jornal velho molhado, notícia de devastação de plantações, um milharal inteiro tragado, o chão começa a ficar encharcado, movo minha cadeira para o lado, aquele pinga pinga incessante batendo na minha cabeça estava me deixando ainda mais louco. Exibo minhas unhas negras para aquela barata medonha, ela pula no meu ombro, a desgraçada é das voadoras, tenho uma imensa sede disso.

A lagarta amarela acaba de se suicidar, loucura que veio chegando com a noite, a lua brilha em vermelho, ela pulou no ventilador, gotas de excrementos jorraram no meu rosto, a loucura cada vez mais perto, mais insetos se aproximam, querendo repetir o feito da lagarta, começam a pular no ventilador, com a gosma dos insetos mortos é possível pintar a parede dessa sala, sangue é denso, conhecem bem. Um inseto ainda persiste vivo, sobrevoa minha cabeça, sinto como se estivesse bem mais leve, sem dificuldade para flutuar, coloco a mão na sola do meu pé, descascando, arranco um grande pedaço, consigo ver o osso. Um grande raio, vejo uma frase pintada de sangue na parede: “minha confusão criou o seu universo”. Pé coçando, sangrando, não sinto a dor, nem sei se toda essa situação é verídica, talvez seja o caso de apontar o dedo e acusá-la de não existir no mundo real, apenas em minha mente psicótica. Olhos pulando da órbita, a loucura batendo na janela, preparo a faca, o gancho, o plástico, coloco na minha maleta, a vontade não tarda, mas preciso finalizar o conto do menino na macieira, creio que me restam poucos minutos.

Pego a faca, bato com o cabo na testa, viro a lâmina e corto o dedo, um corte superficial, mas o suficiente para sujar a lâmina, sinto o líquido jorrando da mão, começo a lamber a ponta da faca, o sangue me alucina, chuto o tampão da mesinha, pego mais uma folha, giro o botão colocando ela em perfeito estado para a escrita, o iminente fim. Então, o menino com fome subiu na árvore para roubar a maçã, uma árvore alta, frondosa, o fruto que escolheu era o menos acessível, mas o que parecia mais suculento. Tinha uma vaquinha magra, olhava atentamente a cena, o menino olhava para baixo, não sabia como descer. Parei de escrever nesse momento, ela não sabia como descer e eu como terminar essa história, desisto mais uma vez. Recostei na cadeira, que venha o desejo de matar.

O relógio na parede parece andar em câmera acelerada, avançava rapidamente, uma hora se passou, parecia um minuto, com a hora aumentou ainda mais a chuva, os raios davam um colorido na noite, um colorido de fogos de artifício. A goteira, as goteiras, muitas agora, uma lacraia apareceu, suas antenas esbarraram em mim, ela agora se aloja no buraco do meu pé, sinto queimando, ela faz um relevo interessante e doloroso, enfio minha unha, rasgo a pele e arranco com agressividade, não satisfeito a jogo no ventilador, seus vestígios acertar a parede atrás. Minha bunda não fica mais quieta na cadeira, curiosamente noto que estou flutuando, a loucura vem essa noite. Como uma criança rodopio, vou ao teto, passeio pela sala, espeta a faca em todos os ângulos superiores do teto, que prazer! O chão alagado, não quero descer. Ficarei sentado no teto de cabeça para baixo enquanto penso no final do garotinho, cair da árvore e morrer?

A cera da abelha proliferando no quarto. Começou como uma pequena infiltração, agora despenca do teto em gosmentos jorros doces, com isso as abelhas abundam, a loucura se aproxima e não estou sabendo mais como me controlar. Abro a última gaveta da mesinha, a mesma onde fica minha velha máquina de escrever, tiro um pacotinho, a branquinha, arrumo aquela fileira, êxtase, urro de desejo, urro ainda mais quando meu nariz absorve, soco a parede, acho que quebrei um dedo, quem se importa? Arranco as folhas que já digitei, acredito que foram em vão, acho que nunca terminarei a história.

- Termina essa porra!

Avisto um anjo com cara de mau me mandando terminar, dedo em riste, ameaçador, ficou me encarando e cruzou os braços.

- Não termina essa porra!

Um pequeno diabo entra galopando uma zebra, coço as vistas, ele me encara, corre em direção ao anjo e o engole com uma bocada. Um buraco na parede se abre e ela desaparece por ali mesmo. A última página na máquina, a última frase: “Ele caiu da árvore, a singela vaquinha defeca em sua cabeça e vai embora pastar em outro local”. Um fim idiota para uma história igualmente idiota. A vontade de matar abriu a porta, a inalei rapidamente, senti meus olhos revirarem, peguei minhas a maleta com minhas ferramentas homicidas, as páginas do conto e parti.

Precisava escolher a vítima com muita cautela. Liguei o motor do carro e fui em direção às vielas estreitas e escuras, a noite já estava radiante. Um bêbado cambaleando para fora do bar, um indigente praticamente, coisa imunda, as vezes até perco o prazer com criaturas que não gritam enquanto as torturo. Não tem outro, vai você mesmo. Pulo do carro, o agarro e passo rapidamente a faca em seu pescoço.

Ele abriu os olhos pela última vez, sabia que estava morrendo mas, estava bêbado demais para dar importância ao caso. A minha história não tinha a mínima graça, isso ainda me abala, final estúpido, dane-se a maçã, rasgo sua barriga, pego da maleta as páginas amassadas do meu conto, as enfio em suas entranhas e, com as tripas, papel e sangue, faço o banquete do árduo desejo de escrever.