LUTHIER, ESPÍRITO DO ROCK'N ROLL ( OSSOS DO OFÍCIO )

LUTHIER

Eram lindas as guitarras feitas por encomenda! Caríssimas, as mais caras e as mais bem feitas do mundo. A linha de produção era pequena, justamente para que se priorizasse a qualidade, e cada instrumento levava em média dois anos para ser finalizado. O mestre tinha seus trinta e seis anos, vivia em seu atelier, no porão do castelo secular da família, no norte da Inglaterra. Lindo, sangue azul, talentosíssimo, rico, genial, com todas as mulheres ao seu dispor, podia viajar para qualquer lugar quando bem entendesse...O que lhe faltava? Deixar sua marca e aperfeiçoá-la, nem que fosse preciso dilacerar sua pureza.

A ideia surgiu quando encontrou num aposento, jogado, esquecido, um pote, cujo rótulo preto possuía a gravura de um crânio branco com dois ossos cruzados à frente, como logotipos das bandeiras dos piratas. Escrito em cima e na tampa: POISON. O que faltava para incrementar sua criação? Alma. Então, por superstição, decidiu que seu instrumento particular deveria possuir em seus detalhes, como o cavalete, as cravelhas, as hastes dos trastes, o braço, alguns ossos do maior gênio da música de que se tem notícia. Ele mesmo profanou o túmulo, para buscá-los. Depois, não estava mais satisfeito com a madeira, o cedro e utilizou a mesa, que, conforme lenda familiar, foi extraída de um ‘old oak tree’, um velho carvalho, tirado de sua propriedade, usado para a prática de bruxarias no século XVII, e posteriormente para enforcar quem as praticava, e seus galhos eram utilizados como fogueiras para queimá-los. Tudo foi milimetricamente calculado e cortado com precisão para não prejudicar o som. As cordas feitas com vísceras. Sem contar com a parte elétrica impecável, protegida pela mais fina prata. Tendo como acabamento o mais puro verniz e cravejado pelas mais lindas pedras preciosas. O resultado surpreendeu suas próprias expectativas: havia atingido seu objetivo, um instrumento mágico, com o som mais limpo que já se conheceu. Seu músico, ao tocá-lo, recebia o dom da música, um completo domínio, leitura à primeira vista das partituras, ouvido absoluto.

Por sua perfeição, a fama se espalhou, e sua vaidade o obrigou a construir outros modelos idênticos.

Tudo estava indo bem até tentarem encontrar o luthier para entregar um mandado de prisão, pois o suposto nono cliente o denunciou por profanar túmulos e contou toda a narrativa acima. Disse que um espírito atormentado, mutilado, cheio de feridas e sangue coagulado, apareceu na hora em que foi testar a guitarra e que entraram em combustão tempos depois. A assombração fez solos magistrais durante um mês, ininterruptamente, no máximo volume, e a vizinhança, não suportando mais, chamou as autoridades.

A polícia não acreditou muito na história, porque o guitarrista estava sob efeito de antidepressivos e álcool, mesmo assim resolveu investigar o caso, até averiguar a existência do empresário.

LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 22/10/2009
Reeditado em 13/07/2011
Código do texto: T1881608
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