O MISTÉRIO DA ENCOMENDA

O rapaz acelerava a motocicleta, torcia o punho como um louco, em sua cabeça só passava a idéia de que alguma mágica pudesse apoderar-se do motor 125 cilindradas tornando-o capaz de vencer a distância que ainda faltava. Era a última entrega da noite, se não conseguisse chegar a tempo, o cliente não precisaria pagar, o que significaria problemas com o patrão. O bairro era distante, uma área predominantemente industrial, não se lembrava de residências por ali, já fizera inúmeras entregas naquela região, mas nenhuma para o número indicado na guia de pedidos.

Chegou ao local, a rua era extensa e a numeração não seguia uma ordem lógica. Embora atrasado, não lhe restava outra alternativa que não fosse percorrer lentamente a via. Achava estranho, nunca fizera uma entrega no período noturno naquelas redondezas, invariavelmente era no horário de almoço o pico dos chamados, provavelmente alguma fábrica teria resolvido alongar um turno madrugada adentro.

Percorreu toda a extensão da rua, duas vezes, e não encontrou o número desejado. Estava prestes a desistir quando notou uma pequena edificação de dois andares, mais uma vez ficou intrigado, pois jurava não ter visto o prédio antes. Chegou próximo da entrada da propriedade, e ficou satisfeito por constatar que era dali o pedido, ainda restavam dois minutos, havia conseguido.

Um grande portão de ferro e muros altos lacravam o ambiente. O rapaz não conseguiu encontrar uma campainha ou interfone, ainda assim, ao simples contato, a folha metálica se abriu, oferecendo o interior da propriedade.

Com as caixas de papelão na mão, iniciou uma caminhada apressada, afastando-se alguns metros da entrada, percebeu um estrondo às suas costas, era o portão que se fechava. Deu de ombros e entrou pelo que seria o hall, surpreendeu-se, não havia ninguém no local. Anunciou sua presença, ninguém o respondeu, já não estava tão interessado em efetuara a entrega, a situação na qual estava envolvido revelava-se cada vez mais inusitada. Empurrou uma porta de vidro temperado, um longo corredor se oferecia à sua curiosidade, percebeu, então, uma luz que se acendeu ao fundo, no exato instante em que adentrou pela passagem.

Chamou mais uma vez, e novamente teve o silêncio como resposta. Lembrou-se do ocorrido com o portão, e por instinto voltou-se para a porta, estava trancada. Sacudiu a maçaneta e não obteve nenhum sinal de que esta pudesse ceder à sua vontade. Pela primeira vez sentia que os fatos estavam além de seu controle. Tentou se acalmar e buscou, na cintura, o rádio a fim de contatar a loja, tudo em vão, nada ouvia além de estática. O chiado parecia fugir do aparelho e começava a se espalhar, aumentando gradativamente o ruído; a luminosidade percebida ao fundo crescia em sua direção, como uma fileira de dominós caindo; os sprinklers foram acionados como se houvesse algum indício de incêndio, no entanto não havia qualquer sinal de fumaça.

Foi então que ele viu, e a visão o fez gritar, mas não teve tempo para mais nada. As caixas de papelão foram ao chão molhado, assim como o rádio, de onde vinha uma voz...

- Você está aí? Responda! O que houve?

A voz que chamava pelo rapaz era a da atendente da lanchonete.

- Não adianta, ele não responde... – dizia para o irritado chefe.

- Onde foi que esse moleque se meteu? Pelo horário já deveria estar de volta. Já ligou para o número que efetuou o pedido?

- Já, mas ninguém atende e....

- Faz o seguinte, me dá o endereço que eu mesmo irei atrás dele.

Dentro do carro, o gerente só pensava em encontrar o motoboy, não porque estivesse preocupado com a integridade física do rapaz, na verdade, ele apenas temia as complicações que poderia ter dependendo do desenrolar da história. Pouco tempo depois chegava à rua da entrega, observando o ambiente, fez uma nota mental para evitar futuras encomendas para aquela região, nada de bom poderia advir de tão inóspito lugar. Percorreu a via, e como o motoboy havia constatado, não era fácil encontrar a endereço correto mediante uma numeração fora de ordem, ainda mais em uma via tão grande como aquela. Então, parou o automóvel, preparava-se para contatar a funcionária quando sua intenção foi interrompida por uma voz.

- Procura alguma coisa, moço?

O gerente tremeu dos pés à cabeça, estava tão entretido com a visão que não percebera a chegada do velho à janela do automóvel.

- Sou o vigia da rua, talvez eu possa ajudar...

- Ah, sim, desculpe, estou procurando sim – disse, mal conseguindo esconder o susto – recebi um pedido para esse endereço – mostrou o papel rabiscado para o estranho - então, mandei meu motoboy para efetuar a entrega, mas ele não voltou. O senhor sabe onde fica esse número?

- Sim, sei sim, o moço está diante dele – o gerente girou o rosto e foi invadido pela surpresa – mas, acho difícil alguém ter feito algum pedido desse número, como vê, isso aí está em ruínas, há anos, já foi uma fábrica produtiva, mas hoje é só escombros....mas, espere, que luz é aquela lá dentro?

- Luz?

- Fique aí, moço, vou tirar isso a limpo...

- Ei, espere...

O velho, com uma lanterna em punho, saiu em disparada, algo incompatível com a idade que aparentava, passou pelo vão aberto no muro e desapareceu na escuridão. O gerente da lanchonete saiu do veículo e ficou olhando, atônito, para as ruínas. Então, caminhou lentamente até a entrada, assustou-se com um grito pavoroso, percebeu um clarão no interior da fábrica e caiu inconsciente.

* Leia a continuação desse conto na escrivaninha do meu amigo Xande Ribeiro

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 19/10/2009
Reeditado em 19/10/2009
Código do texto: T1875370
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