Vale dos Mortos

Vale dos Mortos

´´... O silêncio era mortal, nem mesmo as árvores balançavam ao sabor do vento. O ar era pesado, com cheiro de morte. Este era o vale dos mortos, onde homens lhe entregavam a vida, onde a vida não tinha valor...``

Eric era um lamurioso homem, ficava horas e horas isolado do resto do mundo em seu apartamento no centro da cidade. Há cinco anos atrás, ele era um homem diferente do apático e depressivo ser vulneral as drogas e outros escapismos que somente os covardes se rendem. A culpa pela morte dos filhos e da esposa o consumia dia após dia.

Então em um dia chuvoso, ele decidiu morrer. Colocar talvez um fim naquele vazio que lhe devorava a alma. Partiu com a mochila nas costas para a floresta, conhecida como o vale dos mortos. Ao chegar, dispensou o guia, começou a caminhar pelas trilhas, solitário. O silêncio era desesperador, os pássaros não cantavam não se ouvia nem mesmo o som dos ventos nas copas das árvores, tudo era morte. A paisagem bucólica não lhe inspirava paz, mas sim o medo e o cheiro putrido era a única coisa perceptível, impregnada nas árvores, na terra e nas narinas de Eric.

Milhões de pensamentos pairavam em sua mente sobre sua morte. Será que o esqueceriam ali para apodrecer ou ser devorado por animais selvagens? Haveria alguém para lamentar a sua morte? Todos estes sentimentos, dúvidas e anseios eram registrados em um livro de folhas pálidas. Olhou ao redor e viu que a solidão era algo frustrante, queria gritar, chorar, mas ali ele sabia que não haveria ninguém para ouvir dos seus lamentos.

Subitamente uma lufada de ar passa violentamente entre as copas das árvores. Uma figura surge nas sombras, uma jovem turista sentou-se aos pés da grandiosa árvore, com o olhar cansado e perturbado ela diz;

_ pensei que fosse a única pessoa neste lugar...

_ eu também ...- reponde Eric.

_ bem...você veio pelo mesmo motivo não é?-Pergunta a moça.

Eric ficou em silêncio, desviando o olhar para os lados como se quisesse fugir daquela constrangedora pergunta. A jovem o observava atentamente, com um sorriso irônico no canto dos lábios.

_ foi o que pensei, o olhar denúncia...eu também vim para isto mas me falta coragem...

Eric roçou a barba rala, tomou o ultimo gole do cantil de água, aspirou o ar pesado que lhe invadia os pulmões e perguntou;

_ sei que não é de minha conta, mas o que a levou a tomar tal decisão?

_ eu apenas cansei...a vida exige muito de nós e no final de tudo, não vivemos vegetamos. Foi assim com as minhas neuroses da vida moderna que cheguei à conclusão de que tudo isto não vale a pena...e você ?

_ há muito tempo não falo sobre isto. A minha vida se foi quando minha família morreu em um acidente...a minha alma foi drenada de mim no momento em que tive de reconhecer os restos, do que sobrou das pessoas que eu mais amava no mundo, unidos ao ferro retorcido e ao sangue que lavava o asfalto...

Os olhos de Eric se encheram de lágrima, a dor da perda era insuportável. A jovem o fitava compartilhando da tristeza daquele homem.

_ nossa...que história...como sou egoísta, motivos tão pequenos diante da sua dor, eu sinto muito por sua família...

_ não a o que sentir, apenas isto...

De repente ouviram um grito distante. A jovem assustada empalideceu e correu desesperadamente entre as árvores seguindo o som. Eric a seguiu sem entender o que estava acontecendo, observando que a figura da jovem se mesclava a floresta, desaparecendo e reaparecendo diante de seus olhos. Ao chegar próximo a uma clareira, sentiu o ar tornar-se quente e rarefeito, olhou para os lados e não havia nada a não ser o corpo disforme que jazia entre as raízes que brotavam pelas costelas abertas. Quase que irreconhecível, a jovem estava morta, os olhos opacos amarelados fitavam o imenso vazio do céu. A morte estranhamente á havia consumido a tempos, desta forma Eric começou a questionar sua própria sanidade.

Ele caminhou por horas, seu corpo estava se entregava ao cansaço , a boca ressecada, os pés cheios de bolhas, a fome o consumia. Sensações extremas estas que ele jamais sentira antes. A chuva começou a cair, banhando a terra e transformando tudo em um grande lamaçal. As gotas gélidas lhe caiam a face, eram um alivio imediato a sede. Eric sentia seus pés afundarem na terra lamacenta, caminhou a procura de um refúgio, mas um passo em falso colocou sua vida em risco. Despencou por uma inclinação, seu corpo debatia-se contra árvores e troncos. Seus olhos se fecharam e tudo se tornou escuridão.

Finalmente abriu os olhos, a visão turva se fixou em dois pés que balançavam diante dele. Levantou-se assustado com a visão. Um corpo inerte sustentado por uma corda grossa em seu pescoço, o rosto estava oculto pelos cabelos negros, mas a pele já exibia as primeiras cores da morte. Eric sentou-se diante daquela doentia imagem, e lamentou por estar em uma fazenda de corpos no meio do nada, lamentou por sua estúpida decisão. Colocou as mãos no rosto cansado de olhos profundos e chorou. Uma tosse seca invadiu o seu silêncio, a figura morta pendurada a corda abria os olhos, as pupilas azuladas fixavam os olhos de Eric. O sorriso forçado a boca exibia os dentes amarelados e uma densa saliva avermelhada lhe escapava a boca. Era a imagem mais grotesca e assustadoramente horrenda que Eric virá na vida, estático ela fixara o olhar como se sua alma houve-se sido arrancada do corpo e tragada para o nada, o imenso e eterno vazio.

O coração palpitava, o corpo rendido ao cansaço e a mente destruída se entregaram, ajoelhou-se ao chão em um ato de desespero final. O corpo com sua voz ressequida lhe disse;

_ não se preocupe, logo estará entre nós, pois é muito tarde para arrependimentos...Eric...

Em choque, Eric fechou os olhos, o som, o medo e as sensações desapareceram...

Ao acordar, estava limpo e confortavelmente aquecido em uma cama. Uma senhora de face corada o observava;

_ quem bom que acordou...

_ onde estou?

_ você foi encontrado pelo grupo de resgate, estava inconsciente aos pés de uma árvore...você teve sorte rapaz, muitos vêm para esta floresta para morrer, a maioria consegue, mas você rapaz foi salvo...

_ salvo! O que mais quero é voltar para casa, que idiotice a minha, senhora...

_ pois é...já o outro não teve a mesma sorte...- apontou o dedo enrugado para a cama ao lado, onde um corpo estava coberto por um lençol branco.

_ outro?...

_ pobre rapaz, foi encontrado enforcado...coitadinho...seus pertences estavam espalhados mas conseguimos recuperar alguns, infelizmente não foi o suficiente para determinar a identidade dele.

Eric observou o corpo ao lado e viu o seu caderno colocado em uma cabeceira próxima a cama. A Senhora levantou-se e caminhou vagarosamente em direção a porta.

_ espere!...Irá me deixar aqui com um cadáver?- pergunta Eric.

_ nós não temos outro lugar para colocá-lo, infelizmente terá de passar a noite ao lado dele. Amanhã o nosso grupo irá te acompanhar até a saída do Vale...não se preocupe afinal de contas deve temer os vivos e não os mortos, tenha uma boa noite...

Dito isto a senhora saiu e fechou a porta, deixando-o com aquele silencioso companheiro. Eric estava visivelmente desconfortável com a companhia, mas não havia outra alternativa a não ser dividir o espaço com aquele corpo fétido. Olhou para a cabeceira da cama e pegou o livro para folhear suas últimas anotações. Nas páginas, algumas anotações incompreensíveis, rabiscos e desenhos incoerentes, as frases começavam a se formar´´ sim eu irei me entregar``,´´venha conosco, você será nosso, eternamente nosso``, em outras páginas estava ´´ a corda será sua salvação``. Eric ficou confuso e perturbado, começou a folhear com mais velocidade, `` você será a companhia da morte...não se engane Eric...estou ao seu lado``.

Ele lançou o caderno ao chão consternado, olhou para o corpo ao lado enrijecido que erguia a mão pálida para retirar o lençol que lhe cobria o rosto, abriu os olhos com esforço, às pupilas vazias fixavam os olhos de Eric, e ele fixava os olhos do morto. A boca azulada ressequida se abria em um movimento disforme e disse _ eu sou sua morte e você será minha companhia para sempre....

Eric encarava a si próprio naquela face distorcida.

Um grito de desespero ecoou pela floresta, pois o vale dos mortos não se esquece de ninguém.

Fim.

Por favor, registre opiniões.

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 14/10/2009
Reeditado em 11/07/2010
Código do texto: T1864862
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.