O poço
Olhou para o interior do buraco escuro e profundo, que exalava um odor de mofo e folhas velhas em decomposição. Já havia sonhado com aquele poço e não gostava de ter que ir até ali.
No sonho, assim como naquele dia, seu pai a mandara buscar um balde de água no poço. Quando chegou lá, ela amarrou o balde de madeira na corda e começou a baixá-lo, para que atingisse a água. No entanto, quanto mais baixava a corda, mais apreensiva ficava, porque o balde não batia na água. Por fim, já baixara toda a corda, sem ouvir barulho de água alguma. Suspirando, começou a puxar para cima a corda, pensando que talvez o poço tivesse secado.
Quando o balde começou a aparecer, um diabrete medonho e pequeno surgiu, saltando do recipiente. Tinha enormes olhos amarelos, esbugalhados como bolas de golfe, que a fitavam com malícia. Seu corpo era revestido apenas por uma carne vermelha e putrefata, cheia de pústulas retorcidas e de algumas delas corria um líquido amarelado e mal cheiroso, semelhante ao pus de uma ferida gravemente infeccionada.
O diabrete a fitou, balançando a cabeça enorme, desproporcional ao seu corpinho, fitando-a com interesse, até abrir a bocarra, exibindo várias fileiras de dentes marrons e pontiagudos, semelhantes a um conjunto de facas tortas enfileiradas.
Nessa hora, ela gritou e se virou para correr, mas o demônio mordeu seu punho com força, arrebentando sua frágil pele de menina. O sangue começou a verter em filetes, por sua mão, enquanto ela tentava livrar-se da criatura, mas ele não estava disposto a soltá-la. Lágrimas vertiam dos olhos dela, enquanto o diabrete a puxava, com força, na direção do poço. E ela gritou e choramingou, implorando pra ficar ali, mas a pequena criatura a olhou com voracidade e alegria, antes de se jogar com ela para a escuridão.
No fim de uma eternidade, caindo pelo buraco do poço, ela sentiu que estava numa superfície úmida, composta por vários fios. Apalpou-os por longos instantes, até descobrir que eram cabelos. Vários e vários fios de cabelo, formando um verdadeiro ninho. E ali caída, se sentiu como uma enorme mosca aprisionada na teia da aranha.
As risadas do diabinho encheram toda a escuridão que a cercava, como se ele voasse ao seu redor.
E, de repente, sentiu que algo se movia sobre seus pés. Olhou para lá, mas não conseguia enxergar bem. Com apreensão, colocou as mãos nos pés e apertou-os. Quase imediatamente, soltou uma exclamação de nojo. Eram vermes... Pequenos e roliços, eles subiam por suas pernas.
Sentindo asco dos animais, ela tentava livrar-se deles, mas logo notou que era uma tarefa inútil: eram muitos. Logo eles a cercavam, escorregando por suas coxas, por sua barriga, seus braços... Uma enorme massa de minhocas, que parecia disposta a sufocá-la.
Então, o sonho acabava.
E agora, sempre que voltava a fitar o buraco do poço, ela sentia aquele palpitar apreensivo, como se o diabo fosse realmente sair daquele poço sem fundo para buscá-la e levá-la para os vermes.