Mofo

David estava achando aquilo o máximo. A casa nova era muito melhor do que ele havia imaginado. Não importava que sua irmã chata tivesse ficado com o segundo melhor quarto. Não, mesmo. Ele agora tinha algo muito melhor.

A casa tinha uma adega. A porta estava aberta e revelava uma escadaria que descia até um recinto escuro e de onde vinha o cheiro de terra e um outro cheiro, adocicado. David achava que era vinho.

Claro, pensou. A adega está cheia de vinho, seu burro. Presente dos antigos moradores.

Aproveitou que ninguém estava olhando e começou a descer as escadas. Sua mãe, que naquele momento estava descarregando uma tonelada de utensílios de cozinha no chão da garagem (a garagem era, por enquanto, o único lugar mais ou menos vazio daquela casa), ficaria louca se soubesse que ele estava se enfiando sob a terra num buraco úmido, escuro e passível de ser habitado por três diferentes tipos de criaturas infecciosas: ratos, aranhas e o barbeiro. Já ele, achava incrível estar ali. Se tivesse sorte poderia até pegar numa caranguejeira de verdade. Imagine só, que radical!

Assim que pisou na madeira coberta de musgo do primeiro degrau, levou um escorregão e terminou a viagem até lá embaixo deslizando sobre o traseiro gorducho. O som da sua respiração acelerada encheu a adega vazia e sombria. Mal teve tempo de soltar um risinho nervoso quando ouviu o baque da porta contra o umbral. Uma rajada de vento fechou-a.

- Mas que droga!

A escuridão caiu sobre ele como um cobertor. Estava frito. Assim que sua mãe descobrisse onde ele estava iria fazer com que ele ficasse sem o computador por um bom e longo, longuíssimo, tempo. Estava frito...

Tateou, tentando engatinhar escada acima, mas aquela porcaria de mofo, ou musgo, ou o que fosse, era liso como ele nunca vira na vida.

- Ai, merda!- disse ele ao bater o joelho com força na beirada de um degrau. Ia ser show quando sua mãe o visse com a calça rasgada, sujo e com os joelhos esfolados.

- Droga, droga, droga.

De repente, ouviu um burburinho como se uma família inteira de roedores estivesse batendo um papinho, falando do moleque gorducho subindo de quatro até a porta fechada, lá em cima.

Seria o cúmulo se se importasse com a opinião de um bando de ratos, não seria? Claro que sim, porém David não resiste em conferir se eles estão mesmo se aglomerando atrás e em volta dele, pequenos expectadores animais.

Claro que os ratos não estão nem aí para ele. Na verdade, aquela casa nunca teve ratos, nem aranhas, nem barbeiro e nenhum outro tipo de vida além daquele musgo sob as mãos de David. E na escuridão subterrânea daquele lugar- que não era uma adega-, ele viu o brilho fluorescente e a superfície aveludada que cobria não só o chão, mas cada milímetro das paredes em volta dele.

- Que porcaria é essa?- perguntou-se o garoto.

O cheiro adocicado que ele havia sentido do lado de fora da “adega” era mais forte e só agora ele percebia que vinha do mofo, porque era mesmo mofo o que cobria os degraus. O cheiro estava insuportável, quase sufocante.

David estava achando aquilo muito sinistro e continuou a subir de quatro os degraus escorregadios, mais rápido dessa vez. Estava ficando sonolento e zonzo.

Sentiu-se exausto quando finalmente encontrou a porta, parecia que tinha sido acometido por uma moleza sem igual. Uma dormência nos braços e pernas.

Achou a maçaneta e segurou-a, empurrando ao mesmo tempo. Queria sair dali logo e ir dormir.

- Ei, quem está aí?- ele não conseguia abrir a porta. Ela não estava trancada, mas alguém estava segurando-a do outro lado.

David lutou para empurrá-la, o que não foi grande coisa, já que estava muitíssimo cansado e nauseado por causa do cheiro.

- Você não vai sair daí, seu gordo!- disse a voz da irmã chata- Vai dormir aí dentro junto com os ratos e vai comer baratas pelo resto da sua vida!

A porta não recuava um centímetro e David estava batendo inutilmente na madeira coberta de mofo, fazendo partículas voarem na frente de seu rosto. O cheiro doce envolvia-o completamente.

- Deixa eu sair...- sua voz não passava de um murmúrio.

- Você vai ficar aí para sempre!- cantarolava a irmã, do outro lado.

Ele estava sufocando e perdendo os sentidos, a porta escapando da mão.

- VOCÊ VAI FICAR AÍ PARA SEMPRE, VAI MOFAR, VAI VIRAR UMA CRIATURA FEDORENTA E MAIS FEIA AINDA, RÁRÁRÁ!

Por mais que ela gritasse, esperando irritá-lo, não adiantaria. David estava morto.

A poça de sangue que se formava no chão, a partir da rachadura em seu crânio, estava brilhando coberta de mofo. Dessa vez, seu traseiro gorducho não amorteceu a queda.

- Você está me ouvindo, David?

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 08/10/2009
Reeditado em 08/10/2009
Código do texto: T1854498
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.