"Nunca deixarei de te amar"

Ele se chamava João Roberto. E como naquela famosa música antiga tinha um "opala-metalico-azul”. Mas as coincidências paravam por ai, porque ele não costumava pegar rachas na “asa sul” e nem morreu em um acidente de carro, nem sofreu perdidamente por um amor não correspondido. Coisas que não impediam o jovem João Roberto – com seus grandes e expressivos olhos azuis, seus cabelos loiro-ondulados caindo por sobre os ombros fortes, e seu corpo atletico de jogador de futebol americano – de fazer sucesso com as menininhas mais novas – e consequentemente menos requintadas – do colegio.

Foram muitas as vezes em que João Roberto passara com seu opala, em frente ao colegio que estudava, rangendo até a ultima engrenagem suja de oleo, enquanto os alto-falantes do carro “explodiam” tocando “Boys don´t Cry” no ultimo volume. E quando ele passava todos diziam; “Vejam... Lá vai o João Roberto com seu opala metalico azul... O cara mais boa pinta do colégio”. As menininhas então suspiravam e soltavam gritinhos silenciosos de “Ai!!! Como ele é lindo!!!”, enquanto outras menos comportadas se esguelavam em uma disputa informal de voz; “ROBERTOO... GOSTOSOOO!!!!”. Mas ficava só nisso. Ou ao menos ficou, até aquele ultimo verão, quando J.R coheceu Amanda em uma feira de ciências realizada no ginásio do colégio.

Foi o que ele considerou posteriormente como sendo “amor a primeira vista”. Os longos cabelos loiros da garota, seus olhos castanhos ligeiramente esverdeados, seus pequenos lábios rosados e seu corpo de garota em mente de mulher, atrairam o tão cobiçado J.R de uma maneira que ele jamais imaginara. O resultado disso foi que exatamente um mês depois, o opala de J.R não se encontrava mais vazio. O estofado de couro do banco do carona agora era sempre ocupado pela garota loira dos olhos castanhos. E os comentarios quando ele passava em frente ao colegio também haviam mudado. Os garotos da oitava serie se impressionavam com a beleza delicada daquela menina, enquanto as outras meninas – aquelas que outrora gritavam histericamente – ficavam imaginando o quão bom seria estar no lugar dela.

E assim o tempo passou, e o amor entre os dois – como era de se esperar – apenas aumentou. Concluiram o segundo grau juntos e passaram por todo o resto da adolescencia aprendendo um com o outro o verdadeiro significado da palavra “amor”.

J.R ingressou no curso de veterinaria, enquanto Amanda optou por biomedicina. Mas é claro, na mesma universidade. Agora que estavam juntos, não permitiam de maneira alguma que o destino os separasse. Eram – assim como a avó de J.R costumava falar – “unha e carne”, como “feijão e arroz”. “Lados opostos de uma mesma moeda”. Um completava o outro. E assim viveram felizes por um longo tempo.

Veio entao a maturidade. Passaram a viver juntos, sobre o mesmo teto, e com muita luta compraram uma modesta casa em um bairro nobre da cidade. Ambos se formaram ao mesmo tempo e fizeram uma grande festa no quintal da casa para comemorar a formatura.

Todos os amigos estavam presentes. Os de J.R e os de Amanda. Desde os mais antigos até os mais atuais. Ninguém ficara de fora da lista. Entre os amigos de Amanda se destacava um jovem robusto e de rosto bonito, que atendia pelo nome de Ricardo (Rick para os intimos). Rick era o tipo de homem recem saido da adolescencia. Em certos aspectos bem parecido com J.R. Naquela tarde Amanda apresentou Rick a J.R e ambos conversaram por um bom tempo. Haviam se dado muito bem. Tão bem que logo se tornaram amigos e viraram socios de uma clinica veterinaria. Rick entraria com o capital e J.R com a mão de obra. A idéia deu certo, gerando muito lucro para ambas as partes.

J.R aproveitou a boa fase para finalmente – depois de ensaiar muito em frente ao espelho – pedir Amanda em casamento, em uma tarde de verão ensolarada enquanto passeavam pela praia.

Foi tudo muito rapido. Entre o casamento e a lua de mel se passaram exatamente três semanas. E quando menos notou, J.R já estava de volta, trabalhando incansavelmente na clinica veterinaria, que permanecia crescendo e gerando lucros.

Dois anos se passaram. J.R ainda trabalhando na clinica – agora com dois ajudantes – e Amanda fazendo o papel de dona de casa. Certa vez ao chegar em casa mais cedo do trabalho, com a lua cheia despontando no céu sem estrelas, carregando um belo buquê de rosas na mão direita, J.R notara o carro de Rick estacionado nos fundos da casa. Sobressautou-se com um pulo, ao ver o amigo saindo da casa. Escondeu-se instintivamente atras de um arbusto e ficou apenas observando, sem realmente se dar conta do "porque estava fazendo aquilo". Talvez o amigo estivesse apenas fazendo uma visita informal, o que não justificava em nada aquele tipo de reação por sua parte. Mas foi exatamente enquanto pensava dessa forma que J.R sentiu seu coração se partir em mil pedaços, ao ver, sob o brilho opaco da lua, Amanda abraçar Rick carinhosamente, lhe dando um rapido beijo na boca.

Sentindo-se como se uma mão estivesse pressionando seu coração por dentro, J.R esmagou o buque de rosas entre as mãos, como se fosse um copo plastico, e naquele momento sentiu um misto horrivel de tristeza e raiva. Esperou que Rick fosse embora e alguns minutos se passassem para que ele pudesse entrar na casa, ainda carregando o buquê de rosas, ligeiramente amassado entre seus dedos.

Sua mulher o recebeu como sempre recebia. Com um descontraido sorriso no rosto, beijos e abraços carinhosos. Mas assim como ele já esperava, ela percebeu uma leve mudança nas feições de J.R. Por mais que ele tentasse esconder, a dor era muito forte para ser simplesmente ignorada.

“O que houve querido? Aconteceu alguma coisa na clinica?” – perguntou ela preocupada. Em resposta J.R apenas moveu a cabeça negativamente, e falou: “Não querida. Só tive um dia dificil. Foi só isso.”

Naquela noite Amanda preparou a melhor comida que J.R já esperimentara em toda sua vida. E ele comeu o máximo que pôde, tentanto a qualquer custo evitar as lágrimas enquanto o fazia.

J.R não apareceu na clinica no dia seguinte. Nem no outro, e nem nos outros dois dias. Rick preocupado com a ausência do sócio (e com a insistência que ele tinha em não atender seus telefonemas) resolveu fazer uma visita e verificar pessoamente o que estava acontecendo.

Chegando lá encontrou a porta apenas encostada, e como quando chamou não obteve resposta, resolveu entrar. Atravessou a sala e a cozinha, chamando pelo casal, ainda sem obter resposta. Caminhou até o quarto e quando abriu a porta sentiu um cheiro horrivel vindo de lá. Não mais horrivel do que a cena que viu, que o deixou em estado de choque.

No quarto, deitada de bruços na cama do casal, estava Amanda, semi-nua, com um machado cravado nas costas e sangue espalhado por todos os lados. Bem em cima dela, pendendo de um lado para o outro, estava J.R, pendurado pelo pescoço em uma corda presa no teto. Embaixo, ao lado do corpo de melinda, Rick viu um buquê de rosas vermelhas, com um bilhete pendendo entre as petalas de uma delas, onde estava escrito:

“Nunca deixarei de te amar”

J.R.

E há quem diga que até hoje, em algumas noites de lua cheia, se você se esforçar um pouco, pode ver um opala-metalico-azul, com uma linda garota loira e seu namorado, rondando aquela casa, com o alto falante do carro tocando “Boys don´t Cry”.

FIM