Morcegos
Ouvi passos abafados subindo os degraus de madeira que traziam até o sótão onde eu estava escondido. O ruído era apenas dos passos, não havia som de respiração ou vozes. Anteriormente o som das portas abrirem, não houve som algum, mas agora existia, e estava próximo demais!
Supostamente a casa deveria estar vazia, era isso que todos diziam no bairro. Ninguém mora na velha casa, só as aranhas e morcegos. Com isso em mente, arrumei minha pequena mochila de aventura e vim averiguar a vida dos pequenos mamíferos voadores. Sempre tive uma fascinação incrível por morcegos, desde a primeira vez que ouvi falar deles aos sete anos de idade.
Mas para meu azar, não havia nenhum por ali quando cheguei, pouco antes do anoitecer. Fazia algumas horas que estava dentro da velha casa, e não havia encontrado animal, pessoa, na verdade, eu não encontrei nada que fosse digno de nota.
Era uma casa realmente velha, isso dava para notar pelas paredes, forro e assoalho já destruídos pelos cupins. Não havia tinta cobrindo as paredes fazia muitos anos. As cortinas estavam completamente acabadas pelo acúmulo de traças e mofo. Quanto aos móveis, se é que se pode chamar aquilo de móveis, não restara muita coisa que se pudesse de alguma maneira utilizar.
Ainda não sei ao certo como consegui chegar são e salvo até o sótão, supostamente no terceiro pavimento da construção. Levei alguns sustos em meu caminho até aqui, pisando em falso em tábuas completamente destruídas, onde o que apenas restara era a fina capa um dia envernizada. Mas, fora leves arranhões e uma grande dose de adrenalina corrente, tudo estava bem comigo, até agora.
Dezoito degraus, eu havia contado ao subir. E faltavam apenas cinco para a pessoa chegar ao alçapão de entrada. A maçaneta girou levemente, estava um pouco emperrada pela falta de uso e acabou provocando o mesmo ruído de metal enferrujado que fez quando eu o acionei, cerca de quarenta minutos antes.
Meu corpo inteiro tremia enquanto eu estava escondido atrás de um grande armário podre de madeira, recheado de velhas folhas amareladas comidas pelas traças. Três metros me separavam da entrada e outros quatro, da única pequena janela no aposento.
A tampa do alçapão abriu-se, deixando uma pequena fresta de luz entrar, a luz promoveu a sombra de uma cabeça projetando-se na parede oposta a mim. Contrai as mãos e mordi os lábios, certo de que o silêncio era a melhor proteção que eu poderia ter.
Quando a cabeça dele emergiu por sobre a altura da tampa do alçapão, pude ver que seu cabelo se rarefazia no topo assim como havia duas grandes falhas próximas à testa. Por certo era um homem com cerca de quarenta anos de idade ou mais. A pele era branca, sem bronzeado algum, mas talvez fosse apenas o excesso de contraste com o cabelo preto e liso que brilhava.
O paletó negro dele tinha um corte antigo e podia-se ver que era manual, os botões eram de um dourado profundo, lembrando ouro. Por baixo do paletó, por certo uma camisa social branca de manga comprida, pois o punho da camisa era visível, contrastando com a cor do paletó, mas quase do mesmo tom da pele do homem.
Ele trazia à mão um velho lampião à gás, subitamente mudou a direção do lampião e caminhou diretamente na minha direção. Os passos eram largos e firmes, em menos de três segundos ele me teve à sua mercê. A mão forte dele segurando-me pela gola de minha frágil camiseta vermelha enquanto a outra erguia o lampião para meu rosto.
- Seu coração bate alto demais! – disse ele me largando em seguida.
Era a mais pura verdade porém, eu conseguia escutar meu coração acelerado, batendo como uma máquina prestes a alcançar a exaustão. Ele virou-se e olhou em volta, um grande morcego negro aproximou-se e pousou em seu dedo indicador.
Meus olhos hipnotizaram-se no pequeno voador. A perfeição das asas membranosas era inacreditável, muito mais do que os livros ou fotografias podiam me dizer. Os minúsculos dedos agarravam-se às pontas da asa e puxavam-nas para junto do corpo, exatamente como eu podia imaginar. As patinhas musculosas equilibravam o corpo, que assemelhava-se em muito com o de um grande rato do banhado, sobre o dedo daquele homem.
Ele ofereceu o morcego à mim, eu estava incrédulo, a criatura simplesmente o obedecia, como um cão treinado faz com seu dono. Caminhou lentamente da mão dele e foi até a minha, deslizando suavemente seus pés na minha pele, e alcançando um ponto satisfatório onde conseguisse equilíbrio em meu dedo.
- Quando terminar com ele, solte-o sobre o armário, e saia de minha casa. Não conte à ninguém nada sobre aqui, nem sobre mim. Não fale nada sobre nada.
- Posso vir visitar os morcegos outra vez?
- Apenas se desejar se tornar como um deles! – ele falou, a voz pesada e arrastada, enquanto ele dirigia-se para a saída, me deixando completamente abobalhado.
O sol começava a surgir lentamente na janela, quando me dei conta que o morcego saia por si só de meu braço e voava para algum canto escuro. Passei o restante da noite apavorado, observando a entrada do alçapão, mas não houve ruído, não houve conversa, não havia som algum, apenas meu coração, batendo alto demais.