O Espelho Escarlate
Eu e meu irmão mais novo estavamos mergulhados em um mar de tédio sem fim enquanto observavamos nossos pais conversarem distraidamente com meia dúzia de amigos.
Estavamos na casa de um amigo de meu pai, amigo antigo, da faculdade, um homem de aparência peculiar, traços marcantes, e feições maltratadas pelo tempo. Um homem um tanto esquisito, cercado de um ar misterioso. Assim como ele, sua casa era um tanto quanto diferente do que se espera ver atualmente, toda revestida de madeira nobre , com uma iluminação pobre e camadas de poeira por cima dos diversos móveis feitos do mesmo material, dava-nos a impressão de que estávamos vivendo pelo menos há uns 30 anos.
Voltando ao meu tédio, encontrava-me sentado em um pequeno banco igualmente de madeira enquanto meu irmão alegremente desferia golpes em minhas pernas na infeliz tentativa de matar o tempo, quando me levantei e andei em direção ao estreito corredor de igual iluminação precária. Atrás de mim, meu irmão não tardou em advertir-me "vou contar para o papai que você anda xeretando por aí", mas como foi por mim ignorado, não hesitou em seguir-me.
No final do longo e estreito corredor encontramos uma gigantesca e velha porta de vidro escurecido, nos entreolhamos por um momento. Geralmente não nos dávamos bem, viviamos brigando mas naquele momento a curiosidade tomou conta de nossas infantis mentes.
A porta era diferente das outras, chamaria a atenção de qualquer desavisado, ainda mais de crianças entediadas.
Depois de alguns instantes de hesitação giramos a maçaneta redonda de metal e logo nos encontramos dentro de um cômodo fétido e terrivelmente abandonado. Teias de aranha tomaram conta do lugar, estava escuro, mas ainda assim teimamos em nos aventurar pelo sítio.
No lado oposto da parede em que se encontarava a porta de entrada encontramos um enorme espelho, de formato circular e moldura dourada, muito bem trabalhada. Seria um espelho qualquer se num fosse pela coloração vermelho-sangue a qual subtamente havia se transformado.
Assustados, recuamos uns dois passos, mas igualmente tomados pela curiosidade observamos fixamente o estranho artefato. Era como se estivessemos hipnotizados pelo objeto, meus olhos só o encontravam, como se eu estivesse usando uma viseira. Minha audição fora tomada por um silêncio agoniante, eu estava perdendo a noção que meus sentidos sempre me deram. O chão sob meus pés haviam sumido. Minha mente estava tomada de escuridão.
Silêncio.
Agora eu me encontrara em minha escola.
Estranho, o recanto estava vazio.
Ruídos.
Armários enfileirados eram vistos até o infinito pelo corredor.
Medo.
Estava sozinho. Andava pelo corredor de piso xadrez. Contudo, o cenário continuava o mesmo.
Ruídos.
Alguém ou algo me seguia.
Apressei meus passos, mas de nada adiantava. O cenário nunca haveria de mudar, estava andando no infinito.
Subtamente parei paralisado.
Criaturas sombrias me cercavam rapidamente.
Espectros negros bailavam com selvageria ao meu redor.
Guinchos tomaram conta do infinito corredor.
Começaram a se aproximar. Não tinha como fugir, eram muitos.
Medo.
Aquelas criaturas começaram a subir por minhas pernas.
Dor.
Gritos.
De repente a minha frente pude avistar o espelho maldito.
Criaturas negras tomavam conta do meu ser.
Me debati contra os armários antigos.
Risos.
Risos maléficos agora se sobrepunham aos guinchos.
Desespero.
Alcancei o que parecia uma barra de ferro.
"Daonde surgiu isso?"perguntei-me. Mas não interessava. Desferi golpes sem destino no ar.
Algumas criaturas se afastaram.
Dor.
Estava com mordidas em toda superfície de meu corpo.
A risada não parara.
Corri em direção ao espelho. Incansavelmente o golpeava.
Começara a trincar, mas a risada agora estava cada vez mais alta e agora tinha perdido o tom maléfico, dava lugar a um som demoniaco.
Eu começara a perder a visão novamente. Apenas o Espelho em minha frente parcialmente quebrado sobrara.
Eu não me cansava de bater.
Batia cegamente.
Gritos desesperados de pessoas tomaram meus ouvidos.
Abri meus olhos.
Via novamente a cor escarlate, mas agora em minhas mãos.
O corpo desfigurado e sem vida de meu irmão no chão.
Terror...
Medo....
Confusão...
Lágrimas...
Escuridão.
Sim, eu o tinha feito. Era fato que não gostava muito dele. Mas isso?
Avistei o velho anfitrião da casa. Tinha uma expressão fria e indiferente. Agachou-se e sussurou perto de mim. "Eu guardo esse espelho comigo, para que nenhum mal ele possa cometer. Mas você o buscou e por ele foi tomado. Desculpe garoto.
Desmaiei.
Hoje, depois de 5 anos do incidente.
Tive minha liberdade reduzida. Preso em um hospício. Justo. Tendo em vista o que fiz, deveria estar morto.
Nunca fui capaz de entender o que aconteceu naquela noite.
Até hoje meus sonhos são tomados pela risada maligna e pela figura assombrosa do espelho.
Escrevo isto porque preciso de alguma forma me libertar deste tormento, mostrar que não tive culpa.
Mas, quem haverá de acreditar numa mente perturbada?