A MALDIÇÃO DO VAMPIRO

Uma brisa suave, acompanhada pelo doce e fresco aroma que normalmente surge após a presença marcante de uma chuva forte no fim de tarde. Ela estava feliz, a noite se iniciava exatamente do jeito que ela apreciava: escura e fria. Ela não enxergava a sua condição como uma maldição, muito longe disso, sentia-se abençoada por um dom, uma dádiva especial que lhe fora concedida e que a possibilitava vislumbrar o mundo através de diferentes pontos de vista, sob todos os nuances.

Enquanto saltava pelos telhados daquele canto remoto da cidade, estalava a língua contra o céu da boca aguçando o paladar, já antevendo a possibilidade real que estava prestes a se oferecer a ela.

Embora a sua vil existência lhe fornecesse certas aptidões, essa mesma natureza lhe impunha algumas limitações, mas, ela aprendera a contornar boa parte delas com a perspicácia aguçada, característica da sua espécie. Um desses obstáculos revela-se através da impossibilidade em romper os domínios de um território alheio, a não ser que lhe seja concedida permissão para tal. Muitas das vezes o alvo escolhido exerce tamanho fascínio sobre as criaturas, como ela, que estas utilizam-se de diferentes artifícios para reverter a situação.

Neste caso em especial, ela fez uso da eficaz e magnética sedução para receber o tão desejado convite, e assim, ter o caminho pavimentado e aberto para a sua entrada. Ela poderia entrar pela porta da frente, acionar a campainha e ser bem recebida, mas essa atitude não seria digna de alguém de sua estirpe. O conhecimento a ela transmitido, através do contato sanguíneo feito por aquele que lhe cedeu o dom, alertava claramente sobre a necessidade de causar o efeito esperado nos eleitos como vítimas, ela mesma experimentara essa sensação quando fora encurralada, ainda se lembrava da exata sensação quando Christian a subjugou.

Desde aquela noite nunca mais o vira, melhor assim, a solidão era imprescindível à vida noturna.

Saltar do telhado e pousar suavemente sobre o piso cerâmico da varanda desejada era uma tarefa fácil para ela, assim como adentrar pelo quarto com exímia discrição, totalmente imperceptível. Sem fazer barulho algum, quase flutuando, ela começou a se deslocar pela escuridão do recinto, acendendo seus olhos para vencer a penumbra, e com isso fornecendo ao ambiente uma coloração avermelhada. Ela pensou nesse tom quando sentiu um forte odor assaltar-lhe as narinas, era um cheiro familiar, doce, e tão desejado que chegava a causar-lhe dor.

Tomada pela ansiedade, ela não se atentou para um detalhe, a origem do agradável aroma. Mas, esse mistério fora logo desfeito com a cena que se apresentou diante dela, seu escolhido estava ali, alguns cortes maculavam a pele de seu tórax nu, de onde escorria farta a essência rubra de sua vida. Ela olhou curiosa, ao mesmo tempo em que pontas afiadas e alvas se faziam notar em sua boca, afinal, havia algo errado, não era ela a razão do pavor do rapaz. O que seria?

Como resposta ao questionamento mental fora transpassada por uma afiada seta de madeira de lei, instantaneamente sentiu as forças deixarem seu corpo, enquanto a ardência se espalhava e a visão se tornava cada vez mais escura. Antes de perder completamente os sentidos, ainda pôde acompanhar os últimos instantes de vida do rapaz que ela havia escolhido como alimento, um disparo certeiro o levou ao chão.

A força que exercera para realizar o simples ato de abrir os olhos demonstrava claramente que ainda não havia recuperado a capacidade plena. Seu peito doía imensamente, mas quem quer que fosse o responsável pelo ataque, também retirara o artefato de seu coração. Ela não conseguia entender o que acontecera, isso até perceber um pedaço de papel largado no chão do porão escuro e úmido de onde se encontrava.

Ao recolhê-lo, ela percebeu tratar-se de uma fotografia com um endereço rabiscado. Se aquele maldito queria medir forças, desejava um duelo, assim seria então, ele não perderia por esperar, perceberia com muita dor toda a capacidade da terrível criatura que ela se tornara. Ela seria uma maldição em sua vida.

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 30/07/2009
Reeditado em 25/11/2009
Código do texto: T1727920
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.