O PUNHAL E A FLOR
Naquela manhã a violenta explosão sacudiu todas as 30 quadras do bairro de Lanulli, na pequena capital de um país nos confins do continente, atribuída a forças sobrenaturais, a força da carga explosiva transformara a pequena estação de trem num amontoado de concreto e ferro retorcido, 870 pessoas tiveram seus corpos resgatados e mais 250 jamais foram encontrados, despedaçados pelo impacto, além de 30 feridos, que relutavam em dar depoimentos.A linha férrea que se perdia nas planícies, ao longo de 700 km para o sul em direção ao litoral. Fora desde a sua fundação, palco de trágicos sinistros.
Descarrilamentos, suicídios e as macabras aparições que provocaram paradas repentinas e não raro feridos a bordo da composição.
15 anos em território inóspito, ceifaram a vida de muitos trabalhadores, até a conclusão dos 700 km de linha.
As sombras nas noites de acampamento eram prenúncios de massacres onde o sangue era a única testemunha ao amanhecer.
Diziam às lendas que eram seres extra mundo que vinham para buscar a alma dos que viviam isolados da civilização.
E esta crença passou de geração para geração, aliada aos que acreditavam serem as sombras, espíritos revoltados, dos que morreram para que a linha férrea fosse construída.
Voltou a memória da população o dia em que a horda de cavaleiros, surgiram ao longo na planície, com rotas roupas negras e alegorias brilhantes nas cavalgaduras, durante 2 horas acompanharam o trem ao longe e num túnel nas altas montanhas ao final das planícies, lançaram seus tacapes brilhantes sobre o madeira ressecada do trem, e logo que ele adentrou ao túnel a violenta e surda explosão, sufocou em meio ao fogo e a fumaça, 1470 pessoas num inferno jamais imaginado.
Sem dúvidas voltaram as sombras que os olhos arregalados dos sobreviventes não podiam confirmar, o mesmo cheiro de morte, advindo da estação era a prova de que vieram levar mais almas.
Arderam as chamas até a tarde primaveril, quando os últimos despojos humanos foram resgatados, o crepúsculo via agora nas esquinas enormes fogueiras acesas para afugentar possíveis seres ainda nas redondezas.
Com a noite a costumeira névoa gelada das colinas transformava aquele pedaço do mundo, numa apavorante tela de horror, cada morador era uma penumbra a ser reconhecida...
Pela manhã ainda sonolentos 2 sobreviventes foram acordados com estranhos objetos em suas frentes, era o delegado que examinando
o rescaldo da tragédia, trouxe até eles pedaços de plásticos estranhos e pedaços de roupas de um tecido desconhecido no lugar.
Um deles ao olhar os trapos começou a chorar e gritar, para que tirasse aquilo dali...
A indagação do delegado foi simples e direta:
___Por quê?
Virando lentamente a cabeça para o lado do autor da indagação o paciente apenas disse...
___Eles... Os cavaleiros...
___Um frio correu na espinha da autoridade... Tirou o lenço do bolso de trás, passou na suarenta testa e apenas balbuciou...
___Por hoje é só.
Nos corredores do hospital, com o olhar perdido no passado o delegado, relembrou com angústia, as historias de seu avô, que muitas vezes repetiu a expressão cavaleiros alados, e estranhas sombras, nas noturnas conversas.
E ao descer as escadas, como se fosse naquele momento, um acontecimento antigo, no alto de uma árvore o corpo de seu avô pendurado, e as estranhas marcas de pés no chão...Seria imaginação...?
Estremeceu mais uma vez, e um ódio aliado a uma impotência definitiva, lhe fez indagar a si mesmo...
___Quem são eles?
___ E porque só aparecem aos viajantes dos trens?
Um mês depois, um Senhor de chapéu negro e longo, sobretudo, embarcava num trem pra fazer a longa viagem...
Embarcou no terceiro vagão da composição, na ultima fila de bancos, eram 9 horas da manhã, o céu estava azul, e a imensidão da planície, tinha que revelar a ele o mistério centenário.
Sentou acendeu seu cachimbo, e sentiu nos rostos a aflição em viajar por aqueles trilhos.
Seria um dia inteiro e uma noite até o destino final.
Os campos floridos e as serras ao longe, levavam ao longe a esperança que o delegado tinha de ver algo estranho, de descobrir algo que esclarecesse suas dúvidas.
Após o almoço numa pequena estação, no meio da longa planície, quando retornava ao seu vagão, olhou, numa vereda ao pé de um pequeno morro e uma imensa cruz com os dizeres “Pela paz e consciências adormecidas”,
olhou para os lados com o intuito de perguntar a alguém, a que se referia a frase, mas não viu ninguém...
Entrou no seu vagão, e viu a cruz afastar-se cada vez mais até perdê-la de vista no horizonte e adormeceu.
Um longo grito o acordou no meio da tarde, um rapazinho de 15 anos havia se atirado da janela do trem e sua mãe, gritava para que parassem o trem, mas a resposta que tinha era que na próxima estação dariam ciência para as autoridades locais procurarem o corpo e só.
Parou diante do delegado, e uma pergunta deste fez a mulher baixar a cabeça e sumir para o vagão de onde tinha vindo.
___Senhora, o rapaz viu alguma coisa? Esta foi a pergunta, sem resposta.
A noite caía e o crepúsculo, trouxe aos ouvidos do delegado rezas estranhas de todos os lados, e uma coisa o chamou a atenção, o entra e sai para o vagão atrás do seu.
Lentamente, levantou, olhou para a retaguarda e quando uma pessoa passou, viu nitidamente, que se dirigiam, para além daquele vagão, para o próximo, curioso levantou e olhou pela janela o que seria aquele vagão.
Observou ser um vagão sem janelas e deduziu... O vagão de carga, sossegou, era normal às pessoas irem até o vagão pegar coisas particulares.
O jantar em uma estação já no pé das montanhas foi rápido, ao conversar com o maquinista na mesma mesa de jantar, especulou sobre o trem, e soube deste que a locomotiva levava 12 mil litros de óleo combustível e nos motores 300 litros de óleo lubrificante, soube ainda que no vagão de carga iam apenas coisas pessoais e mais nada.
Já em altas horas ao longe observou luzes, como se fossem tochas, primeiro em círculos e depois como desenhando pirâmides, evoluía para fileiras intermináveis, aproximavam-se e afastavam-se, com extrema rapidez...
Girou lentamente a cabeça para trás e eis que as janelas estavam todas lotadas de olhos esbugalhados e um horror visível.
Pouco a pouco as luzes foram esvaecendo, até sumirem, por alguns instantes ainda aquelas almas esperaram pelas luzes mas a madrugada foi mais forte e adormeceram.
Os clarões da manhã prenunciavam um belo dia, ainda na planície sobre a penumbra das montanhas.
Mas a visão que acordou o delegado nada tinha de belo, o violento deslocamento de ar vindo da retaguarda da composição, descarrilou o trem, já transformado numa bola gigante de fogo, e pela sua compleição física magra, o delegado passou pela pequena janela e de costas caiu ao lado da ferrovia, levantou e sem rumo distanciou-se 200 metros do trem, que se transformou numa gigante panela de pressão antes do fogo atingir a locomotiva e dar início, a segunda e mais violenta explosão que ele já tinha visto.
O sol se fazia alto, quando o delegado acordou e no embaçado dos olhos pode ver filetes de fumaça a sua frente, e demais um silêncio assustador.
Ergueu-se caminhou até uma pedra sentou-se...
Olhou para todos os lados, olhou para dentro de si e avaliou o que via...
Disse para si mesmo.
___Algumas pessoas vêem flores onde elas existem e se elas não existem a simbologia de uma flor, sempre as levará a pensar coisas boas, como a vida, o carinho e o amor.
Outras vêem punhais onde eles existem e se eles não existem, fica a simbologia do mal, que sempre os levará a pensar em coisas ruins, como o suicídio, a tragédia, a morte inconteste...
Estes como meu avô, viram os punhais em suas direções e preferiram a morte ao sofrimento em algo que não supunham ser imaginário.
E lembrou da cruz que encontrou no caminho...