Carta para D.

Caro D.,

Sei que você morreu essa noite. Não sei precisar a hora, mas do fato não há o mínimo resquício de incerteza. Agora mesmo estou altamente confuso, mas creio que em breve a calma voltará a reinar em meu ser, fazendo com que venham a tona muitas coisas que eu gostaria de ter lhe dito e não tive oportunidade. É para você D., para você que resolvi escrever essas palavras. Não sei se alguma parte sua continua viva em um recôndito qualquer esquecido do universo, ou alguma realidade paralela. No fundo, isso nem importa muito agora, porque o que escrevo não é por me preocupar com você, de forma alguma. Escrevo por me preocupar comigo mesmo, sim, estou sendo total e completamente egoísta, tenho que por para fora de algum modo essa angustia pelas coisas que não disse, senão elas irão me sufocar por dentro, irão consumir minha mente mais do que ela já foi consumida.

Então, para meu bem, para que meu desgraçadamente egoísta ser possa ser poupado de algumas parcelas da dor que me corrói, vou fazer de conta que você esta aqui, ao meu lado, e pode ouvir as minhas palavras. Não creio que iria me recriminar por simular sua presença, não foi você mesmo que me ensinou a arte do fingimento? A arte de deixar a mente viajar para um lugar mais tranqüilo quando a realidade se tornasse difícil demais para se encarar? Não negue, foi você sim, portanto não reclame de eu usar esse artifício tão útil a tornar a caminhada sobre esse mundo mais suportável.

A primeira coisa que gostaria de dizer, é que sinto sua falta. Sério, sinto mesmo, em níveis que você sequer é capaz de imaginar. Ou talvez seja capaz sim, afinal, as vezes eu tinha a impressão de que você me conhecia melhor que eu mesmo, e sabia se aproveitar disso muito bem. Não estou recriminando você por isso. Se eu contasse as vezes que você usou minhas próprias fraquezas para me levar ao caminho correto. Acho que mil paginas não bastariam. Isso me leva ao segundo ponto, sou imensamente grato a você, tão grato que as vezes penso que você tinha muito mais méritos para continuar vivendo que eu. Não pense que estou falando isso da boca para fora apenas porque você está morto, eu realmente acho que ficaríamos melhores com você vivo ao invés de mim. Se existe uma vida após a destruição dessa em que estamos, certamente eu ficaria muito mais orgulhoso dos feitos que você faria quando eu partisse do que você ficará ao me ver cometer os mesmos erros que você me ajudou tanto a superar.

A última coisa, é que eu entendia você. Pelo menos sempre me esforcei muito para entender. E sei, sei com toda a sinceridade que habita em minha alma, que você nunca quis me prejudicar, que a despeito da opinião de qualquer um desses tolos que armaram contra você, eu sei que você era muito mais meu amigo do que qualquer um deles. E eu sinto mágoa, muita mágoa por terem tirado você de mim.

Onde quer que estejam os pedaços daquilo que um dia foi você D., o mais amigo entre os amigos que jamais tive, quero que essas palavras lhe cheguem, porque estou realmente muito solitário. Lembra quando uma vez você me disse que só é verdadeiramente solitário aquele que se isola dentro de si mesmo? Pois é, é como estou agora. E você sabe, que quando chegamos a esse ponto, não é possível forçar a abertura por fora, só podemos sair se alguma brecha for feita por dentro, coisa que não farei, e você não esta aqui comigo para fazê-la por mim e me obrigar a sentir o vento batendo no rosto e o odor das flores ao vento, como tantas vezes antes aconteceu. Acabou D., Realmente acabou. Eles entenderam tudo errado, e fizeram a pior coisa que poderiam fazer. Espelhos quebrados, que tolice não acha? O espelho não estava quebrado, mas agora está, total e irremediavelmente destruído. Mas sabe, há um lado bom. Pelo menos o sangue correrá farto dos cortes que sofrerão ao tentar juntar os estilhaços.

Descanse em paz,

I.

Ian Morais
Enviado por Ian Morais em 10/07/2009
Código do texto: T1693036
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