A tribo

O sol já saía detrás das montanhas, e nós, preparávamo-nos para a caçada.

A alvorada anunciava que nossa caçada começara. Por detrás do pico da montanha, saíam fechos brancos de luz que ao encontrarem o tom alaranjado do céu, formavam uma paisagem digna de um belo quadro de Van Gogh. Cavalgávamos mata adentro, armados cada um com suas armas de caça, que no meu caso eram uma Carabina Winchester, e para segurança um revólver 357 Magnum.

Dividimo-nos em trios, e o meu partiu para oeste. O vento frio que corria mata adentro fazia esvoaçar algumas moitas, e consequentemente, nos enganava fazendo pensar ser um grande roedor. Já passava das três horas, e logo a frente avistamos nossa primeira presa. Era um grande porco selvagem, que devia pesar cerca de duzentos quilos. Tio David fez sinal para irmos mais devagar e ficarmos em silêncio, mas o cavalo do primo Jonathan bufou e acabou espantando o animal.

– Vamos nos separar e pega-lo! – Gritou tio David.

Consentimos e saímos em disparada. O barulho de galope dos cavalos foi intenso como o de uma tropa inteira nos primeiros minutos, mas depois só se podia ouvir um galopar e nada mais. O cavalo agora estava cansado e andava devagar; tão sutil que não mais podia ouvir o som de seus passos. Cavalguei por um longo tempo sem nada avistar, e então resolvi voltar para encontrar os outros; inutilmente. Já fazia um bom tempo que não avistava ninguém, e precisava me alimentar. Desci do cavalo, e peguei na bolsa de couro detrás da sela, uns biscoitos que minha mãe havia feito no dia anterior. – Estão deveras saborosos –, pensava eu, recostado numa árvore que me fazia sombra.

Com os olhos fechados, agora sentia apenas o vento frio tocar minha face, e ouvia sons de folhas voando à vontade do vento. Sem dúvida eu havia caído no sono e não fora por pouco tempo. Acordei assustado ouvindo passos que pareciam vir à minha direção, chamei pelo tio David e não obtive resposta, comecei a ouvir os passos em forma acelerada, como numa corrida vindo em minha direção. Levantei rapidamente e me pus frente ao cavalo e rapidamente empunhei meu revólver e virei para a origem do som. Nada.

Pensei ter visto um índio, mas certamente foi uma ilusão. Feliz, ou infelizmente, os índios não existiam mais neste lugar. Foram todos mortos pelos primeiros integrantes da minha família há mais de dois séculos. Diz uma lenda estúpida, que eles ainda vagam pela floresta com sede de vingança, mas, como já havia dito, é só uma lenda estúpida.

Minha respiração voltava ao normal – antes estava ofegante –, e pelas pequenas brechas das folhas das arvores, saíam pequenos fachos de luz do sol, que agora estava se pondo. Montei no cavalo e segui por algum tempo tentando encontrar alguém; em vão. Já estava cansado, e o cavalo provavelmente mais ainda. Rumei para o riacho, que estava perto, e fui dar água ao cavalo. Ele bebeu da água do rio, e eu, lavei meu rosto, e após o ter feito, observava no espelho d’água o céu alaranjado por causa do ocaso do sol.

Vi também no reflexo da água, um índio com cabelos longos quase cobrindo os olhos, e com uma machadinha corroída pelo tempo atrás de mim, pronto a me... – Ah! – Gritei assustado, caindo na água. Levantei-me rapidamente e olhei onde o índio estava. Nada.

– Essas lendas malditas estão me deixando doido! – Resmungava, saindo da água, tentando inutilmente secar o meu casaco. Parei um instante e sentei à beira do lago, pensativo. O frio começava a incomodar, e por vezes até fazer doer os ossos; era incrivelmente intenso.

Fui até o cavalo, e na bolsa peguei novamente os biscoitos, uma caixa de fósforos e uma garrafa de rum.

No chão, perto uns dois metros do rio, pus pequenos gravetos e joguei rum em cima e joguei neles um fósforo aceso. Rapidamente o fogo começou a subir, e eu pus outros galhos maiores, fazendo com que, em minutos, a fogueira ficasse suficientemente grande para aquecer-me. Mas era inútil com as roupas molhadas daquele jeito. O frio agora me castigava e os meus dedos já ficavam arroxeados.

Por cima da fogueira, via trêmulos vultos correrem no fundo da mata. Fechava os olhos com força, e quando tornava a abri-los, não mais os via. Talvez ilusão de minha mente, por causa do frio e do medo – que agora estava irrefutável –.

Sentei-me, e por um tempo fiquei absorto em pensamentos temerosos. Quando retomei a consciência não mais havia luz, senão da fogueira. O sol estava em completo ocaso, não mais sendo visto, e dando lugar a um céu predominantemente negro, com alguns pontos luminosos, que para mim, pareciam melancólicos. Os vultos pareciam dançar como se zombassem de meu medo, ou estivessem prestes a realizar um ritual...

É tudo culpa do rum, dizia eu em voz alta tentando convencer a mim mesmo que isso era verdade. Os vultos se aproximavam em perfeita sincronia como num balé macabro. Eu fechava os olhos e forçava, mas os vultos não sumiam. Fechava novamente, e forçava-os com o dedo indicador empurrando para dentro da órbita. Nada. Eles continuavam a vir, e agora eu percebia ser o artista principal desse medonho espetáculo. Eles se aproximavam cada vez mais rápido com suas pinturas e vestimentas que provavelmente seriam coloridas há séculos atrás.

Com minha carabina atirei contra um deles, e este sumiu. Atirei em outro e o mesmo aconteceu. Atirei até acabarem as balas, e então me entreguei, pois todos que haviam sumido, agora reapareceram mais perto ainda. Havia um circulo de mortos-vivos em volta de mim, agora parados, exceto pelos pés que batiam no chão simultaneamente. Senti uma respiração fria e virei rápido o suficiente para ver aquela lâmina gasta rasgar o meu crânio com uma força descomunal. Depois o meu corpo caiu pesadamente, mas isso eu não vi. Pelo menos não com os olhos vivos.

Agora sou como eles. Sou um espectro que vaga em busca de luz. Mas não quero me vingar deles, afinal o destino deles foi ainda mais cruel do que o meu, pois agora eles vagarão eternamente e eu já encontrei meu caminho.

Derek Mendonça
Enviado por Derek Mendonça em 09/07/2009
Reeditado em 09/07/2009
Código do texto: T1691068
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