A Cigana
Escrito por Leonilson Lopes e Sidnei Cruz - 07 de Julho de 2009
- Deixa que eu dirijo hoje! - Leo estende a mão solicitando as chaves da palio wekeend 2001 da mão de Sid.
- Beleza, estou cansado hoje. - Sid concordou entregando a chave de seu precioso carro.
Amigos desde infância, sempre fizeram suas travessuras juntos. Foram muitas aventuras perseguindo ET's, caçando fantasmas, fingindo que dirigiam o carro do pai do Sid para sair com as "gatinhas", lançando bolinhas de papel nas janelas abertas dos ônibus que passavam e os passageiros assustados achavam que estavam lançando pedras, foram chamados de todo tipo de nome moralmente degradante nestas ocasiões, mas ainda assim era muito engraçado. Enfim, fizeram tudo o que os garotos fazem e tudo que a imaginação pode criar.
Morando em uma cidade bem pequena no interior de São Paulo, era comum que agora independentes, precisassem trabalhar nas cidades vizinhas. Por sorte, acabaram por trabalhar na mesma cidade, e tinham o mesmo horário, encontravam-se todos os dias para irem e voltarem juntos, desta vez num carro real. As "gatinhas" acabaram por ficar nas estórias imaginadas da infância, Leo era casado e Sid quase casado, já postergava o enlace a 8 anos e estava disposto a postergar um pouco mais para desespero da moça.
Para ir ao trabalho, era necessário pegar as estradas daquele lugar remoto, com asfalto tão mal conservado que parecia estrada de terra batida, além de ter mato invadindo o que um dia fora a tentativa de se ter um acostamento. Para ir ou voltar do trabalho, eles passavam por uma cidade intermediária, que era um pouco maior do que as outras duas. Paravam de vez em quando neste local para comer alguma coisa, ou comprar, já que o centro comercial desta cidade era bem melhor do que na cidade onde moravam ou trabalhavam.
Leo dirigia, era sexta feira e já noite, devido a um problema na empresa onde Sid trabalhava, acabaram saindo mais tarde. Por alguma razão, nestes momentos de maior cansaço, ambos recordavam todas as travessuras do passado, talvez porque nestes momentos de stress era de certa forma relaxante relembrar que em algum momento da vida eles foram livres e sem preocupações, chamavam isso de "momento naftalina". Conversando e relembrando todos aqueles momentos e todas as travessuras, riam a toa e sentiam-se desejosos de brincar como crianças novamente, mas a idade adulta os acanhava. Mas neste dia Sid estava disposto a brincar com alguém, talvez gritar algo a alguém com o carro em movimento na cidade intermediária, onde estavam chegando, já fosse o suficiente.
Chegando ao centro da cidade intermediária, havia ainda um grande movimento nas ruas, com lojas e bares abertos. Ao pararem no farol foram abordados por uma cigana, que provavelmente nem cigana era, pedindo que lhe permitisse ler suas mãos.
- Olá jovens, querem que eu leia o futuro de vocês em suas mãos.
- Obrigado... - Respondeu Leo, mas foi interrompido por Sid.
- Claro! - Sid estendeu o braço quase acertando o queixo de Leo. - Pode ler!
"Ele vai fazer alguma coisa...", pensou Leo suspeitando da atitude do amigo, "Essa eu quero ver...".
- Eu também sei ler as linhas da mão! - Subitamente Sid segurou a mão da cigana e tentando visualizar melhor as sujas mãos da mulher, sem perceber acabou puxando-a, a mulher sem força para reagir, praticamente estava com a cabeça dentro do carro. Leo empurrando a cabeça para trás fazia careta, enquanto tentava não respirar o cheio ruim dos cabelos da cigana.
- Veja, aqui diz que a senhora precisa de um banho e escovar os dentes, especialmente este de ouro ai na frente! - Sid começou a dizer coisas do tipo para cigana que começou a perder a paciência.
"Acho que ele está exagerando...", pensou Leo, mas sem fazer nada, pois achava graça.
- Me solta seu moleque! - Exasperada, a cigana começa a puxar mão.
- Calma ainda não acabei! - Sid continuava a segurar a pobre mulher.
Em meio àquele cabo de guerra, Sid achando graça de tudo, resolve soltar a mulher, que com o impulso foi lançada para trás e caiu sentada no chão, deixando exprimir um grito de dor. Percebendo a idiotice que acabaram de fazer, saíram rapidamente do carro e foram ajudar a mulher. Mas antes que pudessem se aproximar, um caminhão em alta velocidade, com um motorista aparentemente distraído chocou-se violentamente contra a mulher enquanto esta tentava se levantar, lançando-a a muitos metros de distância.
- Não! - Gritou Sid em choque ao ver a cena.
- Oh não, oh não, o que fizemos? - Leo desesperou-se.
- E agora? - Sid, com as mãos na cabeça, andava de um lado para o outro, vendo ao longe a mulher estatelada no chão, percebendo a poça de sangue que jazia sob o corpo dela.
- A polícia... A polícia vai vir aqui e ficar fazendo perguntas!
- Leo, foi o caminhão, o cara deve estar bêbado, olha lá! - Sid apontou para o motorista, que agora parecia desacordado dentro do caminhão, após este bater numa árvore próxima. - Não foi culpa nossa.
- Não... Não foi, não temos nada a ver com isso. Vamos embora! - Disse Leo já tentando abrir a porta do carro, mas tremia tanto que mal conseguia segurar a maçaneta.
- Vamos! - Sid rapidamente entrou novamente no carro.
E assim ambos abandonaram o local imediatamente. Sem dizer um palavra, com lágrimas nos olhos e a respiração ofegante, iam tentando manter a calma. Quando finalmente conseguiram pôr as idéias em ordem, decidiram nunca comentar sobre este fato com ninguém e nem entre si.
Os dias passaram, ouviram notícias sobre o acidente, mas como ninguém dava muita importância para os ciganos que viviam ali, nunca ficaram sabendo se a cigana sobrevivera. Alimentaram a esperança que sim e assim acalmaram suas mentes. E três meses haviam se passado, apesar da cena da mulher sendo atingida bem diante de seus olhos permanecer em suas mentes, não mais se preocuparam com o assunto e nem brincaram mais com ninguém daquela maneira.
Numa outra sexta-feira, novamente saindo tarde do trabalho, desta vez por causa de Leo, Sid estava dirigindo. E passando pelo centro da cidade intermediária, viu as ciganas querendo ler as mãos, mas desta vez apenas fechavam o vidro e não davam atenção. Atravessando a cidade e alcançando a escura e solitária estrada a caminho da cidade onde moravam, viram alguém pedindo carona, e logo perceberam que era uma cigana. Intrinsicamente sentiram a obrigação de ajudar. Ao parar o carro e aproximando-se da mulher perceberam se tratar daquela cigana do acidente.
- Não me machuquem! Saiam daqui! - Quando a cigana percebeu quem eles eram, ela desistiu da carona e começou a andar mais rapidamente, mancando bastante.
Felizes e aliviados por verem que a mulher estava viva, quiseram muito ajudar.
- Senhora, mil perdões! Não era nossa intenção machucar a senhora de qualquer maneira, era só uma brincadeira, que acabou sendo um brincadeira de muito mal gosto, por favor me desculpe. Deixe-nos ajudar a senhora. - Sid muito sinceramente ofereceu ajuda.
A mulher ainda desconfiada acabou aceitando e entrou pela porta traseira. No caminho, conversaram e se conheceram melhor. A cigana viu que Sid e Leo eram boas pessoas, e a recíproca era verdadeira. Na distração da conversa, Leo percebeu que a cigana não estava falando mais. Virando a cabeça para trás, coçou os olhos, piscou, mas realmente era o que estava vendo, ou melhor o que não via, a mulher desapareceu!
-Ah!!! - Horrizado Leo berrou.
Com o susto, Sid zigue-zagueou o carro e quase perdeu o controle.
-Ah!!! - Leo parecia estar em pânico e fora de si. - Pára!!!
Sid percebendo porque Leo estava tão assustado, decide parar o carro no acostamento passando por cima do mato que invadiu o acostamento. Antes mesmo que o carro parasse totalmente, Leo saiu do carro, gritando e dizendo algumas coisas que Sid não compreendia, parecia ter surtado com o desaparecimento da cigana. Sid estava terrivelmente amedrontado, com o sumisso da cigana e agora com o amigo correndo para dentro do mato, deixando-o sozinho.
- Onde você vai?! - Sid chamava Leo em vão, ele corria cada vez mais adentrando no mato escuro, totalmente em pânico e gritando.
Apavorado e confuso, Sid não sabia o que fazer. Decidiu ir atrás do amigo, aceitou que isto era o correto a se fazer naquele momento, mas no fundo ele estava com medo de ficar ali sozinho ou mesmo sair dirigindo sozinho. Tentando resistir ao medo, Sid adentrou no mato também, tentando seguir a trilha de Leo. Sua cabeça imaginava mil coisas, como poderia aquela senhora sumir do nada. "Será que ela pulou?!", "Será que ela só está escondida no banco de trás mesmo, planejando se vingar de nós?!", assim seus pensamento vagueavam enquanto gritava pelo nome do amigo. Quanto mais avançava no mato, mais escuro ficava, o chão estava cada vez mais molhado e cheio de lama, fazendo-o tropeçar e cair. Sid sujou-se completamente, estava molhado e coberto de lama. Sem desistir continuou a procurar Leo. Seu desespero aumentou, pois não tinha resposta, começou a correr para todas as direções, tropeçando, caindo e se levantando. Nesta correria, sem prestar atenção por onde andava, acabou escorregando num precipício, onde abaixo só havia rochas e um raso córrego. Diante do perigo iminente, Sid agarrou-se a um galho na encosta, e lá ficou pendurado.
"Droga, o que estou fazendo aqui! Não quero morrer!", Sid ainda mantinha a sanidade naquela inóspida situação. Gritou por ajuda, gritou muito, mas sem resposta. Quando seu braço já sem forças estava prestes a soltar o galho, uma firme mão agarrou-lhe o braço e deu-lhe descanso para o braço extremamente fatigado. Ao virar os olhos para cima, para ver quem era seu salvador, surpreendeu-se ao ver que era a cigana.
- A senhora! Obrigado! Por favor me ajude! - Sid chorando pedia a cigana que o puxasse de volta.
- Claro meu jovem! Assim que eu terminar o que preciso.
- E o que é?! - Sid perguntou impacientemente, afinal o que seria mais importante que salvá-lo da morte certa.
- Eu vim ler sua mão... - A cigana respondeu calmamente, abrindo a palma da mão de Sid.
- O que... - Sid não compreendia.
- Sim, vamos ver o que diz aqui. - A cigana, raspava as linhas da mão de Sid com a unha.
- Por favor... Me ajude... Vá logo com isso... - Sid soluçava de tanto chorar, sua situação era crítica, e ainda parecia estar na mão de alguém que não era totalmente normal.
- Ah sim... Já terminei! - Disse a cigana, dando um tapinha na palma da mão de Sid. - Aqui diz que hoje é o grande dia...
- Grande dia de que...? - Sid já estava impaciente, e junto com o desespero, fazia-o chorar e ter a voz abalada.
- Dia em que você morre!!!
A cigana soltou o braço de Sid, que caiu vertiginosamente, quicando em algumas rochas na encosta até atingir em cheio as rochas do pequeno riacho abaixo. Logo Sid encontrava-se agonizando, e em poucos instantes morreu... e teve ainda o desprazer de continuar a ter o espírito da cigana perseguindo o seu... Até quando? Não se sabe. E quanto a Leo, foi encontrado no mato na manhã seguinte, em transe, enlouqueceu completamente, não fala mais coisas coerentes, tem ataques, e frequentemente diz que vê coisas, como o Sid, a Cigana ou ambos, e de toda as loucuras que ele faz e conta, esta é provavelmente a única verdadeira...