Presente de Natal

A campainha tocou, tocou novamente, e tocou outra vez. O som estridente reverberava pela mansão vazia. Não havia ninguém para receber o pacote que o serviço de entrega tentava há semanas entregar.

Desanimado o funcionário suspirou e voltou seus passos na direção do furgão azulado em que seu colega aguardava. Eles eram obrigados a passar todo dia para tentar fazer essa entrega “urgente”, mas nunca tinham êxito. Tentaram em todos os horários, desde as 7 da manhã até as 7 da noite. Hoje, resolveram tentar um pouco mais tarde, já eram 9 horas da noite, estavam fazendo hora extra pela proximidade do natal e a quantidade de cartas e encomendas.

Ele já abria a porta do compartimento de carga do furgão quando um portão que dava acesso para a mansão começou a se abrir. Ele congelou o ato no mesmo instante, fechou a porta e correu na direção do portão encorajado pelas palavras do colega. “Até que enfim, eu não agüentava mais vir aqui!”

Um carro de luxo, com os vidros negros como a pintura se aproximou da mansão, os faróis acesos de maneira ofuscante miraram-se no entregador quando o carro parou na entrada. O vidro abaixou-se e um cheiro doce de incenso inebriou o homem.

- Em que posso ajudá-lo? – perguntou uma voz feminina do interior do veículo.

O entregador aproximou-se, estendendo a caixa e falando em uma voz rápida.

- Serviço de Entregas Rápidas. Essa encomenda chegou para esse endereço há 19 dias, mas nunca havia ninguém para receber.

A mulher pegou o pacote, ele apressou-se e passou a prancheta.

- Por favor, assine no local indicado com x.

Ela assinou e devolveu a prancheta, fechando silenciosamente o vidro. O carro começou a movimentar-se e juntamente com ele, o entregador caminhou numa velocidade maior que a normal.

- Vamo dá o fora daqui maluco! – ele disse para o companheiro, que o vendo branco e apavorado resolveu não discutir.

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- É para você Judite – a mulher que recebeu o pacote passou-o para uma menina sentada a seu lado.

Judite era pequena, tinha feições completamente infantis, a boca era uma linha fina e rosada, o nariz fino e pequeno, as bochechas rosadas, os dentes pequenos, os cabelos cacheados como de uma boneca. Apenas uma coisa nela demonstrava que ela não era uma simples garotinha, o par de grandes olhos negros. Olhos que perscrutavam a alma, que intimidavam, olhos que aterrorizavam.

As mãos pequenas e delicadas seguraram a grande caixa. As unhas voaram com ferocidade contra o papel de presente vermelho, deixando-o em pedaços em poucos instantes. Uma grande caixa de madeira negra, sobre sua tampa um bilhete:

Sentimos muito por você precisar viver essa temporada na superfície, deve ser aterrorizante. Esperamos todos que este presente chegue a você a tempo.

Com todo nosso respeito.

Ela jogou o bilhete no chão do carro e abriu a tampa da caixa. Um grande instrumento como um relógio estava colocado cuidadosamente envolto em algodão. Ela puxou o aparelho para seu colo descartando a caixa, seu sorriso era de plena satisfação.

- O que é isso Judite?

- Já disse para parar de me chamar por esse nome insignificante. Isso é o que eu precisava para terminar o ano bem.

- Seu presente de natal?

- Se você preferir, meu presente de natal. Papai Noel realmente ficaria satisfeito de tirar uma folga! – ela riu deleitando-se no pensamento

- O que quer dizer?

- Você verá querida, você verá! – ela abraçou o instrumento enquanto descia do carro e corria para dentro da mansão.

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24 de dezembro, 12:00:01

O sol escaldante do verão fazia todos suarem enquanto faziam suas compras de natal. As lojas estavam abarrotadas. Em uma pequena loja de brinquedos duas mulheres concorriam pelo último carrinho de uma promoção:

- Você já pegou dois! Esse é meu!

- Eu tenho três filhos gêmeos! Larga, eu vi antes!

Na longínqua mansão, sob uma onda gelada do ar condicionado, Judite ativou seu aparelho, deitando-se satisfeita na grande cama de casal, seus olhos fechados, deleitando-se da alegria arrebatadora que ela parecia sentir.

As duas mulheres subitamente pararam de brigar, largando o brinquedo em uma pilha, onde muitos outros depositavam seus presentes.

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26 de dezembro, 11:59:59

Judite estava deitada em sua cama, os olhos grudados na grande televisão, ouvindo o noticiário.

- Eu estou confusa, o natal, eu não lembro nada dele. Vamos às notícias internacionais sobre o feriado – disse a jornalista.

A televisão ficou com a tela azul, voltando em seguida para a jornalista.

- Acho que tivemos algum problema técnico em relação ao feriado. Ficamos agora com a previsão do tempo para esta tarde.

A porta do quarto se abriu e Judite desviou sua atenção para a mulher que entrava. Os cabelos flamejantes, a pele dourada, o porte exuberante.

- Não imaginei que a veria tão cedo, Anna! – Judite disse em tom de admiração.

- Acho que seus amigos lhe deram uma ajuda e tanto para voltar para o inferno! – disse a mulher.

- Eles foram generosos em demasia – a pequena concordou.

- Seja feita sua vontade, demônio natalino.

Anna aproximou-se da criança tocando-lhe na testa

- Gostei do apelido, demônio natalino, você sabe que eu poderia ter escolhido outra data, mas o impacto era importante. Espero não ter deixado Noel muito desocupado.

- Você vai se arrepender de ter feito isso, pode ter certeza! – a mão de Anna envolveu a cabeça da criança fazendo-a ficar translúcida.

A mansão tremeu, as paredes racharam, uma escuridão perturbadora tomou conta do quarto, quando Anna enviou o pequeno demônio para as profundezas.

- Isso vai dar um trabalho absurdo para reparar – ela falou desanimada para si mesma enquanto se dissolvia em luz.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 16/06/2009
Código do texto: T1652163
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