Fuga da Morte Sangrenta

Minha respiração estava ofegante, a floresta estava negra, escura, fria e assustadora. O chão era quase impossível de se distinguir, meus joelhos já estavam sangrando devido aos tropeços ocasionados pelas raízes das árvores, mas isso não importava.

Meu baço se contorcia em dor, eu não havia conseguido controlar minha respiração fazendo com que os apenas dez minutos dessa corrida desenfreada me levassem a completa exaustão. Meu tronco queria se dobrar pela dor, meus pulmões ardiam exauridos, minha garganta estava seca.

Mas eu continuei correndo, correndo para me salvar, correndo para qualquer lugar longe dali, longe daquela coisa. Não, não me pergunte o que era, eu não tive tempo para ver. Tudo o que posso lhe dizer é que acordei no meio da noite e todo o acampamento estava arrasado, as quatro barracas estavam tombadas e a fogueira já fraca iluminava a grama.

Não houve gritos, não houve luta. Meus colegas de acampamento simplesmente foram destruídos, mas eu não queria ver. Assim que percebi, o terror se apoderou de mim e eu desatei a correr, não sei para onde, nem qual direção. Não ouso olhar para o céu para procurar o cruzeiro do sul.

O morro que eu subia se aplainou e começou uma descida inclinada rumo a algum vale, meu cérebro esperava com todas as forças que lá embaixo houvesse algum sinal de civilização, eu estou perdido, nem sei que horas são.

Correr morro abaixo era mais fácil, as árvores eram mais esparsas aqui, a floresta clareava um pouco e eu conseguia ver o solo. Concentrei-me para não tropeçar em nada e corri, corri mais do que podia, corri mais do que imaginava que algum dia conseguiria.

Mas, não foi o suficiente, minha respiração ruidosa abafava o ruído suave daqueles passos rápidos. Três deles estavam logo atrás de mim, rindo e se deliciando da minha fragilidade, da minha lerdeza, do meu cansaço.

Suas risadas eram como cristais, como sinos tocando, como o mais puro som cristalino. Duas vozes femininas e uma masculina eu distingui pelos tons. Um deles pulou sobre uma das árvores e desceu à minha frente, os outros me cercaram. Não havia mais para onde fugir.

Meus joelhos cederam do cansaço, as palmas das minhas mãos encontraram o solo num ato reflexo protegendo meu rosto. Eles se aproximaram de mim, senti o cheiro nauseante deles, doce, enjoativo, me lembrava terrivelmente o creme de baunilha de minha ex-namorada, mas havia algo errado com aquele aroma, estava mesclado com outro, com algo que eu não queria pensar, não queria lembrar, a grama vermelha, meus amigos.

Meu estômago embrulhou, de medo talvez, ou apenas de pensar no que esses desgraçados fizeram com meus amigos. Se eu fosse crente em Deus talvez devesse rezar pela minha alma agora, porque só ele (se existir claro) para saber que tipo de demônio são essas coisas.

Eles pareciam perfeitamente humanos, vestidos em trajes simples (jeans e camisetas, botas de caminhada nos pés). Como eu ouvi, eram mesmo duas mulheres e um homem, todos pareciam ter por volta de vinte e cinco anos, uma loura, uma ruiva, e ele moreno.

Eles eram humanos, mas parecia errado, eu sei que existem assassinos loucos no mundo, sei que humanos podem se transformar em coisas horrendas. Mas chegar a esse ponto era ridículo. A pele deles era pálida, deveriam ser uma sub-raça de povo albino, que gosta de aterrorizar os campistas.

Minha respiração aos poucos se tornou mais regular e eu pude tomar uma posição mais digna. Sentei no solo úmido e olhei para cima. A loura riu da minha expressão exausta. Eu fitei o céu, não queria olhar para o rosto daqueles assassinos malditos. Lá estava o cruzeiro do sul indicando-me que tomei o caminho errado, não chegaria a estrada alguma por ali, como se agora houvesse alguma possibilidade de fuga.

- Hihihi, eu gostei dele, espirituoso – a ruiva falou traçando com sua unha minha testa.

Meu corpo se arrepiou inteiro, agora eu tinha certeza que estava com um medo desgraçado dessa louca. Queria ela a quilômetros de mim. Se ela aparecesse para mim em qualquer dia que não esse, em qualquer lugar que não aqui, eu poderia desejá-la como mulher e muito, ela tinha um corpo escultural e um rosto de atriz de cinema.

- Esse desgraçado deu trabalho – o homem falou parecendo aborrecido, mas nem de longe cansado – acaba logo com isso, não temos muito tempo.

Ele encostou-se em um tronco parecendo desinteressado por mim, senti a adrenalina correndo no meu sangue, como se agora eu tivesse uma chance contra as duas mulheres se ele resolvesse não agir. Afinal, eram apenas duas albinas querendo o meu corpo.

A loura cacheava uma mecha com um dedo longo e fino, a unha escarlate comprida e pontuda era perturbadora. Os pelos do meu braço estavam todos arrepiados, e se fosse possível eles ficariam mais quando a ruiva sentou no meu colo.

O rosto dela a menos de trinta centímetros do meu, ela traçando meu rosto com a unha comprida, os olhos dela observando com curiosidade minhas reações, como se eu fosse ter alguma. Ela era leve, magra, provavelmente eu conseguiria arremessa-la longe com um pouco de esforço, mas eu não conseguia ter alguma ação.

Os cabelos ruivos e compridos caíram sobre seus seios, praticamente desnudos na regata branca. O rosto dela era oval, o nariz pequeno, ela era delicada e bonita, mas havia algo terrivelmente assustador no jeito como ela sorria, um sorriso falso, mostrando apenas uma pequena porção dos dentes.

Em uma fração de segundos ela mudou a posição, segurando a minha cabeça em suas mãos, e cheirando meu pescoço como se procurasse meu perfume, apesar de eu achar que estava suado e fedendo essa hora provavelmente (três dias de acampamento sem chuveiro não faziam muito bem para os aromas das pessoas).

Senti algo molhar minha pele, ela estava lambendo meu pescoço. As mãos dela fecharam-se com força prendendo meu rosto, eu não conseguia virar, de onde veio aquela força monstruosa, isso nunca caberia em mulher alguma.

- Que foi? – a loura perguntou perplexa.

- Acho que eu não consigo – a ruiva falou triste.

- Por favor! Como não consegue? Você precisa fazer isso se quiser viver – a loura respondeu com sua voz cristalina.

- Então acho que não quero viver!

- Que droga! Por que você foi escolher alguém tão melodramática para adotar? – o homem ralhou com a loura.

- Mas ela é tão bonitinha – a loura defendeu-se.

O homem aproximou-se de mim numa velocidade espantosa, senti as mãos dele sobre as delas na minha face. Ele inclinou meu rosto de maneira que minha bochecha tocou no meu ombro. Senti meu pescoço totalmente desprotegido, o homem fincou sua unha na minha pele, e senti um jorro quente (meu sangue?) correr molhando a gola já suada da minha camiseta.

Sem perder tempo a mulher fincou seus dentes no talho, meu corpo amorteceu e eu perdi os sentidos por algo venenoso que ela injetou em minhas veias.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 08/06/2009
Código do texto: T1638582
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