Sombras da Morte

Caminhavam lado a lado, os dedos entrelaçados nas mãos dadas. O relógio da torre da igreja alcançou a meia noite. A calçada era tortuosa e quebrada naquele trecho que cruzava o antigo cemitério, o relógio deu uma badalada. Poliana tropeçou em uma raiz que saltou da terra, mas conseguiu apoiar-se em seu noivo para não cair no chão.

Ela virou-se assustada contemplando o vegetal que a atacara, a árvore grande e possivelmente centenária crescia no interior do cemitério, em sua copa viam-se inúmeros passos negros, provavelmente corvos ou corujas azarando a noite.

- Venha, vamos! – Jorge abraçou a mulher e continuaram a caminhada.

O relógio badalou pela segunda vez. Um gato negro passou correndo pela frente dos dois pulando o muro do cemitério, logo atrás dele um grande cão negro, outrora nas lendas conhecido por sinistro, ou presságio de morte. O cão parou a cinco passos deles e sentou-se contemplando o casal.

Jorge postou-se no lado que ficaria a mercê do cão se ele resolvesse atacar e continuou o caminho com passos resolutos. O cão pôs-se a rosnar quando o relógio badalou pela terceira vez.

Dentro do cemitério uma lápide quebrou-se quando a quarta badalada da meia noite era soada, o estampido do concreto partindo foi ouvido pelo casal que se assustou, Poliana berrou desesperada assustando uma coruja que estava pousada no poste de luz. A coruja virou-se enraivecida e voou por sobre as cabeças de ambos em um rasante perigoso, pousando em outro poste longe dali, quando o relógio badalou pela quinta vez.

O relógio badalou pela sexta vez. Poliana apoiava-se nas grades do cemitério para continuar caminhando, ela que sempre fora supersticiosa conseguia ver todos os presságios da hora amaldiçoada. Sua mão segurou uma das barras, nela havia um visco, que grudou em seus dedos queimando-lhe a pele.

Ela tremia, seu rosto estava pálido, seu cabelo louro acinzentado grudava em sua face pelo suor gelado que escorria. Ouviram então a sétima badalada do relógio. O coração dela já se descompassava quando escutava o som do sino, e sem pensar ela olhou para a igreja. Voando próximo ao relógio iluminado um grande morcego batia suas asas membranosas.

Poliana focou-se no sino que voltava lentamente para iniciar um novo badalo, deixava Jorge guiar seus pés pela calçada traiçoeira. O sino tocou pela oitava vez quando uma laje da calçada desmanchou-se a fazendo cair em um buraco fundo, a única coisa que a mantia próxima era a mão de Jorge firme em sua tentando puxá-la.

O gigantesco sino dourado guiava-se para voltar. Jorge berrava por ajuda sem sucesso. Nos arredores não havia nada, nem ninguém! Eles ouviram a nona badalada. Milhares de vermes brotaram da terra, que formava aquele buraco profundo, avançando em direção ao corpo pendente e ainda vivo de Poliana.

O gato negro aproximou-se cruzando a grade do cemitério. Do outro lado da calçada o cão negro ainda rosnava olhando para o buraco. O morcego deu um rasante sobre o buraco pegando uma mariposa em pleno ar. A coruja voou sobre o morcego. O cão encarava o gato com ódio. O relógio badalou pela décima vez.

O chão começou a desmoronar, a laje que mantinha Jorge firme no chão cedeu escorregando em direção a outra borda do buraco forçando-o a soltar a mão da amada. A escuridão tomou conta da visão de Poliana quando o relógio bateu pela décima primeira vez.

Jorge correu para o telefone público para ligar para os bombeiros. Assim que saiu da calçada o lugar todo desmoronou, levando consigo pelo menos três metros do cemitério para dentro do buraco. Poliana escutou a última badalada do relógio antes de ser completamente envolta pela terra úmida e perversa.

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 18/05/2009
Reeditado em 18/05/2009
Código do texto: T1601873
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