A Capelinha

A Capelinha

Em meio ao mato alto, lá esta ela, decadente, solitária e dizem as más línguas populares, assombrada.

Seu branco é desbotado, seu corpo parcialmente quebrado pelo tempo, alguns tijolos de fora, telhas quebradas no chão ao lado de plantas rasteiras que impregnam o ambiente naturalmente sombrio. Algumas telhas ainda fazem parte do telhado, quebradas e com um tom agora indefinido, mas, estão lá testemunhando os acontecimento do tempo e das historias que rondam a existência daquela antiga capelinha.

Dentro dela estão estatuas, algumas sem cabeça, outras sem os braços, algumas ainda com a pintura carcomida ou simplesmente quebradas em muitos pedaços em algum canto.... em pé mesmo só existe uma diferente das outras, mas aparentemente de um santo, ou talvez imagem de uma entidade desconhecida pela maioria... uma estatua com cerca de 2m10cm, vestida de vermelho, olhos profundamente azuis, face perturbadoramente indefinida e na cabeça existe uma coroa de cruzes em bronze e prata entrelaçadas de tal modo a se confundirem uma nas outras... nas mãos segura um livro negro, paginas amareladas em uma língua estranha, morta diriam os historiadores.

Uma brisa fria e nervosa balança o mato alto, assoviando o mau agouro da fria estação que se aproxima, ou talvez, os acontecimentos que estão por vir. A lua negra começa a invadir o céu... nuvens pesadas a embalam escondendo o brilho das estrelas... uma coruja escondida observa o caminho escuro que leva ao terreno da pequena capela, mesmo castigado pelo matagal, o caminho existe e pode ser trilhado com alguma dificuldade.

Meia-noite a coruja arregala ainda mais os olhos, espreitando um casal que se aproxima pelo longo caminho deserto, aventureiros em busca de lugares insólitos ou apenas buscando abrigo para a tempestade que se aproxima, carregando consigo o frio.

Ele é alto, moreno, forte e com olhos de águia feroz procurando uma caça, ela é loira, alta, corpo de uma Afrodite com olhos de tigresa faminta... belo casal de aventureiros em busca de diversão e privacidade, sem medo do perigo, sem ligar para o silencio absolutamente assustador que assombra o velho lugar... aproximam-se felinamente da capelinha, observando se não há buracos no caminho... empurram o portãozinho enferrujado que da acesso ao interior do lugar... seus passos atraem o farfalhar do mato misturado aos cacos advindos das estatuas quebradas e de pedaços de telha dispostos no chão... uma lanterna ilumina fracamente o local... ele vai à frente, segurando a mão dela que segue logo atrás quase encostada nele.... escolhem um canto para sentar e descansar as mochilas pesadamente equipadas.... ela coloca o casaco no chão, senta nele e fica observando o namorado que explora o local não muito distante dela... vira os olhos para acompanhá-lo e quase grita ao dar de cara com a estranha estatua que parece dominar a pequena capela fazendo dela seu altar secreto.

- Luciano, olha aquilo – aponta a estatua para o namorado – que escultura esquisita, da arrepio e o livro nas mãos dela é de verdade, estranho de mais.

Luciano se aproxima da estatua para observar melhor... estando agora bem próximo pode ver que a namorada tem razão, o livro é de verdade, mas não consegue definir nada do que esta escrito lá... apenas percebe que as paginas amareladas e pesadas são tomadas por letras e desenhos feitos á mão.

- É de fato um livro de verdade nas mãos da estatua – diz ele para a namorada que o encara atentamente sob a tênue luz que ele joga automaticamente sobre o livro sem se dar conta que olhos profundamente azuis seguem cada movimento seu – tem desenhos e letras feitas cuidadosamente à mão, bem diferente, instigante eu diria, quando amanhecer vemos com mais calma, agora quero apenas fugir do frio em seus braços – diz Luciano voltando para perto de Lilian.

Ele senta no chão e a abraça satisfeito por encontrar um esconderijo perfeito para que os dois possam fugir da tempestade que se forma lá fora irremediavelmente e dos três homens armados que o pai de Lilian mandou para caçar o casal em fuga.

O frio se faz sentir com força, os dois se abraçam com força... lábios unidos... olhos jurando amor eterno... amor bandido, mas eterno e verdadeiro... estão dispostos a viver e morrer um pelo e para o outro.

O profundo sentimento entre eles não permite que percebam silenciosas sombras se formando em volta, um circulo macabro onde estatuas sem cabeça dançam segurando suas faces, escultura sem braço vibram como se tivessem mil membros no corpo... a estatua maior, intacta, agora segura o livro aberto, as vestes em chamas e os olhos profundamente azuis carregados de relâmpagos de cólera e maldição, na outra mão uma adaga afiada e reluzente surge de dentro do livro.

O casal sente um cheiro agre e forte de enxofre empesteando o lugar, fazendo arder os olhos e engasgar as gargantas.... sob o ombro do namorado ela vê então o cenário grotesco que agora existe onde antes haviam apenas ruínas.

Gritos... desespero... mais gritos.

Passos pesados ecoam pela capelinha encurralando pés aflitos que tentam correr, mas, são vencidos pelas armadilhas do chão traiçoeiro e cheios de novas fendas que impedem qualquer novo passo.... o portãozinho outrora frágil se transforma em um portão imenso com cadeados imensos e pesados de um material desconhecido e impossível de destruir.... a antiga capela se fecha em um calabouço assustador e fracamente iluminado por profundos olhos azuis.

Novos gritos se fazem ouvir, ainda mais desesperados, muito mais angustiados que no instante anterior... Luciano agarra Lilian tentando proteger sua amada com seu próprio corpo ao sentir que o primeiro golpe o atinge em cheio nas costas... o punhal desenha uma dolorosa cruz invertida em sua pele, fazendo-o cair de joelhos, vencido pela dor, uma voz metálica e febril domina o ar com palavras diferentes, sem sentido para os dois amantes que apavorados se abraçam com mais força... ela o segura nos braços entre lagrimas, vendo seu sangue formar uma poça vermelha e espessa em volta dos dois... um triangulo se desenha em volta dos dois com o sangue dele e é envolvido pelo circulo das estatuas que se movem de maneira enlouquecida sem sair do lugar.

Luciano cai sem vida nos braços de uma Lilian lívida e embasbacada de terror... as estatuas entoam hinos ensurdecedores... ela grita pelo amado... seus lábios param no ar congelados pelo toque gélido da adaga do monstro de barro gigante em sua pele pálida, encarando-a de maneira obsessiva e cruel.... ela tenta fugir, mas seu corpo não reage.... tenta gritar um pedido de socorro, mas sua voz se cala... todo seu ser se contrai... o medo agora flui em suas veias... aqueles olhos profundamente azuis a avaliam sorrindo sarcasticamente enquanto a adaga cruza o ar ficando a poucos centímetros de seu peito, ele parece escutar as batidas descompassadas em seu coração, sorri ainda mais... a ponta afiada encosta-se a seu peito... o metal frio provoca arrepio... a adaga faz desenhos inexplicáveis no ar em meio a uma nevoa cinza e fedorenta que toma conta do recinto... da adaga se faz a espada... um golpe, apenas um e a cabeça de Lilian é separada do corpo em questão de segundos.... de seus olhos vidrados escorre uma ultima lagrima marmorizada pela morte... seu corpo cai sobre o de Luciano... em seu peito a mesma cruz invertida das costas dele... o sorriso macabro da estatua vermelha ecoou pelo espaço... lá fora a coruja se encolheu.... o matagal do terreno se ajoelhou e o vento uivou dolorosamente.

...

Três horas da madrugada, três homens armados se aproximam da pequena capela branca e inofensiva.... seguindo o rastro de dois jovens em fuga. ... abrem o portãozinho e entram na capelinha em busca de pistas... encontram apenas algumas estatuas quebradas e uma outra inteira, grande, vermelha, coroada com cruzes e adornada profundos olhos azuis.

Essência di Ana
Enviado por Essência di Ana em 09/05/2009
Código do texto: T1583842
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