CORPO SECO
Lenda urbana : Corpo seco.
O cigarro queimava-se nos lábios do homem, que estático observava o corpo. A estrada era deserta e com o entardecer tornava-se ainda mais sinistra, somente seu carro denunciava algo vivo naquele local, porém não era um problema, ninguém haveria de ver, raramente passavam por ali, muito menos naquele horário.
Seu chapéu sombreava-lhe a face apreensiva, tudo estava feito o corpo ao lado de uma estrada deserta, a gasolina, bastava somente o fogo proporcionando o desfecho final àquela anomalia sofrível. O cigarro seria o estopim.
O homem caminhou lentamente em direção ao corpo com o cigarro nas pontas dos dedos trêmulos pronto a ser arremessado, ao aproximar-se viu novamente aquela visão terrível. “Algumas pessoas pagam aqui seus pecados” – pensou.
Ao aproximar-se os olhos da criatura voltaram-se para os seus, ainda sobrara algum brilho, parecia ali haver um espírito, ou um pequeno toque de piedade, seu respirar era pesado, profundo, parecia lamentar. O homem desviara o olhar sabia que era impossível tal pessoa possuir algum sentimento nobre, ele a conhecera por toda a vida, nunca, em todos os momentos vira qualquer manifestação de bondade naquela pessoa, nem mesmo uma queda de orgulho, aquilo era o puro mal.
As lembranças surgiram juntamente com as dúvidas de o que faria seria o correto, vagamente uma nuvem de piedade afrontou-lhe o coração, os olhos pediam. O cigarro parou. Um novo julgamento tomou-lhe a razão.
A pessoa prestes a ser queimada viva chamava-se Julieta, esta nascera numa família rica de criadores de gado no Mato Grosso, tinha dois irmão, o mais velho homem e a caçula uma menina. Desde a infância a mimada Julieta ficara conhecida pelos empregados como “coisa ruim”, seus afazeres diários eram roubar, incriminar, discriminar os empregados, aproveitar-se dos irmãos e torturar os animais com uma maldade indescritível; Contam que certa vez ela colocou um potro vivo no grande forno de barro da fazenda porquê seu pai iria vende-lo e não dar-lhe como pedira, os cães, gatos fugiam da pequena garota, como fogem do açoitador, muitas galinhas e marrecos morreram envenenados por suas mãos. Seus irmão eram sempre acometidos por castigos dos pais sempre com planejamento da garota. Muitos empregados foram demitidos e outros voluntariamente se demitiam motivados pela presença de Julieta.
Ela era envolvente, até o falecimento de seus pais, estes nunca souberam quem era ela de verdade, ela fingira e os enganara por toda vida usando-os com sagacidade desumana como arma de destruição.
Sua juventude fora repleta de mal fazeres, o orgulho a consumia, a ganância era o seu lema e a inveja seu estimulo. Seu irmão o mais velho e mais querido por seus pais aos dezoito anos morrera engasgado ao seu lado enquanto passeavam pela fazenda num piquenique preparado por Julieta. Os empregados juram que ela o matara. “Julieta chorou muito naquele enterro, chorou até demais” – diziam.
Com a morte do irmão sua bela irmã que a temia demasiadamente virara alvo de suas atrocidades, tortura psicológica, brigas rotineiras e por fim o pior.
Certa manhã um belo homem ajoelhava frente ao pai de Julieta pedindo sua filha mais nova em casamento, o pedido foi aceito com um grande aperto de mão. Julieta assistia por entre a fresta de uma porta que até hoje está marcada com seus arranhões de inveja incontrolável.
Aos poucos Julieta aproximou-se do futuro cunhado e juntamente com os dias passaram a uma amizade corriqueira, posteriormente como natural numa amizade familiar, mas ela queria mais, queria-o para si, toma-lo de sua irmã. Como era bela e envolvente em pouco tempo conseguiu leva-lo ao pretendido, perdera sua pureza com o futuro marido de sua irmã.
Não tardou começou a chantagiá-lo, porém algo saíra errado, Julieta engravidara.
Como normalidade da vida seus pais morreram, no mês seguinte num acidente de carro.
Agora ela e a irmã estavam sozinhas, dividiam o mesmo dinheiro, a mesma casa e o mesmo homem.
Numa noite chuvosa, pela chantagem de Julieta o futuro marido de sua irmã deitava-se com ela no quarto e na cama da pobre garota, esta chegando no horário que sempre chegava da igreja os flagrou. Dois dias depois ela se enforcava próxima à árvore onde seu irmão morrera, seu futuro marido fez o mesmo dois dias depois.
Com grande surpresa Julieta descobrira a gravidez. Após o nascimento um novo alvo de tortura surgia; o filho.
Sempre, por toda a vida o garoto fora diminuído, menosprezado e humilhado pela mãe, às surras eram constantes, tapas, chutes e socos eram distribuídos diariamente ao garoto. Suas duvidas, seus pedidos suas carências eram retribuídas com uma simples frase.
- Seu merda.
O tempo passou, Julieta envelhecera, adoentou e em pouco tempo já não podia levantar do leito, os criados cuidavam dela, o filho não se aproximava, não por ódio, mas por temor. A mulher aos poucos fora secando, os médicos diagnosticaram câncer deram-lhe uma ano devida, e passaram-se dez, ela não morria, só secava, e secava no leito diário. Os médicos não conseguiam explicar como ela ainda vivia, nada em seu corpo se movia, além dos olhos, aqueles olhos maléficos que seu filho tão bem conhecia.
Certo dia o filho dispensou os empregados, e numa ânsia de fúria levou sua mãe para o carro.
E ali estava ele frente ao corpo com o cigarro entre os dedos trêmulos.
Ela parecia querer sussurrar algo, seu filho agaixou-se próxima àquela boca deformada, esperando talvez uma primeira frase bondosa de sua mãe e ouviu o som vagarosamente.
Pouco depois o cigarro caíra e uma grande chama aos poucos consumia os olhos que ainda brilhavam.
O que ela disse, ele jamais esqueceria, pois já conhecia bem.
“– Seu Merda”
João Victor
Idéia de Danielo.
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