O misterioso homem de preto

Meu corpo se contraiu involuntariamente, meus pêlos se arrepiaram, o cinema parecia pequeno demais para conseguir me esconder daquela presença. Sentia que ele me olhava, apenas o notei sentado duas filas atrás de mim quando entrei na sala.

Minha pipoca não conseguira me distrair e jazia fria no meu colo, a lata de coca-cola no encosto do braço deixava gotas escorrerem, o líquido em seu interior já estava morno. Toda a sensação que eu tinha havia sumido quando percebi que ele me seguira até aquele lugar.

Uma hora antes eu estava sentada no metrô a caminho de casa quando notei esse homem. Ele era alto, magro e pálido. Os olhos negros eram profundos, as olheiras tomavam conta do rosto, que apesar de tudo parecia ter uma nobreza indescritível. O chapéu preto ocultava parcialmente o rosto, e combinava com seu vestuário negro composto por sapato, terno e sobretudo, tudo preto.

A viagem de metrô era sempre algo cansativo e monótono, hoje ele me parecia uma distração perfeita para contemplar e espantar o tédio. Sua presença era singular. Seus gestos, a maneira como estava sentado, o jeito como segurava a pasta preta que trazia consigo, tudo nele era perfeito demais para ser real.

O metrô parou na minha estação. Nem notei o tempo passar. Levantei e sai pelas portas escancaradas do veículo. Já era tarde, a estação estava quase vazia. Meus passos ecoavam no piso de concreto do subterrâneo. Minha bolsa pendia do meu ombro direito enquanto eu carregava uma pasta com documentos do trabalho na mão esquerda. Teria que trabalhar muito essa noite ainda.

A escada rolante já estava desligada, restava apenas a longa e cansativa escada de cento e tantos degraus. Tomei fôlego e comecei a subir os degraus lentamente quando vi uma sombra mover-se entre as colunas no piso inferior. Eu não estava com sono, mas parecia que meus olhos estavam me pregando peças, pois não havia nada lá.

O som da catraca girando me fez sobressaltar, não havia ninguém subindo na minha frente, era impossível ela ter girado sozinha. Meus nervos estavam me matando, melhor passar na farmácia comprar um calmante a caminho de casa ou não teria sono durante a noite.

As luzes noturnas da cidade estavam alarmantes como sempre. O letreiro luminoso do motel do fim da rua piscava em vermelho e azul. Um cinema iluminava o quarteirão do outro lado deixando a mostra os cartazes dos lançamentos. Ao lado dele a farmácia que eu procurava.

Caminhei até a faixa e aguardei o semáforo indicar que eu podia passar. Dois homens juntaram-se a mim na espera. E foi muito rápido, apenas ouvi o sussurro desesperado no ar. Minha pasta escorregou da minha mão quando virei rapidamente. Dois passos atrás de mim, o homem de preto estava parado, o peito dele arquejava, a respiração era ruidosa.

Os homens que aguardavam o sinal verde continuaram a caminhada, mas eu não conseguia mover um músculo. O homem sorriu deixando à mostra uma fileira perfeita de dentes tão brancos quanto afiados.

Meus pés recuaram involuntariamente, antes que eu me desse conta estava correndo para o meio da rua, entre os carros que passavam a mais de oitenta quilômetros por hora. O som das buzinas preenchia o ar juntamente com o cheiro da borracha fritando no asfalto.

Precisava me esconder, olhei para trás e não vi mais o homem. Entrei na bilheteria do cinema enquanto procurava uma nota de dez na bolsa, entreguei-a para o bilheteiro pedindo um ingresso pro filme da sala um, fosse qual fosse.

A sessão já havia começado, mas não importava, eu queria apenas ficar em algum lugar protegido até aquele homem estar longe dali. Fui ao banheiro lavar o rosto, meu corpo suava frio, eu estava pálida. Sentei no pufe do banheiro e controlei minha respiração pelos dez minutos mais longos da minha vida.

Quando voltei ao saguão do cinema o cheiro de pipoca atiçou meu apetite, eu não comia nada desde o meio-dia, peguei a pipoca e a coca e entrei na sala. Eu sempre gostava de sentar no meio do cinema próximo ao corredor. Enquanto descia as escadas no escuro notei um movimento rápido na minha esquerda. Segundos depois vislumbrei a mão pálida do homem retirando o chapéu da cabeça. Sentei no lugar que planejava.

As luzes incessantes da projeção, o áudio em alto volume, o ruído dos casais se beijando ou fazendo algo a mais, nada disso conseguiu captar minha atenção. Minhas mãos estavam fechadas em torno dos braços da cadeira, os tendões saltavam da pele pálida. Eu mal conseguia respirar.

Uma mão gelada pousou sobre a minha no braço da poltrona. Eu nem precisava erguer os olhos para saber que era ele. O aroma de sua pele era uma estranha mistura de cheiro de bebê e de carne podre. Os dedos dele se fecharam sobre os meus, as unhas compridas perfuraram a palma da minha mão. Ele curvou-se e lambeu o sangue.

Eu queria gritar, mas era tudo que eu não conseguia fazer, nenhum músculo meu parecia se mexer, nada parecia querer me obedecer dentro de meu próprio corpo.

Ele curvou-se e afastou meus cabelos compridos com a mão e gentilmente me puxou mais para perto dele. Estava certa que ninguém notaria nada estranho na cena. O cinema de madrugada era sempre ocupado por casais que queriam se arriscar um pouco em algum lugar público.

Ele cheirou a pele do meu pescoço, senti o nariz pontudo encostar na minha pele, os lábios se abrirem, e ele cravar os dentes na minha garganta. Droga! Eu precisava gritar! Pedir socorro! A mão dele fechou-se sobre minha boca prendendo-me contra a cadeira.

Ele drenava o sangue de dentro do meu corpo com a facilidade de uma bomba. Minha visão escureceu.

Senti minha mão escorregar do encosto, meus pés perderam a pouca fixação que tinham ao solo. A pipoca caiu espalhando-se pelo cinema inteiro.

Minha cabeça doía muito, meu coração doía, meus músculos doíam, tudo estava queimando de dor, eu queria que aquilo acabasse de uma vez, mas eu não queria morrer, alguém precisava me salvar, mas ninguém veio.

Tum, ta... tum,ta...tum...tum...ta...tum...ta...tum......................................

Emília Kesheh
Enviado por Emília Kesheh em 25/04/2009
Reeditado em 25/04/2009
Código do texto: T1559933
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