A cabra
Doce mulher.
Veja como ela dança. Suave e gelada acima de nossas cabeças.
Assista seus movimentos, em meio aos véus de fogo.
Seus olhos vão marejar com a dança misteriosa.
Observe-a deslizar no ar, como se o vento fosse líquido.
Sinta o espírito lhe abandonar o corpo, abstrato.
Veja as chamas negras que crepitam silenciosas.
Ouça os sinos longínquos badalarem funerários.
Desça as escadas de pedra, íngremes e tortuosas.
Abra os portões de ferro, banhados em sangue fresco.
Toque as paredes úmidas, engolidas pelo breu.
Caminhe pelo túnel gelado, sentindo a presença da morte.
Suba os degraus lodosos, e encontre a saída para a luz.
Respire a névoa esbranquiçada e embarque na ponte para o além.
Continue sem olhar para baixo, sobre o penhasco malicioso.
Há alguém lá em baixo, seu desespero rasga o silêncio.
Não está sozinho, há milhões deles também.
Vozes confusas – não de homens, nem mulheres.
Desumanos, sorumbáticos, o coro é assustador.
Estão por todos os lados, sobre as pedras ao redor.
Corpos difusos, acinzentados, ocultados pela fuligem.
O calor o aquece, chamas aparecem, seu corpo pode queimar.
Corra mais depressa, ignore as súplicas e chegue ao altar.
O altar de mármore, no final da ponte, seu destino está lá.
Sobre ele, está ela, belíssima e graciosa, como sempre a dançar.
Seu corpo de mulher nua, com seios formosos, mas algo novo a intrigar.
Sua cabeça, com chifres grotescos, pêlos negros e olhos âmbar.
Fuja! Corra! Grite!
Vá para longe desse diabólico inverno!
Você vai encontrar a placa seguinte:
Bem vindo, meu caro.
Bem vindo ao Inferno.
"O caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções."
(Karl Marx)